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SÃO PAULO – No início da quarentena, quando milhões de profissionais ao redor do mundo migraram para o “home office” em tempo recorde, adotando novas ferramentas digitais para continuar suas vidas no “novo normal”, era encorajador e reconfortante ver tamanha flexibilidade humana em meio ao caos.
Passado praticamente um ano desde o início dessa nova dinâmica de trabalho (e de vida), muitos estão usando as mesmas ferramentas de videoconferência para trabalhar, estudar e manter todas as conexões humanas durante o isolamento. E, com as linhas entre o profissional e o pessoal se confundindo, torna-se complexo definir onde termina o dia de trabalho e começa a vida pessoal, já que, em muitos casos, em ambas as situações nos vemos em frente às telas, isolados em casa.
“Quando não tínhamos pandemia e falávamos em home office, todos queriam ter essa oportunidade de trabalhar de casa. E, com os primeiros meses de home office, a receptividade parecia geral. Mas, depois do terceiro, quarto mês, algumas pessoas começaram a se saturar. Falta interação social real e sobra pressão”, diz Vitor Silva, Branch Manager da consultoria empresarial Robert Half. “O fato é que tudo ainda parece um desafio e não existe uma única regra para todas as situações.”
Ainda segundo Silva, o desafio é ainda maior ao considerar o impacto dessa nova dinâmica de trabalho na saúde dos funcionários. Ficar o dia todo em frente ao computador, pulando de call em call, afeta diretamente a saúde mental – e física – desses empregados.
“Ao redor do mundo, vemos que as empresas estão buscando um empoderamento do funcionário sobre seu horários e atribuições e o equilíbrio da vida profissional e pessoal”, continua Silva, destacando que problemas como ansiedade e esgotamento mental foram agravados com o aumento de trabalho no home office.
Aumento nas queixas sobre reuniões
Uma pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) mostrou alguns dos malefícios do excesso de reuniões virtuais para a saúde mental dos funcionários. De acordo com o estudo, realizado entre agosto e outubro de 2020, 54,8% dos psiquiatras entrevistados perceberam um aumento nas queixas dos pacientes sobre o excesso de videoconferências nos últimos cinco meses e 68,6% aumentaram as prescrições de psicoterapia aos pacientes, que começaram a desenvolver quadros de estresse e ansiedade, por exemplo.
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Além do desgaste mental, os cuidados com os olhos devem ser levados em consideração também, já que uma exposição prolongada às telas pode ser muito prejudicial para a saúde da visão em si (veja mais).
Desde março, a ABP já orientava as empresas a prestar mais atenção na saúde mental dos funcionários, argumentando que o medo da pandemia e a pressão para manter a produtividade de casa poderia desgastar o psicológico de boa parte dos trabalhadores.
Segundo Antônio Geraldo da Silva, presidente da APB, a pandemia influencia uma “onda” de novas doenças mentais relacionadas ao trauma psíquico que muitos funcionários podem ter sofrido ao longo desse período de isolamento. “Outras curvas da doença [como a de novos casos e mortes] caíram em algumas regiões, mas essa permanece ascendente, mostrando que as consequências durarão mais tempo”, explica Geraldo.
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Leia também: 6 lições que o mundo aprendeu sobre o home office após quase um ano de pandemia
Estresse, ansiedade e “Zoom fatigue”
O aumento do estresse e desgaste mental entre funcionários que estão no home office e possuem alta carga de videoconferências foi percebido – e catalogado – por psicólogos e especialistas em recursos humanos de todo o planeta. E já tem até um nome: Zoom fatigue ou “fadiga do Zoom”.
Embora o termo faça referência à plataforma americana Zoom, que se popularizou na quarentena, vale para qualquer aplicativo ou plataforma de chamada de vídeo, incluindo WhatsApp, Microsoft Teams, Google Meet e outras.
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“No home office, o volume de horas trabalhadas teve um aumento de forma clara“, diz Silva, acrescentando que a separação entre vida profissional no escritório e a vida pessoal dentro de casa praticamente não existe mais. “Com uma reunião atrás da outra, você simplesmente não para de trabalhar. As empresas precisam lidar com a exaustão do funcionário de forma proativa, identificando o problema antes que ele aconteça de fato”, complementa.
Paradoxalmente, a pandemia nos separou fisicamente, mas nos conectou virtualmente como nunca. “Um dos maiores desafios que tivemos foi o de reaprender a se conectar com as pessoas. A falta de interações pessoais presenciais afetou muito não só o escopo do trabalho, mas a vida desses funcionários”, afirma Luiz Fernando Barosa, sócio da área de consultoria em Capital Humano da Deloitte.
O lado bom do home office
A migração quase imediata para o trabalho à distância foi um desafio enorme e, para muitos setores, inédito. Mas, por mais difícil que tenha sido difícil, o desafio trouxe ótimos aprendizados, como mostram diversos estudos.
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A mudança abrupta fez com que os avanços tecnológicos fossem fomentados, justamente para suprir as demandas das empresas em manter a produtividade à distância. Hoje, a todo momento surgem diversos aplicativos e softwares que auxiliam na gestão de projetos à distancia, armazenam arquivos compartilhados na nuvem, facilitam a troca de mensagens e promovem videoconferências.
Além dos ganhos tecnológicos, pesquisas mostram que, no geral, as pessoas têm sim trabalhado mais, mas mais felizes. Um estudo da Universidade de Princeton descobriu que o deslocamento era uma das atividades mais desagradáveis que as pessoas faziam regularmente em suas rotinas de trabalho.
Já um outro levantamento, do Escritório de Estatísticas Nacionais da Grã-Bretanha, descobriu que “passageiros diários do metrô têm menor satisfação com a vida e níveis mais baixos de felicidade e maior ansiedade, em média, do que os que não trabalham”.
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Uma outra pesquisa da Universidade de Montreal, no Canadá, descobriu uma relação direta entre o trajeto até o trabalho e o desenvolvimento de problemas como a síndrome de burnout, transtorno psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso.
O aumento da felicidade de trabalhar em casa pode, por sua vez, tornar os trabalhadores mais produtivos. Porém, nas atuais circunstâncias, é difícil ter certeza se o trabalho em casa ou no escritório é mais eficiente, já que é difícil comparar as diferentes realidades que funcionários possuem dentro de suas próprias casas.
Barosa, entende que, embora existam ganhos no modelo de trabalho à distância, os problemas condicionados à pressão excessiva e ao próprio medo e insegurança relacionados à pandemia precisam ser incorporados e entendidos como pelas empresas, pois afetam diretamente a saúde do funcionário.
“O fato é que as empresas não construíram esse modelo de maneira pensada, simplesmente viraram uma chave e deixaram de lado um mote muito importante, que agora se transforma em uma grande tendência da área de recursos humanos: o desenho do trabalho com foco em bem-estar, para que o trabalho seja agradável e engajador”, acrescenta. “Mas embora algumas empresa tenham caminhado nesse sentido, a percepção geral é de que esse novo modelo deixou as pessoas mais cansadas e estressadas“, conclui Barosa.
Já Silva, vê a oportunidade como uma forma de a empresa fidelizar de vez seu funcionário. Ao demonstrar uma preocupação genuína com a saúde mental dos empregados durante um momento de difícil adaptação, as empresas fortalecem o seu capital humano. “Não é como se as pessoas estivessem trabalhando de casa porque querem. Estamos no meio de uma pandemia que ceifa milhares de vidas todos os dias. Isso precisa ser levado em consideração”, diz.
O InfoMoney conversou com os especialistas para coletar dicas e possíveis soluções para o excesso de reuniões online. Confira:
1. Faça pausas
Silva incentiva que seus funcionários chequem regularmente ao longo do dia seus horários de reuniões e a agendem um mínimo de 15 minutos entre esses encontros virtuais para fazer uma pausa, respirar, absorver o que foi dito na reunião anterior e ter um descanso mental antes da próxima.
“Dedique alguns minutos para você mesmo, isso ajudar a aliviar qualquer tensão ou cansaço que você esteja sentindo”, explica Silva. “Mesmo que sejam cinco minutinhos, já vale. Pular de reunião em reunião vai te deixar esgotado em poucos dias”, acredita Barosa.
Os especialistas defendem ainda que, em um dia de muitos encontros virtuais, as pausas sejam proporcionais à duração desse encontro. Reuniões mais longas (que devem ser evitadas ao máximo) merecem um maior tempo de descanso, por exemplo.
2. Reuniões de no máximo 45 minutos
No escritório, normalmente gestores e líderes reservavam uma hora para cada reunião. No home office, isso deve ser evitado. Segundo Silva, a recomendação de marcar reuniões menores vai de encontro à primeira dica de realizar pausas de 15 minutos entre os encontros.
“Falando de estratégias para melhorar a produtividade, reuniões mais curtas e diretas são uma das melhores dicas. Percebemos que a dispersão é maior, lógico que no home office interrupções acontecem, mais elas são mais controláveis e diferentes das do presencial. Congelar as agendas por apenas 45 minutos e pausar 15 minutos entre um encontro e outro é fundamental”, explica.
“Lógico que em um encontro virtual tem aqueles primeiros minutos de quebra de gelo, mas as reuniões precisam ser mais diretas, as informações precisam ser passadas da forma mais ágil possível”, acredita Barosa.
Se o seu ambiente de trabalho permitir, Silva recomenda que o funcionário ocupe a mente com outras atividades nesses intervalos, seja uma rápida caminhada ao ar livre ou um exercício de postura ou alongamento.
3. Avalie melhor a necessidade das reuniões
Um outro consenso entre os especialistas, além do tempo reduzido desses encontros virtuais, é que a empresa deve avaliar a real necessidade de uma reunião.
Se você é do meio corporativo, já deve ter tido um pensamento nessa linha: “Uma reunião de uma hora que poderia ter sido resolvida com um simples e-mail“. Se esse pensamento já era recorrente no trabalho presencial, no home office ficou mais ainda. Enquanto no trabalho presencial, um problema pode ser resolvido em uma conversa descontraída de cinco minutos, no home office, isso pode acabar virando um agendamento desnecessário na agenda virtual.
“Esse assunto realmente precisa de um encontro? Qual a urgência e os ganhos com essa reunião? Não seria mais produtivo explicar detalhadamente os pontos em uma só mensagem? Preciso mesmo parar minhas obrigações para entrar nessa reunião?”, são essas as perguntas que o funcionário e o gestor devem se fazer antes de decidir marcar uma nova reunião.
Embora não haja um “número mágico” de reuniões online para não comprometer a produtividade ou aumentar o estresse, os especialistas defendem que cada modelo de negócio precisa adaptar suas demandas junto aos seus funcionários. E, mais importante do que essa adaptação, são os testes e os erros no processo: não há um padrão a ser seguido, cabe então, às empresas e aos funcionários, experimentar diversos formatos até encontrar o que mais faz sentido para a operação e o negócio.
“Meu dia a dia é repleto de reuniões. O dia todo indo de call em call, falando com clientes, funcionários, gestores. É como o meu trabalho funciona, mas isso não quer dizer que irá funcionar para você”, explica Silva.
4. Adapte sua rotina ou crie uma nova de forma sustentável
Em relação aos rituais que toda pessoa faz (ou fazia) antes de começar a trabalhar, como acordar mais cedo e tomar um café da manhã, é importante estabelecer essas pequenas ações antes do trabalho como uma rotina a ser seguida, já que isso auxilia no planejamento completo das tarefas e na organização da agenda ao longo do dia.
Para Silva, essa é uma questão intrínseca à jornada de trabalho de qualquer funcionário: os rituais envoltos antes da rotina de trabalho de fato se iniciar.
“Os rituais não foram substituídos da melhor forma possível”, acredita Silva. Para ele, o ritual matinal de acordar mais cedo, tomar um banho e se deslocar ao trabalho foi substituído por acordar em cima do horário e já ligar o computador para começar o dia, o que, no longo prazo, pode desgastar mais ainda o funcionário“, reforça.
Acordar e ir direto para o computador pode deixar o cérebro acelerado, e, ao longo do dia, cansar mais ainda o funcionário, diz Barosa. “Estabeleça uma rotina de bem-estar. Manter práticas saudáveis ao longo do dia, como exercícios físicos regulares, alimentação balanceada e criar de um ambiente agradável para trabalhar podem ajudar a diminuir o estresse”, acredita.
5. Defina o seu espaço e tempo de trabalho
Tanto Silva, quanto Barbosa, defendem a ideia de que o trabalho deve ser feito no horário de trabalho. Com a comodidade de trabalhar de casa, funcionários podem se sentir tentados a adiantar tarefas fora do expediente ou postergar obrigações para realizá-las de madrugada, por exemplo.
Ainda que estejamos em home office, os horários e as jornadas devem permanecer. Reuniões fora do horário e atribuições que levem o funcionário a estender sua jornada precisam ser evitadas.
Outro ponto crucial é definir e estabelecer um lugar calmo e sem distrações para realizar diariamente o trabalho. Ainda que não haja a necessidade de criar um escritório do zero na sua casa, o funcionário deve se certificar que irá trabalhar em um cômodo confortável e que permita uma rotina de trabalho sem interrupções constantes ou distrações.
“Tudo aquilo que tira sua atenção do seu escopo de trabalho vai fazendo com que as obrigações se acumulem, e isso pode deixar o funcionário mais ansioso e estressado ainda”, diz Silva.
6. Transparência e comunicação antes de tudo
Se manter um canal de comunicação entre gestores e funcionários já era essencial para o desenvolvimento de um bom ambiente de trabalho, no home office é mais do que fundamental: é a base para que o trabalho continue sendo feito.
“Transparência é fundamental e o líder precisa sempre deixar esse canal aberto para os funcionários. Claro que existe o receio de não querer demonstrar fraqueza, mas se há problemas, eles devem ser compartilhados. E também é preciso que o funcionário tenha bom senso e procure o líder quando realmente for necessário”, explica Silva.
“Abrir as câmeras nos encontros virtuais também ajuda funcionários e gestores a se entender melhor porque possibilita uma leitura da linguagem não verbal entre as pessoas. Em reuniões um a um, isso é ainda mais importante”, acrescenta Barosa, que também explica que o diálogo entre funcionário e empregador deve ser utilizado para construir a melhor maneira de trabalhar.
Para ele, é essencial que os funcionários, nas reuniões, façam críticas e complementos à forma com a qual esses encontros estão sendo realizados. Se um colaborador não está satisfeito com a duração das reuniões ou sobre como os gestores conduzem esse encontro, expor essas críticas é fundamental.
7. Mais empatia
Além da comunicação clara, cabe aos gestores e líderes monitorar sinais e comportamentos dos seus funcionários, tentando antecipar problemas.
“Claro que empoderar funcionários é essencial, mas para isso, é preciso confiança mútua. Por parte do gestor, é preciso humanidade e comunicação. Por parte do funcionário, disciplina e transparência. Entender as delicadezas que o momento proporciona e ajudar a resolver a questão. O líder precisa investigar o que está acontecendo, não fazer cobranças desproporcionais com a realidade dos funcionários. Concluindo: bom senso e empatia“, conclui Silva.
“O diálogo com as equipes e colegas é essencial. Uma troca de percepções sobre o próprio volume de trabalho ou até mesmo sobre questões pessoais que te aflijam e estejam atrapalhando seu rendimento”, acredita Barosa.
Além da comunicação clara com seus parceiros de trabalho, é importante alinhar obrigações e reponsabilidades com aqueles que dividem a casa com você. “Informe familiares sobre a sua rotina de trabalho, deixando claro em quais horários você não pode ser interrompido ou distraído. São boas práticas que ajudam a diminuir o estresse e a pressão das pessoas nesse ambiente”, explica Barosa.