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Os cerrados cheios de cobras e tatus da Serra da Babilônia, ou Colinas da Babilônia, no Nordeste do Brasil, são tão deslumbrantes quanto um parque nacional de primeira linha. É aqui que a energia renovável está transformando o Brasil e onde a economia de hidrogênio verde do país está decolando.
A Casa dos Ventos acaba de instalar 80 turbinas. As torres produzem energia suficiente para uma cidade pequena, mas não é para onde está indo. O principal comprador é a produtora de químicos Unigel, que a utilizará para quebrar moléculas de água e produzir hidrogênio em um porto do litoral baiano.
“Vemos o Brasil como líder na economia do hidrogênio verde por um motivo principal: a disponibilidade de energia renovável”, disse o Diretor Executivo da Unigel, Luiz Felipe Fustaino.
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A Unigel transformará o hidrogênio em amônia verde, tornando-se a primeira exportadora do Brasil. A amônia feita de carvão ou gás natural é um dos produtos químicos industriais mais comuns e é usada para fazer fertilizantes, plásticos e têxteis.
A amônia verde permite ao Brasil levar sua energia renovável para o resto do mundo. Ao contrário da eletricidade que depende de linhas de transmissão, a amônia pode ser resfriada, armazenada e então enviada aos clientes. A Casa dos Ventos faz parte de outro empreendimento com parceiros como a TransHydrogen Alliance e o Porto de Rotterdam para exportar volumes ainda maiores para a Europa.
A energia renovável é um dos negócios que mais cresce em um país sobrecarregado com altas taxas de juros em seis anos. A capacidade eólica e solar cresceu 260% de 2017 a 2022 e continua aumentando graças a projetos como os da Babilônia.
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A demanda global por hidrogênio verde pode estimular mais crescimento. O consumo global de hidrogênio precisa mais do que quintuplicar para 500 milhões de toneladas métricas em 2050 para que as emissões mundiais cheguem a zero líquido, de acordo com a Bloomberg.
Se o aumento do hidrogênio acontecer, ele transformará alguns dos setores mais difíceis de limpar da economia global, como agricultura, transporte marítimo, siderurgia, refino de petróleo e até aviação.
O Brasil está pronto para aproveitar o momento. Possui a energia eólica mais barata das Américas por causa dos ventos consistentemente fortes em lugares como a Babilônia, e sua localização lhe dá uma vantagem. O litoral nordestino está estrategicamente posicionado para a exportação para a Europa e, mesmo incluindo os custos de frete, a amônia verde brasileira é mais barata do que a produção subsidiada do químico na Alemanha, segundo a Bloomberg. Empresas privadas e governos estaduais já buscam transformar a região em um polo de hidrogênio verde.
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“Esta nova indústria de hidrogênio vai impulsionar mais o acúmulo de energias renováveis”, disse Natalia Castilhos Rypl, analista da Bloomberg que cobre hidrogênio verde na América Latina. “É um bom sinal para desenvolvedores renováveis.”
Ainda assim, há muito espaço para o Brasil atrapalhar essa nova fase da transição energética. Ao contrário do Chile , que tem a segunda energia eólica mais barata da região, o Brasil não elaborou um plano nacional de hidrogênio verde com metas e incentivos.
O congresso do país ainda está elaborando uma legislação para os mercados de energia eólica offshore, hidrogênio verde e carbono, que a maioria dos desenvolvedores está esperando para acionar investimentos multibilionários. Se o Brasil não agir rápido, outros países construirão cadeias de suprimentos primeiro. A Unigel prefere vender a amônia verde localmente, mas não há nenhuma política em vigor para recompensar os compradores do produto químico.
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O governo, juntamente com a gigante petrolífera estatal Petrobras , também planeja aumentar a produção de gás natural nos campos offshore para reduzir os preços pela metade, o que competiria com a energia renovável tanto na produção de eletricidade quanto na de hidrogênio.
O Brasil é um dos poucos países elegíveis para termos comerciais preferenciais ao vender hidrogênio para a Europa devido ao domínio das energias renováveis. Se o país construir mais usinas de gás natural, os combustíveis fósseis terão uma participação maior na rede elétrica e o Brasil poderá perder seu status preferencial, segundo Rypl, analista da Bloomberg.
O Brasil também pode acabar competindo com o hidrogênio verde barato dos EUA, fortemente subsidiado pela Lei de Redução da Inflação . A ideia é que os compradores americanos comprem o combustível, mas se não houver clientes domésticos suficientes, isso pode inundar o mercado de exportação.
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Se o maior país da América Latina acertar, o hidrogênio verde permitirá que ele saia de uma indústria de petróleo que deve começar a declinar na década de 2030. O Brasil pode produzir o hidrogênio verde mais barato do mundo sem subsídios.
Para ter sucesso, o governo precisa excluí-lo dos impostos de exportação, acelerar o licenciamento de linhas de transmissão e incentivar os vendedores de equipamentos a construir mais usinas no Brasil, disse Antonio Bastos, diretor-presidente da Omega Energia SA, uma empresa brasileira de energia renovável. “O Brasil pode ser a Arábia Saudita do hidrogênio verde”, disse. “Podemos competir com os EUA sem nenhum dos subsídios.”
A primeira turbina eólica do Brasil foi instalada em 1992, mas levou mais 15 anos para que a construção da turbina realmente acelerasse. Em 2017, o custo da energia eólica caiu abaixo da energia hidrelétrica e grandes empresas começaram a aproveitar as regulamentações favoráveis aos negócios do Brasil para comprar eletricidade renovável diretamente de grandes produtores eólicos.
O Brasil é abençoado com grandes espaços abertos nas partes mais ventosas do país e uma rede elétrica nacional interligada, o que facilita a produção de energia limpa em locais remotos e consome a quantidade equivalente de elétrons perto dos grandes centros populacionais.
É por isso que a indústria de energia renovável do Brasil conseguiu florescer mesmo sob Jair Bolsonaro, o ex-presidente conhecido por encorajar o desmatamento na Amazônia e priorizar os combustíveis fósseis.
A capacidade eólica instalada quase dobrou sob sua gestão. Ainda está crescendo, e seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, tem grandes planos para atrair bilhões de dólares para desenvolver instalações eólicas offshore e fornecer energia para uma segunda fase de desenvolvimento de hidrogênio verde.
Os primeiros parques offshore podem começar a operar em 2030. Mas primeiro o Congresso precisa aprovar uma legislação para a indústria offshore este ano que permita aos desenvolvedores obter licenças no fundo do mar, disse Elbia Gannoum, chefe da Associação Brasileira de Energia Eólica, um grupo industrial .
“Estou trabalhando 24 horas por dia nisso”, disse Gannoum. “O Brasil precisa criar um marco regulatório.”
Na Babilônia, o negócio eólico continua crescendo. Para chegar aos parques, cada enorme caminhão que transporta torres, pás e geradores tem que passar pela pequena cidade de Ourolândia. Isso se traduz aproximadamente como Terra do Ouro, embora não haja ouro lá.
A fortuna de muitos moradores da cidade cresceu junto com as turbinas. Tamara Leite de Souza, 20 anos, cresceu em uma estrada de terra que se tornou a principal via de acesso aos empreendimentos eólicos.
Quando criança, sua família cultivava vegetais em um pequeno terreno. Então, cerca de seis anos atrás, chegaram as empresas eólicas. No início, a família vendia para os recém-chegados suco e salgadinhos fritos conhecidos como coxinhas. Aí os Souzas abriram um restaurante.
Agora de Souza estuda enfermagem e gestão ambiental na Universidade do Norte do Paraná. “Há dois anos, isso se tornou realidade, graças ao crescimento da comunidade”, disse ela.
Mais adiante, no cerrado, conhecido como Caatinga, a indústria eólica também está mudando vidas. Em Mulungu, uma comunidade fundada em 1800 por escravos fugitivos, Edislao dos Santos, 32 anos, estava aproveitando uma tarde fresca com seus dois filhos e parentes. Turbinas operadas pela Rio Energy, uma das concorrentes da Casa dos Ventos, giravam nas proximidades. As empresas eólicas alargaram a estrada, trouxeram serviços básicos e oferecem trabalho temporário nos parques para os moradores.
“Antes tínhamos que percorrer oito quilômetros para conseguir água”, disse ele. “Tudo melhorou.”
Não foi sem conflito. Os desenvolvedores usam empreiteiros para contratar mão de obra local quando a construção está em pleno andamento. Às vezes, eles atrasam o pagamento de salários e os moradores respondem fechando as estradas de acesso. Isso aconteceu em frente ao restaurante de Souza este ano.
A maioria das pessoas, porém, gostaria de ver mais turbinas e painéis solares. Mais energia renovável significa mais matéria-prima necessária para produzir hidrogênio verde, que poderia industrializar seções do litoral e fomentar uma indústria doméstica de fertilizantes para abastecer o negócio agrícola dominante no Brasil, disse Lucas Araripe, chefe de novos negócios da Casa dos Ventos.
“Nós importamos muito fertilizante e poderíamos fazer aqui no Brasil”, disse ele. “Temos muitas indústrias no Brasil que usarão hidrogênio verde.”
Cerca de 200 quilômetros ao sul da Babilônia, enormes caminhões com asas e torres lotam a principal rodovia que leva ao parque eólico Assurua, administrado pela Omega, também na Bahia. Os componentes de tamanho monstruoso fazem com que os reboques do trator pareçam formigas carregando folhas enormes. A Omega está montando uma torre por semana em Assurua e vai expandir a capacidade para 800 megawatts ainda este ano.
No estado vizinho do Ceará, a Omega tem planos para um parque solar de 4,6 gigawatts com mais capacidade de geração do que a quarta maior hidrelétrica do Brasil. A empresa está trabalhando para finalizar um acordo para vender a energia para a mineradora australiana Fortescue , que quer usá-la para produzir hidrogênio verde. Os mineradores usam hidrogênio verde para abastecer caminhões e máquinas, e pode ser usado em altos-fornos.
No cume de Assurua, Bastos, CEO da Omega, defende o Brasil. A Europa está tentando se livrar do gás russo e ninguém está em melhor posição do que o Brasil para produzir amônia a partir do hidrogênio verde e enviá-la pelo Oceano Atlântico. “O sol que temos no Brasil, o vento que temos, vai dar certo”, disse.
Para desencadear essa nova fase de desenvolvimento, o governo precisa isentar o setor de impostos e taxas que representam 40% da conta de luz, além de acelerar a construção de linhas de transmissão, disse Bastos.
O governo está trabalhando para gerar apoio público. Lula e sua equipe econômica se gabam regularmente de acordos multibilionários com empresas industriais europeias e chinesas, bem como grandes petrolíferas, para alavancar o hidrogênio verde. Até agora, o único projeto que passou por uma decisão final de investimento é o da Unigel, na Bahia.
Um dos problemas é que o Brasil também tem que competir com produtores norte-americanos subsidiados do mesmo hidrogênio e amônia. Para piorar a situação, os fabricantes de eletrolisadores (o principal dispositivo que divide a água em hidrogênio e oxigênio) estão esgotados com uma carteira de pedidos. A maioria está indo para os EUA.
A Unigel, que já é uma grande produtora de amônia e outros produtos químicos, entrou cedo e está na frente da fila para equipamentos essenciais. Mas precisa encontrar parceiros financeiros para iniciar sua segunda e terceira fases. Caso contrário, apenas uma fração de seu desenvolvimento de US$ 1,5 bilhão se tornará realidade.
“A próxima onda será inaugurada por quem estiver disposto a pagar para ser o pioneiro”, disse Gannoum, da Associação Brasileira de Energia Eólica. “A humanidade não espera até esgotar um recurso antes de começar a usar outro.”
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