Chaves Pix: maiores bancos do país saem perdendo para as fintechs na corrida pela captação de clientes

Bancos saem perdendo em lista divulgada pelo BC, mas especialistas acreditam que há espaço para retomada: "É só o primeiro round"

Giovanna Sutto

(Getty Images)
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SÃO PAULO – O Banco Central (BC) divulgou uma lista com as dez instituições financeiras que mais registraram chaves Pix até a última quarta-feira (14). Os cinco grandes bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú e Santander) estão atrás de fintechs como Nubank, que é o primeiro colocado, Mercado Pago e PagSeguro, na segunda e terceira posição, respectivamente.

Segundo os dados mais recentes do BC, até às 18h desta quinta-feira (15), foram 36,5 milhões de cadastros de chaves (veja mais abaixo) no novo sistema de pagamentos instantâneos.

O Bradesco é o primeiro dos cinco maiores bancos do país a aparecer na lista, em quarto lugar, e tem menos da metade de chaves que o Nubank registrou.

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Veja o ranking:

Instituição financeira  N° de chaves registradas 
1. Nubank 8.086.037
2. Mercado Pago 4.731.115
3. PagSeguro 4.317.725
4. Bradesco 3.710.035
5. Caixa 2.499.903
6. Banco do Brasil 2.147.744
7. Itaú 1.756.684
8. Santander 1.637.709
9. Pic Pay 1.135.336
10. Inter 889.588

De maneira geral, Marcos Zanini, CEO da Dinamo Networks, empresa especializada em segurança de identidade digital e criptografia, ressalta que o volume de chaves cadastradas foi surpreendente.

“No primeiro dia, em questão de horas, um milhão de chaves já tinham sido cadastradas. Pouco mais de uma semana depois, já temos quase 34 milhões. Nem os mais otimistas esperavam um resultado como esse. E acredito que até o lançamento do sistema em 16 de novembro, pode ser que os cadastros alcancem os 50 milhões. Sob essa ótica, o Pix é um sucesso”, afirma.

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Apesar das expectativas com o novo sistema, os efeitos no mercado e a adesão por parte dos clientes só poderá ser avaliada de fato a partir da chegada do Pix.

Melhor para as fintechs?

Como é possível observar pela lista, as fintechs ocupam as primeiras posições da lista até o momento. Mas o que isso significa?

Especialistas ouvidos pelo InfoMoney concordam que três pontos principais foram determinantes para esse resultado parcial até aqui: perfil do cliente, experiência do usuário e a infraestrutura tecnológica.

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Para Bruno Diniz, professor de fintech na área de MBA da USP, os clientes das fintechs são mais propensos a adotar novas tecnologias. “Além de terem uma confiança em fazer isso quando orientados por instituições que eles acreditam que tenham boa infraestrutura”, explica.

Na mesma linha, um relatório da XP Investimentos, assinado por Marcel Campos, analista do setor financeiro, assinala que a idade dos clientes influenciou especialmente a posição do Nubank. “Os jovens estão mais engajados digitalmente e é justamente nessa parte da pirâmide que o banco digital tem mais força”, diz.

Marcelo Martins, representante da ABFintechs, que faz parte do grupo de trabalho do Pix no BC, acrescenta que além da propensão à inovação, que os clientes das fintechs possuem, as empresas investiram na experiência do usuário, oferecendo soluções simples e intuitivas durante o cadastro.

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De fato, segundo o relatório da XP, as fintechs que lideram a lista desenvolveram uma interface mais amigável para os usuários registrarem suas chaves, com menos etapas para efetivar o registro.

“Como os benefícios do Pix não são bem conhecidos por parte dos usuários, acreditamos que um registro mais fácil pode desempenhar um papel importante no crescimento da base”, diz o relatório da XP.

Diniz acrescenta que um outro efeito colateral desses dados éa possibilidade de os grandes bancos terem perdido uma parcela de clientes que também têm uma conta em uma fintech e, no momento do cadastro, tenham optado por ficar com a instituição digital.

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“Talvez os bancos que possuam clientes que também usem o Nubank, por exemplo, possam ter perdido para a fintech o seu cliente mais conectado e de perfil mais digital, que já se identificou com o Pix. Mas há uma imensa base de clientes dos grandes bancos que não possuem relacionamento em outras instituições e podem realizar seu cadastro nas próximas semanas”, pondera.

Em relação a presença do Mercado Pago e do PagSeguro no topo da lista, o relatório da XP indica que o volume alto pode estar relacionado aos clientes pessoas jurídicas – como comerciantes e pequenos lojistas.

“Acreditamos que o perfil do cliente do Mercado Pago e do PagSeguro teve um papel importante nos respectivos desempenhos, uma vez que pequenos comerciantes não precisam que as transações sejam integradas a um ERP [na sigla em inglês, ou sistema de gestão integrado], facilitando assim a implementação de uma tecnologia como o Pix. Além disso, para os comerciantes quanto mais maneiras de receber pagamentos, melhor. E, como não há custos relacionados ao registro das chaves, deve ser fácil para essas duas empresas engajarem os lojistas”.

O InfoMoney explicou por que o Pix pode ser uma ferramenta interessante para os comerciantes e o impacto do sistema nas empresas de adquirência e bandeiras de cartão (saiba mais aqui).

No Twitter, alguns usuários sinalizaram que o Mercado Pago e o Nubank estavam cadastrando chaves de forma compulsória, sem pedir a autorização para os clientes.

Em nota enviada ao InfoMoney, ambas as empresas negaram a informação e disseram que o procedimento de cadastro é feito apenas com o consentimento dos clientes.

“O Mercado Pago não cadastra uma chave Pix sem o consentimento do usuário.O fluxo de cadastro envolve o envio de uma comunicação por meio do aplicativo Mercado Pago informando a possibilidade de cadastrar as chaves de e-mail, CPF/CNPJ, para que o usuário possa escolher quais delas deseja registrar. A empresa também disponibiliza na tela principal do aplicativo o botão ‘Cadastrar chaves Pix’, a partir do qual é possível realizar a gestão das chaves Pix, podendo o usuário, inclusive, incluir ou excluir suas chaves sempre que quiser”, explicou a empresa.

O Nubank, por sua vez, informou que “todas as chaves foram cadastradas com a devida autorização dos clientes”. “Preparamos cuidadosamente um fluxo prático e simples de comunicação e, no dia 05 de outubro, enviamos um pedido de consentimento via aplicativo a todos os clientes que haviam feito o pré-cadastro”, diz sa nota.

Em nota divulgada à imprensa, o BC informou que monitora e supervisiona continuamente o processo de cadastramento de chaves Pix e que já iniciou os processos formais de fiscalização de participantes. “Caso detecte irregularidades nesses processos, incluindo eventuais cadastramentos indevidos, o Banco Central punirá os infratores nos termos da regulação vigente”, diz o texto.

Pior para os grandes bancos?

Martins, da ABFintechs, destaca que além do perfil do usuário e da experiência, os bancos também enfrentam dificuldades com a infraestrutura tecnológica. “As grandes instituições têm um legado tecnológico e é difícil inovar nesse âmbito. No primeiro dia de cadastro, clientes dos cinco principais bancos relataram instabilidades no acesso. Na maioria das fintechs, isso não aconteceu”, pontua.

Marco Zanini, da Dinamo Networks, afirma que os bancos demoraram mais para engatar na ideia do ecossistema Pix: “De janeiro pra cá, percebemos a maior parte dos grandes bancos um pouco reticente sobre o Pix. Havia algumas incertezas sobre o sistema e eles foram cautelosos. No começo de agosto, começamos a ver uma movimentação maior por parte dos bancos no posicionamento sobre o Pix. As fintechs trabalharam de forma mais intensa na divulgação do assunto desde o início do ano”, diz.

De fato, as fintechs estão apostando em abordagens mais agressivas para atrair a atenção (e a chave) do cliente. O Nubank, por exemplo, vai fazer um sorteio de até R$ 50 mil para os clientes que cadastrarem as chaves em seu domínio. O C6 Bank vai dar pontos no seu programa de fidelidade para os clientes que deixarem o CPF como chave.

O InfoMoney já explicou anteriormente a guerra das chaves (e também veja mais abaixo), mas basicamente as instituições disputam as chaves que os clientes vão usar mais porque ter esse cadastro em seus domínios significa que aquele cliente vai fazer suas principais movimentações com elas e não com os concorrentes.

Diniz explica que sob essa ótica, o CPF/CNPJ e o número de celular são as chaves mais disputadas por bancos e fintechs porque são os dados que as pessoas estão acostumadas a usar para diferentes situações. “Entre as pessoas físicas, o número do celular pode ser ainda mais popular, considerando uma integração com a agenda do aparelho: buscar pelos contatos para fazer uma transferência é bastante conveniente”, diz.

Apesar das dificuldades, Diniz não acredita que seja possível cravar que os grandes bancos vão ficar para trás no que diz respeito à implementação do Pix. “É cedo para ser determinista nesse sentido, pois ainda há a possibilidade desse número se reverter ao longo do tempo. Entendo que a base de usuários dos grandes bancos pode demorar mais para aderir ao Pix e começar a usar o sistema, visto a grande discrepância nos números nesse primeiro momento”, diz.

Zanini, por sua vez, afirma que esse seja só o “primeiro round” e que os bancos podem estar lutando de maneira mais estratégica.

“Do ponto de vista das instituições financeiras, o Pix é o meio pelo qual haverá recebimento de recursos que serão colocados na carteira de gestão delas. Por isso, ter as chaves em seus domínios é crucial, e em termos de volume de cadastros as fintechs saíram fortalecidas”, diz.

E complementa: “No entanto, acredito que os grandes bancos estão mais focados no volume financeiro advindos dessas chaves. O foco está na captura de CPFs e, principalmente, CNPJs, pensando em grandes empresas. Ainda não dá para afirmar, mas há uma expectativa de que as pessoas movimentem mais dinheiro por meio dessas duas chaves e usem o celular e o e-mail, por exemplo, para transações mais triviais”, avalia Zanini.

E não é como se os bancos não estivessem vivos na competição. O Santander, por exemplo, fará o sorteio de R$ 1 milhão para quem cadastrar o CPF em seus domínios e garante dez dias sem juros no cheque especial do banco para pagamentos feitos com Pix.

Por isso, segundo ele, ter o CPF como chave de um cliente private, por exemplo, deve gerar um volume maior de dinheiro a ser transacionado. “E o público-alvo de grande parte das fintechs não é esse. Sob essa ótica, os grandes bancos podem sair ganhando”, diz Zanini.

Ainda, segundo Martins, vale lembrar que a receita oriunda das taxas de transferências de TEDs e DOCs, que os bancos vão deixar na mesa, é pequena.

“O Pix vai trazer novos players, aumentar o bolo e dividi-lo em mais pedaços. A concorrência vai aumentar e as fintechs vão ter mais poder de fogo. Mas não acho que os bancos vão sair perdendo porque as taxas cobradas no TED e no DOC não representam parte relevante da receita. O crédito é muito mais crucial e o Pix pode facilitar e diminuir custos na concessão de crédito conforme as instituições forem criando soluções nesse sentido, por exemplo”, acrescenta Martins.

Guerra das chaves

O panorama inicial divulgado pelo BC serve de parâmetro para entender como as instituições financeiras estão batalhando pelas chaves Pix, que se tornaram o principal instrumento de captação e manutenção de clientes no ecossistema Pix.

Uma reportagem do InfoMoney mostrou que, na prática, com a chegada do novo sistema, o pagamento em si vira commodity. Ou seja, não vai mais importar qual é o meio de pagamento, mas se a conta que o cliente está usando está integrada ao Pix – e é aqui que as chaves ganham importância.

Na prática, a chave serve para identificar o usuário dentro do sistema. Cada pessoa física pode até até 5 chaves diferentes cadastradas por instituição financeira, no caso das pessoas jurídicas o limite sobe para até 20 chaves por conta. Não é permitido repetir a mesma chave para contas diferentes porque o código vai funcionar como o endereço de entrega dos valores transacionados.

As chaves podem ser o CPF/CNPJ, número de celular, e-mail ou uma chave aleatória. O cadastro das chaves no sistema, por meio das instituições financeiras, começou no último dia 5.

Bruno Diniz explica que a chamada “guerra das chaves” é uma disputa para garantir o relacionamento duradouro com o cliente. “É por meio da conta que a instituição financeira vai oferecer ao consumidor novos produtos, serviços e vai monetizar sua operação. O cliente final deve utilizar cada vez mais as soluções do banco no qual registrou sua principal chave pela conveniência de centralizar tudo em um único lugar”, explica.

Giovanna Sutto

Jornalista com mais de 6 anos de experiência na cobertura de finanças pessoais, meios de pagamentos, economia e carreira. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.