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O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou nesta quarta-feira, 7, o acordo com a Nestlé que libera, depois de mais de 20 anos, a compra da Garoto pela empresa. O caso é emblemático no Cade, tanto pelo tempo que tramita na autarquia como pelos episódios que marcaram o processo, com idas e vindas e decisões judiciais que impuseram a reanálise do negócio pelo conselho.
O caso
Em 2002, a Nestlé comprou a Garoto em uma operação de R$ 566 milhões na época. Mas a conclusão do processo de venda acabou vetada pelo Cade dois anos mais tarde, com a alegação de uma superconcentração do mercado.
Naquela época, os julgamentos do Cade eram feitos após o negócio ter sido concretizado. Com isso, a Nestlé recorreu à Justiça e conseguiu, em 1ª instância, suspender a decisão em 2005.
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Quatro anos depois, em 2009, porém, a Justiça anulou a decisão da 1ª instância e determinou que o órgão de análise concorrencial julgasse o negócio novamente.
Mais uma vez, a Nestlé voltou a recorrer da decisão em diferentes instâncias para manter a anulação do primeiro julgamento e a aprovação automática da operação e somente em 2018 o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1) negou recurso da Nestlé.
Em abril de 2021 houve mais um novo recurso no mesmo processo que, na prática, manteve aquela determinação judicial de 2009, que ordenou novo julgamento pelo Cade.
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Agora, nesta quarta, mais de duas décadas depois, todos os conselheiros do Cade decidiram avaliar novamente o caso e aprovaram a operação desde que a Nestlé cumpra um acordo negociado junto à autarquia, que precisará ser homologado pela Justiça.
“Damos um ponto final a um caso que envolveu diversos conselheiros, diversas formações, o Judiciário, e gerava muita frustração ao Cade e à comunidade antitruste. É um momento histórico encerrar esse caso”, disse o presidente do Cade e relator do processo, Alexandre Cordeiro.
O que o acordo prevê
A negociação final do Cade prevê que a Nestlé adote compromissos comportamentais para preservar a concorrência no mercado. Uma das cláusulas, por exemplo, estabelece a não aquisição de ativos de terceiros (como marcas, conjunto de marcas ou empresas) que representem conjuntamente participação de mercado, medida pelo faturamento no ano anterior a cada operação, igual ou superior a 5% do mercado relevante nacional de chocolates sob todas as formas, por cinco anos.
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Os termos do acordo foram lidos por Cordeiro, presidente do Cade, na sessão. Em seu voto, o dirigente da autarquia destacou a análise da Superintendência-Geral (SG) do Cade que os 20 anos passados desde a aquisição da Garoto foram “suficientes” para reconfigurar o panorama de rivalidade do mercado de chocolates. Com isso, a SG concluiu não terem elementos para impor restrições à operação de compra realizada pela Nestlé.
“Sobre o mercado nacional de chocolates sobre todos as formas, verificou-se que o mercado cresceu, conta com rivais consolidados, com marcas fortes, e a participação conjunta (da Nestlé e Garoto) vem apresentando quedas nos últimos anos”, citou o relator.
O acordo também prevê que a empresa comunique à autarquia a aquisição de ativos abaixo dos critérios legais de notificação pelo período de sete anos, contados da homologação judicial do acordo.
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Nos casos de comunicação, a Superintendência-Geral do Cade terá 15 dias úteis para determinar que a operação seja formalmente notificada, hipótese na qual deverá ser adotado o rito do art. 88 da Lei 12.529/2011 e demais normas aplicáveis aos atos de concentração.
A negociação ainda estabelece a não intervenção nos pedidos de terceiros para a concessão de redução, suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre a importação de chocolates ao Brasil.
Segundo o acordo, a Nestlé também não pode participar de qualquer ação visando elevar tributos de importação, dificultar o livre comércio internacional de chocolates ou criar barreiras ilícitas que prejudiquem a entrada de novas empresas no mercado de chocolates por um período também de sete anos.
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Por fim, o acordo prevê a manutenção de investimentos na fábrica da Garoto em Vila Velha (ES), por no mínimo sete anos.
“Olhando para esses remédios não consigo imaginar o que mais poderia fazer o Cade hoje para dar tranquilidade ao mercado”, disse o conselheiro Gustavo Freitas de Lima.
Participação de mercado
Em 2004, ao vetar a concretização do negócio, um dos argumentos utilizados pelo Cade para a decisão negativa era a participação de mercado das companhias em diversos segmentos.
No segmento de chocolates sobre todas as formas, por exemplo, a Nestlé tinha 30,8% e a Garoto 24,4%, conforme levantamento da ACNielsen citado em nota técnica do Cade de março de 2002. Outros levantamentos foram feitos nos meses seguintes, por consultoria e pelo própria autarquia, com algumas diferenças pontuais.
Em documento de janeiro deste ano, que consta nos autos do processo, a Nestlé afirmou que enquanto há 20 anos a participação das duas empresas conjuntamente nesse segmento era de 50% a 60%, atualmente Garoto e Nestlé teriam entre 30% e 40%. A razão para isso está na “presença altamente competitiva de grupos nacionais e internacionais”, como Ferrero e Hershey’s, entre outros, “afora o exponencial crescimento das chamadas ‘boutiques'”, as quais cita, por exemplo, Cacau Show e Kopenhagen.
No acordo proposto pela Nestlé em março deste ano para encerrar o caso, foram incluídas cláusulas sociais e concorrenciais, afirmou Cordeiro. Os remédios, segundo o presidente do Cade, incluem compromisso da Nestlé de não adquirir ativos que representem 5% do mercado de chocolates por cinco anos, citando ainda que as partes se comprometem a encerrar as discussões na Justiça.
“Vinte anos foram suficientes para reconfigurar o panorama de rivalidade no mercado de chocolates”, afirmou Cordeiro ao proferir seu voto.
(Com informações do Estadão Conteúdo e da Agência Reuters)