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Os bloqueios de vias que ocorrem no país após o resultado da eleição presidencial não encontram tração nas entidades de classe que representam “o PIB” do país. Os setores que já se manifestaram oficialmente indicam não apoiar as paralisações, enquanto outros esperam o desenrolar da história para se posicionar.
Por volta das 16h40, o presidente Jair Bolsonaro (PL) se manifestou contrário aos bloqueios, mas disse que as manifestações refletem o “sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”.
“As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedade, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir”, disse.
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Uma das primeiras a se posicionar foi a CNT (entidade que representa as empresas de transporte), que criticou as interdições e entrou com pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para liberação das estradas – pleito que foi atendido pela Corte.
A confederação diz que os bloqueios causam “transtornos econômicos”, além de afetar o deslocamento de pessoas doentes e de produtos de primeira necessidade, como alimentos, medicamentos e combustíveis. Na mesma linha, a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), entidade que reúne as empresas de transporte rodoviário de cargas, afirmou que não apoia o “movimento de caminhoneiros autônomos”.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), que em um primeiro momento disse estar aguardando os desdobramento, elevou o tom e passou a repudiar o fechamento das vias. A entidade lembra que 99% das empresas brasileiras usam rodovias para transportar sua produção e que há um risco “iminente” de desabastecimento e falto de combustíveis.
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“O setor industrial se posiciona contrariamente a qualquer movimento que comprometa a livre circulação de trabalhadores e o transporte de cargas, e que provoque prejuízos diretos no processo produtivo e na vida dos cidadãos”, disse, em nota enviada no final da tarde desta terça-feira.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) não opinou sobre as manifestações, mas afirmou que as perdas no setor podem superar as de 2018, quando houve a greve dos caminhoneiros. O prejuízo diário estimado do varejo pela entidade é de R$ 1,8 bilhão. Para a CNC, agrava o cenário do setor a maior dependência que as empresas passaram a ter de serviços de entregas, uma vez que passaram a operar com estoques reduzidos.
Agro emite sinal neutro
No agronegócio, setor de grande apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), as reações foram mistas. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não citou os bloqueios em seu posicionamento, mas disse que “recebe com naturalidade” a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), motivo pelo qual os manifestantes estão ocupando as vias – os eleitores do candidato derrotado, o presidente Bolsonaro, não aceitaram o resultado do segundo turno.
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Por outro lado, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) disse que os bloqueios nas estradas afetam os consumidores brasileiros e que há risco de desabastecimento no setor. “Fazemos um apelo para que as rodovias sejam liberadas para cargas vivas, ração, ambulâncias e outros produtos de primeira necessidade e/ou perecíveis”, disse a frente parlamentar em nota.
Políticos próximos a Bolsonaro, como ex-ministros e seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), já reconheceram a derrota na eleição. Na mesma linha, o líder do governo no Senado, senador Carlos Portinho (PL-RJ), criticou os bloqueios.
“Nem toda manifestação popular é democrática se os seus anseios não o são. Temos sempre q aprender a ganhar e a perder. A alternância de poder também é um alicerce da Democracia”, afirmou Portinho em uma rede social.
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Bloqueio é diferente da greve de 2018
“A paralisação não tem uma grande liderança, alguém que dite os rumos dos bloqueios, como ocorreu em 2018. Em primeiro momento, o prejuízo tende a ser pequeno, tudo vai depender se isso irá se estender para os próximos dias”, avalia Renato Pavan, da consultoria Macrologística.
“Hoje, não vejo a mobilização com força para causar um prejuízo compatível com o de 2018”, prossegue Pavan, lembrando que a greve dos caminhoneiros naquele ano fez o PIB subir menos do que o estimado e inflação acelerou 1,26% no mês dos atos.
A mesma avaliação é feita por fontes do mercado. A análise de momento é que a falta de apoio do empresariado e a falta de uma articulação nacional pública tendem a tirar o engajamento da manifestação. Por outro lado, a demora de Bolsonaro em reconhecer o resultado da eleição ajudou a estimular a insurgência.
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Movimento não deve ser menosprezado
Apesar de não ter apoio das principais entidades de classe oficialmente, o movimento tem força suficiente para causar entraves na economia do país. Muitos setores estão evitando falar sobre problemas, mas alguns sinais começam a aparecer.
Na manhã desta terça, a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras) disse que pediu apoio ao presidente Jair Bolsonaro a respeito das “dificuldades de abastecimento” que começam a aparecer no setor supermercadista.
A Rumo (RAIL3) informou que há uma redução no volume de caminhões em seus terminais e algumas paralisações em trechos da via férrea em Morretes (PR) e na região de Joinville (SC). “A Rumo trabalha atualmente com estoque e com carga em trânsito em trens que permitem até o momento atender a demanda de operação prevista em seus contratos”, disse a companhia.
A Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), ligada ao governo federal, disse que foi verificada uma queda de aproximadamente 17% na quantidade de veículos que entraram no Entreposto Terminal São Paulo (ETSP), na Vila Leopoldina, zona oeste da capital paulista. Apesar da menor movimentação, a Ceagesp descarta desabastecimento.
Transporte de oxigênio preocupa
A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) demonstrou preocupação com os bloqueios, em especiais no transporte de produtos como gases medicinais, insumos industriais, fertilizantes e outros.
“Especificamente no setor de saúde, as manifestações estão colocando em risco o transporte de Oxigênio Líquido Medicinal, destinado a clínicas e hospitais, locais nos quais é utilizado para a manutenção e preservação da vida de pacientes em UTI’s ou CTI’s em estado crítico, ou que estejam sofrendo de crise respiratória”, disse, em nota.
Para a Abiquim, se faz necessária “a urgente liberação” das vias para que tanto o oxigênio quanto os demais produtos “essenciais à vida do brasileiro sigam chegando ao seu destino”.
Combustíveis no radar
A Agência Nacional do Petróleo e Gás (ANP) disse que está atuando para garantir o abastecimento de combustível diante dos bloqueios. Uma fonte da agência disse à Reuters que, no momento, não há desabastecimento estrutural, mas ponderou que existem riscos.
“As companhias (distribuidoras) devem ter cinco dias de estoque operacional. Como (os protestos) começaram ontem e é um mês de muita demanda de diesel para safra, em tese, aguenta cinco dias. Para além disso, fica complicado e aí vai depender de quem se preparou ou não, mas já tem gente passando aperto”, afirmou.
As distribuidoras de combustíveis avaliam que a situação de abastecimento do país é bastante crítica diante das interdições em estradas brasileiras e da falta de coordenação do governo federal para evitar riscos de falta do produto, afirmou à Reuters nesta terça-feira a diretora de Downstream do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), Valéria Lima.
Os principais pontos de atenção quanto ao risco de desabastecimento de combustíveis no momento são Santa Catarina e Paraná, com grandes reflexos em São Paulo, disse a diretora do IBP, que representa as maiores distribuidoras de combustíveis do país, como Vibra (VBBR3), Raízen (RAIZ4) e Ipiranga. “É uma situação crítica o que estamos vivendo”, afirmou Lima.
A possibilidade de falta de combustíveis em aeroportos já gera preocupação para a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear). “Isso pode gerar um impacto muito sério porque pode complicar o abastecimento em diversos aeroportos, afetar a chegada dos tripulantes, impactando passageiros. Em Guarulhos, quase 500 passageiros não chegaram e diversos voos foram cancelados. Isso pode complicar o transporte de cargas, remédios, órgãos”, afirmou Eduardo Sanovicz.
É absolutamente urgente que as autoridades procedam o desbloqueio de vias e acessos aos aeroportos.”
Setor automotivo afetado
“Estamos recebendo vários reportes de montadoras ou reduzindo ritmo (de produção) ou fazendo algumas paralisações pontuais por falta de componentes ou recursos humanos”, informou a Anfavea, associação que reúne montadoras de veículos no Brasil.
“Há problemas de componentes que não estão chegando nas fábricas, problema de pessoal também porque os ônibus intermunicipais não conseguem chegar”, acrescentou a entidade. Segundo a Anfavea, o problema era sentido por montadoras de veículos, caminhões e máquinas agrícolas.
A fábrica do grupo Stellantis em Porto Real (RJ), por exemplo, está sem operar desde segunda-feira (31) por causa do bloqueio da rodovia Presidente Dutra, informou a companhia. Além de motores, a fábrica produz os automóveis das marcas Peugeot e Citroën.
Em Resende (RJ), a fábrica da Volkswagen Caminhões e Ônibus também sentia problemas pelo segundo dia desde o início das manifestações bolsonaristas. Nesta terça, a unidade trabalhava em ritmo de “retrabalho e recuperação” por causa do bloqueio na Dutra que ainda impede a chegada de parte dos funcionários, afirmou a assessoria de imprensa da montadora.
No Paraná, o complexo fabril da Renault em São José dos Pinhais foi paralisado nesta terça. “Esperamos que se resolva tudo entre hoje e amanhã (feriado) para voltarmos na quinta-feira”, disse uma representante da montadora.
*Com Reuters
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