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Após a Americanas (AMER3) obter proteção da Justiça contra bloqueio de recursos e ter o aval para apresentar um pedido de recuperação judicial (RJ) até a primeira quinzena de fevereiro, paira no ar o que a varejista tem para “colocar” na mesa de negociação com os bancos, que são os principais credores de uma dívida bruta estimada em R$ 40 bilhões pela empresa – isso sem considerar gastos trabalhistas e possíveis indenizações a investidores.
A Americanas não afirmou publicamente se irá optar pela recuperação judicial para lidar com o rombo contábil de R$ 20 bilhões, anunciado na última semana – se não apresentar um plano de recuperação à Justiça até 13 de fevereiro, a decisão liminar perde efeito e a empresa terá que buscar outros meios para se proteger das penhoras. Mas a contratação de Camille Faria, que atuou na reestruturação da Oi, para o cargo de CFO dá um indicativo nesta direção.
Ademais, a estrutura de capital e de ativos da varejista também sinaliza que haverá poucos meios de evitar a RJ, a despeito de um possível follow-on, a qual os acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, se comprometeram. Essa é avaliação de especialistas ouvidos pelo InfoMoney.
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“A Americanas é praticamente uma loja de conveniência, ela tem uma margem de lucro muito estreita e gera pouco valor”, avalia Max Mustrangi, sócio da Excellance, gestora especializada em reestruturação de empresas. No terceiro trimestre de 2022, a Americanas teve a pior margem líquida que suas concorrentes, com -3,9%, ante -1,7% da Magalu (MGLU3) e Via (VIIA3), com -1,9% – as três registraram prejuízo líquido neste intervalo.
“E se olharmos para os indicadores de retorno financeiro, há quase uma década ela tem dado retorno negativo. Como business, ela não para em pé”.
No entanto, Mustrangi aponta que existem alguns bens que podem ter valor em uma eventual recuperação judicial que considere “fatiar” a empresa para ser negociada. “Há valor na localização dos pontos, nos itens de estoque e na própria marca”, destaca. Mas para por aí, uma vez que a Americanas tem um modelo de negócios “asset light”, ou seja, com pouco patrimônio físico próprio.
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A medida tem origem em 1999, quando a Americanas fez a cisão de sua administradora imobiliária, a São Carlos (SCAR3), que passou a operar como uma empresa separada do grupo, embora tenha os mesmos acionistas de referência. Desde então, a varejista deixou de ter o custo de carrego da maior parte dos seus pontos, locando esses espaços – a exemplo do que fazem outras empresas do varejo.
Quais ativos podem ser aproveitados?
Em uma hipótese de dissolução do negócio, a empresa teria disponível aos credores cerca R$ 26 bilhões em valores contábeis, sem considerar possíveis descontos e inadimplências. Os dados levantados se referem ao último balanço publicado pela Americanas, referente ao terceiro trimestre de 2022 (até setembro), que passará por ajustes e muitos números deverão ser revistos.
Partindo desta premissa, no curto prazo há R$ 21 bilhões, uma vez que a empresa possui R$ 8,6 bilhões em caixa e investimentos financeiros. Além disso, há uma expectativa de receber R$ 5,4 bilhões em pagamentos parcelados – em que há risco de inadimplência de uma parte relevante –, R$ 5,8 bilhões em estoques de produtos e R$ 1,6 bilhão em impostos a recuperar no curto prazo.
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Já considerando recebimentos de longo prazo, há mais R$ 5,3 bilhões, sendo R$ 4,1 bilhões em créditos tributários e R$ 1,2 bilhão em títulos, investimentos e créditos a receber.
Entre ativos imobilizados e intangíveis, que exigem mais tempo para se materializar em dinheiro e com risco de forte deságio em função da necessidade de caixa, são R$ 13,5 bilhões. Sendo R$ 9,1 bilhões em ativos intangíveis, como marcas e patentes, por exemplo, e R$ 4,4 bilhões em imobilizados, como imóveis administrativos, galpões e equipamentos.
“São valores subjetivos e depende muito do contexto em que são negociados. Quando se fala em varejo, a marca por si só é valiosa, é o que passa credibilidade ao consumidor, em que ele decide se vai em uma loja ou outra”, explica Sérgio de Carvalho, sócio da consultoria Match Capital, especializada no mercado de aquisições de empresas.
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“Há também todo o conhecimento logístico, localização de pontos que ainda não foram precificados”, acrescenta. Carvalho indica que uma marca pode vir a representar entre 3% e 30% do valor de mercado da companhia, dependendo do setor de atividade e da empresa em análise.
A participação em controladas, como a Natural da Terra, a Uni.co (dona da Imaginarium e Puket) e a Vem – uma joint venture com a Vibra para lojas de conveniência – está estimada no balanço em R$ 3,3 bilhões.
Neste quesito, Carvalho avalia que deverá haver um deságio importante na Natural da Terra. Comprada pela Americanas em 2021 por R$ 2,1 bilhões, hoje estaria valendo cerca de R$ 1,3 bilhão, seguindo um múltiplo otimista de cinco vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, em inglês).
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Follow-on seria o suficiente?
Os especialistas têm dúvidas da eficiência de uma emissão subsequente de ações para salvar a empresa. A avaliação é de que é grande o risco de queimar recursos em um negócio que exige muito investimento para um turnaround robusto. Vale destacar que, em 2020, a Americanas já fez um follow-on de R$ 8 bilhões e, mesmo assim, o problema veio à tona.
A XP fez uma análise de sensibilidade para estimar qual seria o tamanho de um eventual follow-on que daria conforto para os credores. O valor a que chegou foi de R$ 12 bilhões a R$ 21 bilhões, a depender do nível de alavancagem.
“Faz sentido como business reviver o negócio? O turnaround é complexo, exige capex e temos competidores melhores. É muita necessidade de investimento para um negócio que não tem apresentado eficiência”, resume Mustrangi.
Segundo os bastidores da negociação entre os acionistas de referência da Americanas e os bancos credores, o trio fundador do 3G Capital propôs um aporte de US$ 1,2 bilhão, o que daria cerca de R$ 6 bilhões na emissão extra. Porém, os bancos exigem pelo menos R$ 10 bilhões para alongar as dívidas da varejista.
“Não é possível saber se vai ser R$ 6 bilhões, R$ 8 bilhões ou R$ 10 bilhões, mas, se vier algum recurso, sinaliza credibilidade. A questão é: vale a pena? Mas também é muito dinheiro [a perder] para as partes não quererem conversar”, pondera Sérgio de Carvalho, da Match Capital.
‘Haircut’ na dívida bancária é uma tendência
A discussão neste momento, apontam os especialistas, é qual caminho os credores “perdem menos”. Para eles, não existe uma equação em que os bancos não tenham que dar desconto às dívidas da Americanas.
“Se vai para uma RJ, aí o haircut [desconto] pode ser alto, já tiveram casos de corte de 80% do valor original em uma recuperação judicial. Às vezes, é melhor buscar uma saída negociada do que ir para a RJ”, avalia Max Mustrangi, da Excellance. “Por isso é importante os acionistas aportarem recursos, pois isso mitiga o prejuízo dos bancos”.
Para ele, uma recuperação sindicalizada com os bancos seria a melhor alternativa. Neste caso, é possível discutirem um meio-termo que não prejudique o balanço dos bancos e nem “mate” a empresa.
Além do mais, em caso de uma recuperação judicial, os bancos terão de esperar os funcionários receberem seus direitos, ficando para o fim da fila junto com o governo, a depender da formatação das dívidas.
“Não é negócio para ninguém a Americanas quebrar. Se arrastaria muito emprego [a Americanas emprega cerca de 40 mil pessoas], empresas pequenas e médias, além de travar o sistema financeiro. Os números de exposição de alguns bancos à Americanas é quase um lucro líquido trimestral da instituição, não é pouca coisa. Isso coloca em risco toda a economia”, conclui Mustrangi.