“Sem dor, sem ganho” está se tornando o lema da equipe econômica de Trump

Consumidores e investidores estão ficando ansiosos e a economia parece vulnerável a uma desaceleração.

Bloomberg

REUTERS/Evelyn Hockstein
REUTERS/Evelyn Hockstein

Publicidade

A campanha de Donald Trump, eleito presidente dos Estados Unidos em novembro, prometeu curar uma economia americana considerada doente por ele. Agora, pouco depois de um mês do início de seu segundo mandato, ele está começando a sugerir que o tratamento pode doer.

O governo segue prometendo uma era de ouro. No entanto, no curso de uma semana maluca – que teve uma onda de tarifas e reversões, desencadeando uma guerra comercial global e um declínio acentuado no mercado de ações – o tom mudou um pouco. 

“Haverá uma pequena turbulência, mas estamos tranquilos com isto”, disse Trump ao Congresso na última terça-feira (4), defendendo seus planos de erguer uma barreira protecionista ao redor dos EUA com os maiores aumentos de tarifas em quase um século. Na sexta-feira, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, argumentou que a maior economia do mundo precisava de uma “desintoxicação” para se livrar da dependência de gastos públicos. 

A medida em que Trump avança com sua agenda, ele enfrenta algumas realidades incômodas que não pareciam tão problemáticas há pouco tempo. A inflação não será fácil de conter, especialmente porque o presidente está determinado a acumular novas tarifas, mesmo que ele diminua algumas das primeiras. Consumidores e investidores estão ficando ansiosos e a economia parece vulnerável a uma desaceleração. 

Leia também: 4 motivos da volatilidade dos mercados globais na nova era Trump

Um presidente que antes media seu desempenho pelo mercado de ações agora está deixando de lado esse tipo de preocupação. Horas antes de seu discurso no Congresso, o S&P 500 atingiu o nível mais baixo pós-eleição, já que as ameaças de guerra comercial com o Canadá e o México se tornaram uma realidade. O índice caiu ainda mais na sexta-feira. Os títulos do Tesouro americano também caíram na semana, embora uma queda nos preços do petróleo – mantendo esperanças de uma gasolina mais barata – tenha sido um dos pontos de maior influência. 

Continua depois da publicidade

“Nem estou olhando”

A mensagem de Trump é que qualquer dor de curto prazo valerá a pena para trazer a indústria de volta ao país. “Eu nem estou olhando para o mercado porque, a longo prazo, os Estados Unidos serão muito fortes com o que está acontecendo aqui”, disse, na Casa Branca, na quinta-feira. 

“Será necessário um período de ajustes para as pessoas em Wall Street”, disse EJ Antoni, pesquisador da conservadora Heritage Foundation. “O céu não está caindo só porque implementamos tarifas.” 

Bessent disse, no início da semana, que o foco da administração não estava em Wall Street, mas na economia real. Lá, o principal dado econômico da semana – o relatório de empregos de sexta-feira – mostrou um cenário misto. Houve abertura de 151 mil vagas, sólido o suficiente, mas um pouco abaixo das estimativas, enquanto o desemprego subiu para 4,1%. 

Continua depois da publicidade

Trump, que deu autoridade a Elon Musk para recomendar cortes de empregos na burocracia federal, destacou geração de empregos nas fábricas no relatório de fevereiro: “o mercado de trabalho vai ser fantástico, mas terá mais empregos bem pagos na indústria, em oposição a cargos governamentais”. 

Kevin Hassett, diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, disse que os próximos passos no programa econômico da administração impulsionariam ainda mais os ganhos. “Temos que aprovar os cortes de impostos e fazer o trem da desregulamentação andar”, ele disse à Bloomberg Television na sexta-feira. “Vamos reduzir o emprego no governo e reduzir os gastos do governo, e aumentar o emprego na indústria.”

Ainda assim, há muitos sinais de que a indústria americana — de pequenas empresas a gigantes como a Ford — está preocupada com a guerra comercial. Isso está prestes a escalar se os parceiros comerciais retaliarem, como estão ameaçando fazer, com suas próprias taxas que prejudica os exportadores dos EUA. A crescente incerteza pode não encorajar contratações ou investimentos. 

Continua depois da publicidade

Trump inicialmente prometeu tarifas sobre o Canadá, México e China em fevereiro, mas depois adiou as dos vizinhos dos EUA. Na semana passada, ele impôs taxas de 25% sobre o Canadá e o México antes de se apressar para oferecer isenções, primeiro para a indústria automotiva e depois para todo o comércio USMCA, que ele intermediou em seu primeiro mandato. Trump também dobrou a tarifa da China para 20%. 

Leia também: Liberais do Canadá anunciarão sucessor de Trudeau em meio à guerra comercial com EUA

“Provavelmente serei expulso”

Poucas indústrias enfrentam uma mudança maior do que a automobilística, e seu alívio veio depois que os chefes das três grandes montadoras (Ford, General Motors e Stellantis) apelaram a Trump. Mas ele só deu um mês ao setor para reorganizar as cadeias de suprimentos que levaram anos para serem feitas na América do Norte. Além disso, Trump alertou que novos atrasos eram improváveis, embora as empresas automobilísticas estejam prestes a ser atingidas por uma onda de outras medidas. 

Continua depois da publicidade

Os assessores estão minimizando as esperanças. “Ele realmente não gosta da palavra isenção”, disse Kevin Hassett a repórteres na sexta-feira. “Se eu entrar e oferecer uma isenção, provavelmente serei expulso do escritório. Vamos ver como será.”

O próximo passo para as empresas automobilísticas e outras indústrias é a taxa de 25% sobre aço e alumínio que está programada para começar em 12 de março e vai abalar as cadeias de suprimentos mais uma vez. Abril é quando as medidas mais abrangentes devem entrar em vigor. Um conjunto chamado de “tarifas recíprocas”, que os EUA aplicarão a todos os países, a uma taxa considerada equivalente às suas próprias barreiras comerciais. O outro destacará produtos específicos, de automóveis e semicondutores a madeira e cobre.

“A Grande Tosa”

A frenética campanha comercial de Trump pode estar distraindo os americanos de outras políticas em andamento que ajudarão desproporcionalmente os ricos, de acordo com Heather Boushey, que serviu no governo Biden no Conselho de Consultores Econômicos. Ela citou os esforços republicanos para renovar os cortes de impostos e reduzir a força de trabalho e os gastos em agências governamentais.

Continua depois da publicidade

“É o puro caos e me preocupo todos os dias que o caos tenha como objetivo nos distrair da grande tosa da América”, disse Boushey. “Eles têm um plano muito claro que exigirá o corte do apoio ao Medicaid e outros programas realmente importantes.”

Além dos cortes de gastos, Trump está em busca de novas receitas para compensar os cortes de impostos, e as tarifas são parte do plano. “O presidente acredita que se pudermos substituir a receita do imposto de renda pela receita tarifária, podemos deixar todo mundo melhor”, disse Hassett.

Tudo isso prepara o cenário para outro confronto em um mês, que testará novamente o apetite — entre consumidores, empresas e investidores — por uma guerra comercial mais abrangente.

Uma pesquisa da Harris Poll feita para a Bloomberg News no mês passado mostrou que quase 60% dos adultos dos EUA esperam que as tarifas de Trump levem a preços mais altos, e que 44% acreditam que as taxas provavelmente serão ruins para a economia dos EUA. As tarifas também foram citadas 700 vezes durante as teleconferências de resultados trimestrais das empresas do S&P 500, de acordo com uma análise da Bloomberg das transcrições. 

Uma coisa que poderia dissipar parte da crescente angústia econômica seriam taxas de juros mais baixas, mas autoridades do Federal Reserve indicaram que provavelmente não farão nada por algum tempo. Eles querem mais confirmações de que a inflação está a caminho de cair para sua meta de 2% – e mais tempo para avaliar como as políticas de Trump afetarão a economia. 

Leia também: Apoio a aumento de gastos com defesa cresce na França e no Reino Unido

Em um evento em Nova York na sexta-feira, o presidente do Fed, Jerome Powell — que tem tido o cuidado de permanecer evasivo sobre o assunto até que dados mais concretos sejam divulgados — disse que a economia estava basicamente em boa forma, mas reconheceu “níveis elevados de incerteza”, especialmente em torno do comércio.

A descrição de Powell sobre o que o Fed está fazendo agora pode ressoar para muitos americanos, após uma semana de montanha-russa. “À medida que analisamos as informações recebidas”, ele disse, “estamos focados em separar o sinal do ruído”.