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A decisão do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de desistir de disputar a reeleição deve mudar a pauta da campanha eleitoral americana e tende a mexer com as chances do Parido Democrata tanto na disputa pela Casa Branca quanto nos pleitos para a Câmara dos Representantes e o Senado. É o que avalia Maurício Moura, sócio do fundo Gauss Zaftra e professor da Universidade George Washington.
Em entrevista concedida ao InfoMoney logo após Biden anunciar sua saída da disputa pela rede social X (o antigo Twitter), Moura disse que, na perspectiva eleitoral, o movimento melhora as chances dos democratas, independentemente se a vice-presidente Kamala Harris − que já recebeu o endosso público do mandatário − for de fato o nome escolhido pelo Partido Democrata em agosto.
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“Há várias perspectivas. Na eleitoral, melhora para os democratas, porque a eleição deixa de ser sobre as condições de saúde de Biden − o que era uma narrativa muito ruim para eles e que favorecia Trump. Independentemente de quem seja o candidato ou a candidata [democrata], vamos entrar no campo [da narrativa]: ‘você quer Trump de volta ou não?’“, observa o especialista.
“Trump estava vivendo o mundo ideal de qualquer campanha. Estavam falando do adversário, e não dele. (…) Obviamente, quando passa a não se falar só seu adversário, obviamente que você se torna menos favorito”, complementa.
Para ele, o fato de Kamala Harris ter ocupado a vice na chapa de Biden favorece sua escolha entre os democratas. Vale lembrar que, pela legislação eleitoral americana, ela é a única que poderia acessar os recursos de campanha doados à chapa original pelo partido − qualquer outra chapa encabeçada por outro candidato teria que começar a busca por financiamento do zero a menos de quatro meses das eleições.
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Moura destaca, por outro lado, fragilidades no nome da vice defendida por Biden como sua sucessora na disputa: a rejeição entre eleitores fundamentais para os democratas e as potenciais dificuldades em conquistar votos nos swing states que decidirão a disputa.
“O Partido Democrata tem várias correntes e não necessariamente a Kamala as unifica. Nos últimos dias, em Washington, ouvi, principalmente da executiva do partido, qual seria o processo para a escolha de eventualmente um novo candidato. O que sinto é que, se eles estão debatendo o processo, é porque existe espaço aberto para uma candidatura que não seja a da vice. O que ninguém sabe, e vamos acompanhar nos próximos dias, é o quando o próprio Biden vai interferir nesse processo”, diz.
Para o especialista, os próximos dias serão fundamentais para a definição do nome que representará o Partido Democrata na disputa − o que poderá ficar apenas para a convenção nacional do partido, em agosto, em uma disputa aberta. Independentemente do nome escolhido, o desafio será de manter coesa uma legenda com tantas correntes internas. Uma das estratégias pode estar justamente no adversário na disputa, o ex-presidente Donald Trump.
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Veja os destaques da entrevista:
InfoMoney: Como o senhor enxerga o panorama das eleições americanas com a desistência de Joe Biden da disputa e sua indicação de apoio a Kamala Harris?
Maurício Moura: Há várias perspectivas. Na eleitoral, melhora para os democratas, porque a eleição deixa de ser sobre as condições de saúde de Biden − o que era uma narrativa muito ruim para eles e que favorecia Trump. Independentemente de quem seja o candidato ou a candidata [democrata], vamos entrar no campo [da narrativa]: ‘você quer Trump de volta ou não?’. Essa pergunta vai ganhar mais força do que se o presidente tem condições de continuar ou não − tema que ficou muito forte depois do debate.
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O segundo ponto é que dificilmente vamos ter, na próxima semana, pesquisas que digam muita coisa. O eleitor só vai se conectar plenamente com a chapa democrata quando ele souber quem vai ser o topo e o vice dela. Por enquanto, esperar muito das pesquisas na próxima semana será exigir muito dos entrevistados. Haverá um período de a opinião pública se ajustar ao que vai vir − independentemente do que venha.
Do lado republicano, eu fui à convenção em Milwaukee (Wisconsin) e percebi lá que já esperavam que o adversário não seria Biden. No próprio discurso de Trump, ele só citou Biden uma vez e falou bastante da administração [democrata], já mudando o alvo. Então, a campanha republicana já estava esperando isso, e, obviamente, eles vão atacar quem seja o candidato ou candidata [democrata] com força, porque é o estilo de Trump fazer campanha.
Aqui, em Washington, a pressão em cima de Biden era muito grande. A grande questão agora é quem vai ser o candidato, como os democratas vão processar isso, se realmente vão para a Kamala Harris… Há uma vantagem logística muito grande, ela já estava na chapa, [é a única que pode ter] acesso ao financiamento [já feito à campanha de Biden]. Isso é muito relevante, US$ 200 milhões é muito relevante para qualquer campanha em qualquer lugar no mundo.
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O único problema que vejo [à possível candidatura de Kamala Harris], como pesquisador, é que ela não é muito bem percebida nos estados que acredito que são fundamentais para ganhar essa eleição: Wisconsin, Michigan e Pensilvânia. Ela não tem as características vencedoras para esses estados. Inclusive, um dos méritos de Biden em 2020 foi que ele ganhou nesses estados, fundamentais para a vitória democrata. Existe um trabalho grande, se ela for mesmo sair candidata, [de conquistar] esses eleitores no meio-oeste. Talvez esse seja um dos maiores problemas dela como candidata.
IM: A mudança da candidatura, e consequentemente da pauta eleitoral americana com a saída de Biden, mexe com o favoritismo na disputa? Trump passa a ser menos favorito do que é hoje?
MM: Certamente. Trump estava vivendo o mundo ideal de qualquer campanha. Estavam falando do adversário, e não dele. Trabalhando em campanha eleitoral, aprendi uma expressão que diz: ‘quando seu adversário está errando, você deixa ele errar’. Era o que estava acontecendo, só se falava no Biden. Obviamente, quando passa a não se falar só seu adversário, obviamente que você se torna menos favorito.
Mas depende do nome que vier [o candidato democrata], da forma que vier. Agora, a narrativa vai ficar muito mais próxima de ‘você quer mesmo o Trump de volta?’ do que ‘Biden merece ou não continuar?’.
IM: Há elementos que favorecem uma candidatura de Kamala Harris, mas existem outros que podem jogar contra isso. Qual é a chance de outro candidato despontar nos próximos dias?
MM: O Partido Democrata tem várias correntes e não necessariamente a Kamala as unifica. Nos últimos dias, em Washington, ouvi, principalmente da executiva do partido, qual seria o processo para a escolha de eventualmente um novo candidato. O que sinto é que, se eles estão debatendo o processo, é porque existe espaço aberto para uma candidatura que não seja a da vice. O que ninguém sabe, e vamos acompanhar nos próximos dias, é o quando o próprio Biden vai interferir nesse processo. Porque agora há uma mudança: ele estava sob pressão muito grande para sair, e agora que saiu vai ser tratado como herói. Ele a endossou publicamente nas redes sociais, mas uma coisa é endossar publicamente e outra é trabalhar para. Acredito que, se ele interferir pouco, temos grande chance de ter um processo aberto. Já aconteceu isso no partido democrata em 1968, quando Lyndon Johnson desistiu em março. Foi a última convenção aberta que os democratas tiveram.
IM: Então o processo fica todo para a própria convenção do partido, em agosto, e os nomes vão tentando construir apoio até lá?
MM: Sim e não. Nós vamos saber isso em 7 de agosto, a data limite para colocarem os nomes sobre os quais os delegados vão ter que decidir. Então, se eles conseguirem construir um consenso até lá, pode ser que não tenhamos uma convenção aberta. Se não houver consenso, vamos saber se vamos ter uma convenção realmente aberta para decidir o candidato.
IM: Os rachas no partido democrata são vistos com muita preocupação durante processos eleitorais. Como o senhor avalia o risco de o partido chegar fraturado para a eleição de fato?
MM: A principal pressão que Biden sofreu para desistir não era se ele ia ganhar a Casa Branca ou não, era o efeito da candidatura frágil nas candidaturas embaixo. As pessoas iam votar para o Senado, para governador e para deputado. Esse pessoal de Washington estava preocupado com a reeleição deles ou com a situação política de seus estados. Foi o mesmo argumento sobre o qual eles se juntaram, em 2020, para que Bernie Sanders não fosse candidato. Ele estava liderando as primárias, mas era visto como um péssimo candidato para todas as eleições embaixo. A minha sensação é que a saída de Biden melhora a vida de muita gente, porque não vai se ficar discutindo a idade do candidato a presidente, para ter uma eleição pau a pau no Senado.
O maior fator unificador no Partido Democrata se chama Donald Trump. Desde 2016, quando ele ganhou a Casa Branca e os republicanos tinham a maioria na Câmara e no Senado, os ciclos eleitorais foram piores para os republicanos − eles estão com menos deputados, menos senadores e menos governadores. Muito disso é atribuído a candidatos que abraçam completamente a agenda trumpista. Por exemplo, eles perderam assentos do Senado em locais que não poderiam ter perdido: Georgia, Arizona, Pensilvânia…
IM: Nessas eleições, muitos acentos atualmente sob comando de democratas serão disputados. Então, há risco para os democratas perderem hegemonia lá, não?
MM: No Senado é altíssimo. Mas, por outro lado, na Câmara, eles podem virar.
IM: Kamala Harris tem muitas dificuldades em estados centrais para a disputa − os chamados swing states. Como o senhor observa a viabilidade da sua candidatura? Muitos analistas chamam atenção para a reprovação a ela em alguns locais e entre eleitores relevantes para os democratas.
MM: Há o copo meio cheio e o meio vazio. No segundo caso, ela é uma vice-presidente impopular. Por outro lado, ela é uma vice-presidente desconhecida. O americano médio não sabe quem é a vice presidente − não é que ele não saiba o nome −, mas ele não sabe o que ela faz, de onde veio, quem é. Então, também vai ser uma oportunidade para ela se apresentar à nação, que não teve ainda. A combinação de mulher, negra e da Califórnia não dialoga com muitos eleitorados de estados chave. Principalmente nos de meio-oeste. Esse vai ser um grande problema que ela vai ter − e talvez seja o maior.
Qual é o copo meio cheio? A eleição não vai ser sobre ela, vai ser sobre a volta de Trump. Se ela conseguir fazer isso, é uma narrativa poderosa. Se ela colocar [para o eleitor] ‘você tem duas opções: Trump voltar ou eu’, isso é uma narrativa poderosa. Lembrando que Trump foi um presidente mal avaliado. Ele tem 53% de rejeição. Nunca um candidato de oposição teve uma rejeição tão alta indo para a eleição presidencial. Trabalhar na rejeição dele ajuda muito ela.
Outra coisa também é a questão financeira. Ela tem já uma quantidade de recursos que não é simples. E ela pode fazer uma chapa que dialogue com os eleitores que são fundamentais. Lembrando que existe um otimismo muito grande dos republicanos de que eles vão ganhar. Acho que isso se refletiu na escolha do vice, porque o vice de Trump (JD Vance) não traz um voto. Tirando o fato de ele ser mais jovem, tem o mesmo perfil, as mesmas ideias, conseguiu votos nos mesmos lugares… Ele não escolheu alguém que o complemente em nenhum sentido. Geralmente se busca um vice para complementar – e Trump fez isso com Mike Pense em 2016. A Kamala pode escolher um candidato a vice que a complemente.
IM: Há nomes favoritos para essa posição?
MM: Há muitos nomes circulando. Tem o Josh Shapiro, governador da Pensilvânia. Tem a Gretchen Whitmer, governadora do Michigan. Tem o governador da Carolina do Norte [Roy Cooper]. Mas é muito cedo. Até porque é uma situação louca, porque esses podem ser nomes de candidatos a presidente também, dependendo das circunstâncias.
IM: Com relação à tentativa de assassinato contra Trump na semana passada: você acha que os efeitos ainda poderão ser sentidos lá na frente no processo eleitoral ou essa página tende a ser virada e não afetar tanto a escolha do eleitor?
MM: Sinceramente, acho que é uma página virada. Na convenção, obviamente, causou comoção. Nós, no Brasil, tendemos a achar que o que aconteceu com Bolsonaro se compara com o que aconteceu com Trump, mas não tem nada a ver uma coisa com a outra. Primeiro, a coisa felizmente não foi grave – ele está plenamente recuperado. Se fosse algo em que ele estivesse com risco de vida, que estivesse fora de combate, continuaria na agenda. Outra coisa é que os americanos, por incrível que pareça, estão acostumados a lidar com atentado presidencial. Muito mais do que nós.
Acho que [o episódio] ajudou muito na unificação do Partido Republicano. A convenção foi a convenção de uma facção só do partido. O atentado fez com que outras alas ficassem inibidas de tentar se colocar. Mas em termos de eleitorado geral acho [pequeno o efeito]… Até porque ainda estamos em julho, e a eleição é em novembro. Tem muita coisa para acontecer.