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Luciano Laspina acompanhou de perto dois governos antagonistas na Argentina. Em 2015, durante seu primeiro mandato como deputado nacional (o equivalente a deputado federal no Brasil), começou no governo de Maurício Macri e participou das equipes de finanças e reforma tributária. Foram quatro anos de um governo reformista que não teve sucesso e acabou em crise, culminando no retorno do kirchnerismo com Alberto Fernández, antecessor do atual presidente argentino, Javier Milei.
Parlamentar do PRO, partido fundado por Macri, o economista Laspina faz parte da coalizão que apoia o governo de Javier Milei, mas atua de forma independente. Ele acredita que “conquistas importantes” foram feitas nos primeiros dez meses de mandato, mas que é necessária mais força política para avançar na transformação econômica e fiscal do país.
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“Macri não fez a consolidação fiscal nos dois primeiros anos, mas o mercado acreditava que o kirchnerismo não voltaria, e voltou. Milei fez a consolidação fiscal, mas, após o fracasso de Macri, o mercado vê chances do kirchnerismo voltar. Portanto, hoje o risco é mais político do que fiscal na Argentina”, afirmou o deputado em entrevista ao InfoMoney.
2025 será um ano de eleições legislativas no país, e o deputado espera que a coalizão de Milei ganhe mais cadeiras para reforçar a força do presidente e o apoio social. Até lá, a agenda de reformas entra em compasso de espera, visando ganhar força na fase dois, com o possível fim do controle cambial.
Leia a entrevista exclusiva de Luciano Laspina ao InfoMoney:
InfoMoney – Qual a sua avaliação deste primeiro ano do governo Milei e qual o maior desafio da Argentina neste momento?
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Luciano Laspina – O governo de Milei teve conquistas extremamente importantes. Para começar, recuperou o equilíbrio das contas públicas por meio de um ajuste do gasto público primário e implementou uma estratégia inteligente de controle cambial, que permitiu ancorar a taxa de câmbio a um ritmo de desvalorização de 2% ao mês, suficiente para que a inflação, que estava em 20% mensal no início do ano, caísse para cerca de 4% mensal atualmente.
Claro que isso traz desafios pela frente, pois todo controle de capitais gera inconvenientes para a macroeconomia e levanta a grande pergunta: quanto tempo dura o controle de capitais, quando e como se sai dele? Esse é o grande desafio de médio prazo do governo de Javier Milei. Esse é o grande debate hoje na Argentina.
IM: Qual é a importância do controle cambiário [cepo cambiário, em espanhol] e por que ele é o maior desafio do plano econômico atualmente?
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Laspina: Em geral, quando há controle de capitais e uma diferença positiva entre a taxa de câmbio oficial e a taxa de câmbio paralela, como a Argentina enfrenta hoje, o esporte nacional é retirar as reservas do Banco Central. No entanto, as reservas aumentaram nos últimos meses, com uma forte entrada de dólares. À medida que o cepo continuar e as reservas também, haverá poucas turbulências nas taxas de câmbio. Assim, os ativos locais se tornam mais atraentes.
Tudo isso está favorecendo essa espécie de “verão financeiro” que o governo experimentou após ter atravessado uma tempestade em meados do ano, quando o mercado começou a duvidar da continuidade do programa. Agora, eu diria que há um consenso de que o programa reformista do governo tem mais “oxigênio” em reservas para se estender no tempo, e isso é positivo. Adia os problemas, mas não os resolve.
IM: Milei disse recentemente que ainda não é hora de abrir o controle cambiário. Existe um “momento ideal” ou “cenário ideal” a ser perseguido para desfazer o cepo?
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Laspina: Eu sou da ideia, e hoje acredito que o mercado está na mesma posição, de que o controle cambial e o controle de capitais vão durar mais tempo, provavelmente até as eleições parlamentares do próximo ano, em 2025.
Para fazer uma comparação que se entenda, quando acabou a execução do Plano Real no Brasil, ficou claro para todos os cidadãos brasileiros que o regime monetário e fiscal tinha mudado e que as novas regras do jogo vieram para ficar. Hoje, estamos em uma transição na Argentina na qual não estão claras quais serão as regras pós-transição. Isso tem um aspecto positivo, que é uma paz cambial nesse meio tempo e, portanto, certa estabilidade em preços, taxas de câmbio e preços dos ativos, mas mantém essa incerteza de longo prazo.
A resposta do governo é, creio eu, muito razoável. Temos tempo para sair ao mar aberto; enquanto isso, continuemos navegando entre esses pilares que são o controle cambial e a reestruturação da dívida. Eles permitem que o navio avance em águas calmas. Em algum momento, a Argentina vai ter que sair ao mar aberto, a moeda vai ter que flutuar e haverá a necessidade de voltar aos mercados externos, o que nos fará passar por muitos mais desafios do que os que enfrentamos agora. Nesse momento, começará uma nova etapa para a política econômica, com novos desafios. Não estou dizendo que serão mais fáceis ou mais difíceis, apenas diferentes, que é basicamente reconstruir uma moeda nacional.
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IM: Mas o país vai continuar navegando até quando? Você mencionou a necessidade de uma visão de longo prazo. Qual seria o próximo passo desse plano de reestruturação?
Laspina: Hoje, o risco é mais político do que fiscal na Argentina. Para dissipar esse risco político, será necessário esperar pelas eleições do próximo ano. Essa é a razão pela qual o governo não sai do controle cambial nem acessa os mercados internacionais neste momento.
É muito importante que o governo acumule dólares para cumprir sua estratégia de chegar a outubro de 2025 sem precisar desvalorizar a moeda ou apertar a política monetária aumentando as taxas de juros. Isso me parece ser a chave para o próximo ano. Se isso ocorrer e o governo ratificar seu apoio político nas eleições, acho que estará em condições de ver o risco voltar a cair e começar a sair do controle cambial.
IM: O cenário econômico parece encaminhado, mas essas reformas estão tendo um impacto bastante negativo na população. Isso não é um problema?
Laspina: Sim, é um sinal amarelo. Obviamente, as medidas de ajuste fiscal e monetário geraram um golpe muito forte sobre os setores médio e baixo da sociedade. Isso provavelmente era inevitável, dado o desastre que o governo anterior deixou. Começa a ser uma luz amarela porque é muito importante que o governo ratifique nas eleições que o plano se mantém.
Milei chegou à presidência com o apoio de setores populares desencantados com o kirchnerismo, que viam na dolarização prometida um milagre econômico que lhes permitiria começar a ganhar em dólares. Isso, obviamente, não se concretizou, e começa a haver um desgaste na imagem do presidente. Houve uma recomposição do salário real nos setores privados formais, que são os setores médio-altos, mas nos setores mais populares, a diminuição da inflação não se traduziu em queda da pobreza.
Mas o governo começou a desenvolver uma agenda microeconômica de reformas que a sociedade apoia muito. São questões de regulação, eliminação de privilégios, redução de custos e simplificação do Estado. É uma abordagem popular em meio a uma macroeconomia que não traz boas notícias, exceto em relação à inflação. Mas, sim, é algo que está ganhando força.
IM: Você falou bastante sobre a eleição do próximo ano. Quais são as perspectivas para o governo agora: aumento ou queda do apoio?
Laspina: O governo parte de uma base parlamentar mínima, com 37 ou 38 deputados dos 257 da Câmara dos Deputados da Argentina. Ele consegue frear as tentativas de derrubar os vetos presidenciais com o apoio do PRO, mas a pergunta é se conseguirá crescer até um terço, com ou sem o PRO. Acredito que o governo pode aumentar sua representação, mas é fundamental o sinal político que ganhar na província de Buenos Aires e na cidade de Buenos Aires representará.
Buenos Aires representa 40% do eleitorado e é o bastião sobre o qual sempre se constroem os triunfos eleitorais do kirchnerismo. Se isso ocorrer, o mercado ficará nervoso. A Argentina continua negociando com esses níveis de risco porque ninguém sabe como a história vai se desenrolar. E a chave, eu acho, para dissipar essas dúvidas é que a oposição ao governo não seja um retorno ao populismo, mas uma oposição de centro racional, que consolide o melhor das reformas e modifique o que é pior. Isso, hoje, não está dado na Argentina; a alternativa a Milei ainda é o kirchnerismo.
IM: O que você acredita que Milei tem condições de fazer em quatro anos e como vê o futuro das reformas na Argentina?
Laspina: Acredito que Milei tem condições de estabilizar a economia, recuperar a soberania fiscal, reduzir a inflação e iniciar esse longo processo de reconstrução da reputação de uma moeda. É um processo demorado, que não pode ser feito da noite para o dia.
Milei recebeu, de certa forma, um apoio social e político que lhe permite uma margem enorme para realizar transformações. Além disso, há um contexto internacional favorável, que permite que a Argentina desfrute, entre aspas, do ciclo de redução das taxas de juros nos Estados Unidos, o que é sempre bem-vindo, além do desenvolvimento de uma potência exportadora nas periferias do país, não no centro urbano. Estou falando do lítio no Norte, do gás de Vaca Muerta na Patagônia, do hidrogênio verde no extremo sul da Argentina, da energia eólica e de tudo que a Argentina pode gerar em matéria de energia e minerais para a transição energética.
Isso oferece uma oportunidade inigualável para este governo e para a Argentina. Mas, como eu disse antes, depende muito da política; depende de que o pêndulo não volte ao populismo. E isso é um desafio político que excede o governo do presidente Milei, dependendo do que acontecer com os outros atores da política, do empresariado e da sociedade para consolidar uma aliança política, uma coalizão social e política a favor da reforma, do mercado e do crescimento, que até agora a Argentina não teve em décadas.