Possível deportação em massa por Trump também ameaça a economia dos EUA

Veja como os planos do presidente americano contra imigrantes ilegais podem abalar setores cruciais dos Estados Unidos como agricultura, alimentação, hotelaria e tecnologia

Anna França

Migrantes guatemaltecos chegam à Base Aérea La Aurora em um voo de deportação dos EUA - 20/01/2025 (Foto: Cristina Chiquin/Reuters)
Migrantes guatemaltecos chegam à Base Aérea La Aurora em um voo de deportação dos EUA - 20/01/2025 (Foto: Cristina Chiquin/Reuters)

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Donald Trump colocou em marcha seu plano de deportação em massa desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos, no dia 20 de janeiro. Mas, se ele conseguir mesmo cumprir sua promessa de mandar embora até 11 milhões de imigrantes em situação ilegal, o que pode acontecer na maior economia do planeta?

O impacto seria tão brutal que a Bloomberg Economics avalia que a deportação de todos os imigrantes indocumentados reduziria em até 8% o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, avaliado em US$ 27,3 trilhões.

E as perdas bilionárias não param por aí. Segundo o American Immigration Council (AIC), as famílias de imigrantes contribuíram com quase um sexto de todos os dólares arrecadados em impostos no país, cerca de US$ 580 bilhões em 2022.

No total, os ilegais representam cerca de 23% da população de imigrantes, sendo que cerca de 4 milhões (23% do total) são do México, seguidos de Índia (6%), China (5%), Filipinas (4%) e El Salvador (3%), de acordo com dados do Pew Research Center.

A magnitude destes números já preocupa, inclusive, Wall Street, que faz as contas do que isso poderia causar a toda uma economia, que depende bastante desses trabalhadores. Isso porque 13,6% da população americana atualmente é composta por imigrantes. Além disso, cerca de 18,4% da força de trabalho vem dessa imensa massa e 25% das empresas são constituídas por imigrantes, segundo dados do Departamento do Trabalho.

“O país foi construído por imigrantes. O que aconteceu é que nos últimos anos houve um aumento muito grande de casos de imigração ilegal e que não foram bem geridos pela gestão anterior, o que levou, inclusive, ao insucesso de Kamala Harris nas eleições, já que ela era responsável pela imigração”, explica Vinicius Bicalho, advogado de imigração licenciado nos Estados Unidos.

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Segundo ele, uma pesquisa do Gallup, mostrou que apenas 25% dos norte-americanos são contrários à imigração, mas 87% são favoráveis às deportações de imigrantes com delitos. “Não há nenhum sentimento de que os imigrantes não sejam importantes, mas o que se espera é que tudo seja feito dentro da lei”, acrescenta.

Mesmo com as notícias sobre as últimas deportações, Bicalho acredita que as falas de Donald Trump servem mais para chamar atenção. “Ele usa as palavras, faz ameaças e acho até que deve reduzir o número de pessoas que chegam pelas fronteiras ilegalmente. Mas não acredito que ele consiga avançar tanto, até porque as instituições aqui são muito sólidas e já brecaram, por exemplo, a norma que ele queria impor aos descendentes de imigrantes nascidos no país”, afirma.  

Advogado licenciado pela American Immigration Lawyer Associated (AILA) dos Estados Unidos, imigrante de Minas Gerais já com cidadania americana, Bicalho acredita que as ações são todas direcionadas à imigração ilegal e que o país vai continuar recebendo pedidos de vistos, especialmente de trabalho para setores que tradicionalmente precisam de mão de obra estrangeira como tecnologia, saúde e engenharias.

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Ele cita ainda os vistos para investidores, para quem quer abrir novos negócios ou solicitem vistos baseados em trajetória profissional.

“O país vai continuar recebendo os pedidos. A questão é que vai haver um controle maior nas fronteiras, onde aumentou muito o volume de pessoas após as crise de países como a Venezuela, Haiti, Guatemala etc.”  

Brasileiros nos EUA

Segundo Bicalho, o último número divulgado pelo ministério das relações exteriores indicam que existem quase 2 milhões de brasileiros nos Estados Unidos, sendo que 230 mil estão indocumentados. Entre os que não têm documentos estão os que vieram por fronteiras, entrando ilegalmente, que dificilmente conseguirão se regulamentar, e os sem status, que vieram com vistos, mas ficaram por um tempo maior que o permitido.

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Há ainda aqueles que têm pedidos de perdão ao governo americano ou que pediram asilo, bem como aqueles que foram vítimas de tráfico humano. “O cardápio imigratório é extenso e existem mais de 180 tipos de vistos.”

Setores mais afetados

Entre os setores nos EUA que mais sentirão o impacto da deportação em massa estão o hoteleiro, alimentos e construção civil, de acordo com dados do banco de investimento Jefferies. Todos eles são intensivos em mão de obra e devem sentir a pressão em seus custos. Os restaurantes de fast food, por exemplo, já enfrentam problemas com o mercado de trabalho e os custos dos alimentos, que devem aumentar.

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Na construção, os problemas vão desde as varejistas de materiais de construção até os trabalhadores nas obras propriamente ditas, uma vez que em estados como Texas, Califórnia e Flórida mais de 45% dos trabalhadores da construção são imigrantes, segundo dados do Jefferies.

Na Agricultura, estima-se que em todo os Estados Unidos cerca 70% dos trabalhadores agrícolas são imigrantes, muitos deles sem documentos, segundo a Pesquisa Nacional de Trabalhadores Agrícolas do Departamento de Trabalho dos EUA.

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Empreendedores

Isso sem falar na grande proporção de imigrantes, ou seus filhos, que se tornaram importantes empreendedores no país. Estima-se que 45% das empresas da lista da Fortune 500, ranking anual das 500 maiores empresas dos EUA por receita, foram fundadas por imigrantes ou seus filhos.

Além disso, os imigrantes fundaram mais da metade (55%) das startups dos Estados Unidos, avaliadas acima de US$ 1 bilhão.

No setor de tecnologia, os imigrantes também desempenharam um papel fundamental em avanços, com muitos deles vindo ao país, inicialmente, como estudantes internacionais.

No ano acadêmico de 2022-2023, mais de um milhão de estudantes internacionais contribuíram com US$ 40 bilhões para a economia dos EUA e apoiaram mais de 368 mil empregos através de mensalidades e despesas de vida, segundo a Associação de Educadores Internacionais.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro