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Os acontecimentos da última semana podem sugerir uma melhora na estremecida relação entre Brasil e Argentina. Os países assinaram um acordo para trazer gás argentino ao mercado brasileiro. Na Cúpula do G20, encontro de líderes das maiores economias do mundo, Javier Milei concordou em fazer parte da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, proposta pelo governo Lula. No entanto, segundo especialistas em relações internacionais, por trás dos aparentes avanços, os vínculos continuam a ser bastante tensos.
Rodrigo Reis, diretor executivo do Instituto Global Attitude, vê motivos de sobra para acreditar que a diplomacia brasileira enfrentará muitas dificuldades para lidar com seu maior parceiro comercial na América Latina. “O modus operandi [de Milei] se assemelha muito ao ‘trumpismo’ americano, que tenta boicotar instituições multilaterais e retirar a Argentina de qualquer negociação futura relacionada ao clima”, afirma.
Essa postura vai contra os alertas feitos pelo presidente brasileiro na Cúpula de líderes. Lula afirmou que a COP30, a ser realizada no próximo ano no Brasil, é “a última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático”. Dias antes desse discurso, feito na última terça-feira (19), o governo de Milei enviou uma delegação técnica argentina para abandonar a COP29, no Azerbaijão.
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O presidente argentino já se posicionou publicamente contra a chamada Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), um conjunto de metas que prevê a adoção de medidas urgentes para combater as mudanças climáticas. Milei afirma que a ONU interfere na soberania dos países, impondo uma agenda socialista. O Brasil, por sua vez, se mostra totalmente alinhado com esses compromissos e fez disso uma de suas principais bandeiras na presidência do G20.
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Passagem tensa pelo Rio
A passagem de Milei pelo Rio de Janeiro para a reunião de líderes deixou um clima tenso no ar. A delegação argentina foi uma das últimas a chegar ao Museu de Arte Moderna (MAM), no Aterro do Flamengo, desbancando a entrada triunfal que os Estados Unidos planejavam. Milei chegou à Cúpula depois de Joe Biden e do presidente chinês Xi Jinping. Após o episódio da COP29, havia quem se perguntasse se o argentino também não teria desistido de sua participação no G20.
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O primeiro encontro público com Lula rendeu até memes, afinal, o desconforto era evidente. Houve um breve aperto de mão e distanciamento na pose para a foto institucional. Os presidentes não sorriram.
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Até aquele momento, a Argentina era o único membro do G20 que não havia aderido previamente à Aliança. O suspense, porém, não durou muito. Os argentinos se comprometeram com o combate à pobreza e endossaram os outros termos da Declaração de Líderes, incluindo as propostas de transição energética.
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“Estamos falando de uma iniciativa que não apenas tem mais de 100 adesões, entre Estados, organizações internacionais e blocos regionais- como apela a uma causa universal. O pacto seria lançado de qualquer forma, e aí fica a questão do custo do isolamento para Milei, que teria que arcar com o ônus de ser o único a se posicionar contra a luta contra a fome”, explica Matheus de Oliveira, doutor em relações internacionais e professor do Centro Universitário Belas Artes.
Aprovação com ressalvas
O governo argentino se apressou em apontar ressalvas à decisão que tomou, com o intuito de não ser um obstáculo ao consenso do G20. Em nota, defendeu um capitalismo de livre mercado como solução para o combate à fome e à pobreza, criticando intervenções do Estado na economia.
“Nunca verão nossa administração defender propostas que impliquem maior pressão fiscal, nem propostas de desenvolvimento sustentável que priorizem os caprichos de políticos de barriga cheia em países ricos, enquanto os países pobres precisam explorar seus recursos para sair da pobreza”, diz o texto.
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Gabriela Sabino, especialista em relações governamentais, acredita que a postura de Milei tem potencial para influenciar outras lideranças. “O jeito de Milei de se posicionar pode acabar influenciando toda a política da América Latina, com uma agenda mais conservadora e nacionalista”, afirma. A aliança com Donald Trump joga nesse sentido e também em termos comerciais.
“Isso pode acabar puxando a Argentina mais para perto dos Estados Unidos, o que poderia afetar acordos regionais, como o Mercosul. Isso pode causar tensão com o Brasil, caso tentem fazer acordos bilaterais que deixem os outros países de fora”, diz Gabriela.
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E, falando em acordos, nem o memorando de entendimento para trazer gás dos campos de Vaca Muerta, na Argentina, rendeu um pouco mais de simpatia entre os presidentes. O acordo foi costurado com Luis Caputo, ministro da Economia do governo Milei. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, viu o acordo como um gesto positivo e pragmático do Brasil.
“Em se tratando de temas relevantes, como emprego, renda, desenvolvimento econômico e sustentabilidade, nós não levamos em consideração as questões da disputa política”, afirmou, em coletiva de imprensa durante o G20. “Avançaríamos muito mais rápido se todos entendessem isso. Infelizmente, o mundo anda muito extremado.”