Publicidade
A decisão de dissolver a Assembleia Nacional da França adotada pelo presidente Emmanuel Macron no domingo – logo após a marcha das apurações nas eleições para o Parlamento Europeu apontar para uma grande derrota de seu grupo político e para o avanço do nacionalismo de direita – é uma medida prevista em vários textos constitucionais de países de regime parlamentarista. Mas nem por isso pode ser considerada uma prática comum.
Essa será apenas a 6ª vez desde o final da 2ª Guerra Mundial que o governo francês toma tal decisão, considerada por especialistas ao mesmo tempo estratégica e arriscada quando o objetivo é de resolver crises políticas. Nas duas primeiras vezes que isso ocorreu, em 1962 e em 1968, o general De Gaulle saiu vitorioso do processo, conquistando a maioria no novo parlamento.
Continua depois da publicidade
François Mitterrand também dissolveu a Assembleia Nacional duas vezes, em 1981 e 1988. Na primeira ocasião, a dissolução permitiu aos socialistas obter maioria absoluta. Mas em 1988, eles não conseguiram nem a maioria relativa.
A última tentativa se deu em 1997, na presidência de Jacques Chirac, mas ele foi batido por uma onda de “esquerda plural” e teve de se contentar em dividir o poder com Lionel Jospin, eleito primeiro-ministro.
Esse é o grande risco que Macron corre agora, pois, em caso de derrota, ele pode ser obrigado a nomear um primeiro-ministro do grupo que sair vitorioso nas eleições.
Continua depois da publicidade
Mas há quem considere prematuro apontar um resultado na disputa a partir das eleições ao Parlamento Europeu. O motivo é que as eleições europeias são uma votação em lista proporcional, enquanto a disputa legislativas do país é uma votação por maioria nominal e em dois turnos. Assim, questões locais e regionais ganham mais peso na escolha dos 577 parlamentares.
Parlamentarismo permite a dissolução
Mas o que significa dissolver uma assembleia num regime parlamentarista? Segundo um artigo coescrito por José Antonio Cheibub, professor de Ciência Política na Universidade de Pittsburgh, e Bjørn Erik Rasch, da Universidade de Oslo, em muito círculos acadêmicos a capacidade do governo de dissolver o Parlamento antes do fim de seu mandato é da essência do próprio parlamentarismo.
“Nestes sistemas, assume-se que os governos são livres de dissolver a assembleia a qualquer momento e, dado esse poder, fazem-no para melhorar a sua posição: convocam eleições antecipadas quando a opinião pública é favorável ao governo ou, pelo menos, não tão oposta a ele como poderá vir a ser num futuro próximo”, comentam os autores.
Continua depois da publicidade
Assim, os governos em exercício tentam aumentam o número de assentos que controlam ou, pelo menos, reduzir perdas eleitorais que possam ser inevitáveis no futuro.
Essa opinião, no entanto, não é consensual porque essa dissolução discricionária por parte dos governos é também considerada uma herança das monarquias parlamentaristas. “Como se sabe, na Inglaterra, mas não só lá, os parlamentos eram convocados quando o monarca achava conveniente. E eram demitidos quando o monarca decidia que haviam cumprido o objetivo para o qual haviam sido convocados”, diz o artigo.
Por isso, o direito irrestrito do Executivo de dissolver a assembleia hoje só existe em algumas constituições, como a francesa. E uma parte significativa deles são de países onde a tradição constitucional britânica é forte, como a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia. Isso embora o próprio Reino Unido tenha se movimentado para reduzir significativamente as condições sob as quais o parlamento pode ser dissolvido.
Continua depois da publicidade
No artigo, é citado um estudo apontando que, de 56 constituições europeias analisadas, apenas 10 tem alto grau de dissolução discricionária. Em todas as outras constituições, são impostas restrições significativas à dissolução.
Quase sempre, a medida é tomada numa situação de impasse: quando um governo não conseguir ganhar um voto de confiança, após um certo número de tentativas fracassadas de formação de uma maioria ou se alguma legislação como o Orçamento não for aprovada, por exemplo.
Assim, na medida em que as dissoluções legislativas antecipadas se tornaram menos discricionárias e mais associadas a eventos previstas na Constituição, essa medidas se tornaram menos frequentes.