Já é Natal! Pelo menos na Venezuela, por ordem de Maduro

Apesar da contestação internacional do resultado da eleição presidencial e da forte repressão que continua no país, Nicolás Maduro antecipou as comemorações natalinas para o início de outubro

Roberto de Lira

Famílias fazem fotos em frente às decorações de Natal em uma praça pública de Caracas, na Venezuela - 01/10/2024 (Foto: Gaby Oraa/Reuters)
Famílias fazem fotos em frente às decorações de Natal em uma praça pública de Caracas, na Venezuela - 01/10/2024 (Foto: Gaby Oraa/Reuters)

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Uma árvore de Natal enorme está montada em frente ao Comando da Marinha. O famoso monumento Paseo Los Próceres, próximo às instalações militares de Fuerte Tiuna, está repleto de luzes. Os prédios dos ministérios e instituições públicas já têm suas fachadas decoradas.

Ou seja, o Natal chegou, apesar de o calendário ainda mostrar o início de outubro. Pelo menos na Venezuela, onde o presidente Nicolás Maduro decretou a antecipação do Natal para 1º de outubro, com festividades vão se estender até 15 de janeiro.

Em Ávila, a montanha que marca o norte de Caracas, a cruz que tradicionalmente anuncia a chegada do período de festas foi acesa esta semana com lâmpadas azuis, num evento que culminou com um exibição de fogos de artifício. Na ocasião, a prefeita de Caracas, Carmen Menéndez, fez até contagem regressiva.

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Ela pediu pediu um “Natal feliz, seguro e familiar”, enquanto o ministro da Cultura, Ernesto Villegas, que também esteve no evento, pediu que se aproveite a temporada “para reafirmar a identidade nacional”. Para ele, a “rota de Natal” não precisa ser “vazia, sem conteúdo”, mas uma oportunidade para “reafirmar as raízes” da Venezuela.

Na noite de domingo, o regime de Maduro divulgou mais um vídeo de animação destacando os motivos para comemorar a data antes da hora. E resgatou ainda o personagem “Super Bigode”. “Os tempos que virão serão mais esplendorosos, pela mão de Deus. Nada, nem ninguém perturbará a felicidade e a estabilidade dos homens e mulheres venezuelanos. Vamos seguir em frente com o Super Bigote sempre junto da gente”, diz a publicação no Instagram que traz o vídeo.

Isso não chega  ser novidade, como mostra reportagem do jornal espanhol El País, que lembra que o líder bolivariano tem feito isso com frequência desde 2018, só variando um pouco na data de início, que às vezes cai no início de outubro ou novembro, conforme o caso.

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Esse “Natal oficial”, na verdade, ainda não chegou em outros pontos da capital. Os comerciantes tentam se recuperar da crise deixada em agosto, um mês de repressão, incerteza e conflitos nas ruas após as eleições presidenciais de 28 de Julho, que desencadearam uma nova crise política na Venezuela.

Eleição contestada

Uma acusação de fraude demonstrada pela oposição foi encampada internacionalmente por diversos países e entidade. O candidato da oposição, Edmundo González Urrutia terminou no exílio, na Espanha, embora afirme que venceu a disputa contra Maduro com 67% dos votos.

Maduro começou a cantar canções de Natal e a comer doce de leite, a sobremesa típica de Natal, em meio à crise. Mas o gesto voltou como um bumerangue. A notícia do Natal antecipado espalhou-se pelo mundo com ironia, enquanto os fóruns internacionais denunciavam as graves violações dos direitos humanos cometidas nas últimas semanas, incluindo a tortura de menores detidos no âmbito das manifestações contra os resultados eleitorais.

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O próprio rival González Urrutia, obrigado a pedir asilo em Madrid, zombou da ideia e disse que, ao antecipar o Natal, Maduro anteciparia também o seu regresso ao país para assumir o cargo de presidente eleito, conforme previsto na Constituição, em 10 de janeiro de 2025.

“O presidente Maduro adiantou o Natal para 1º de outubro. Não seria estranho se eu pudesse antecipar também o meu regresso”, perguntou à imprensa durante a VI edição do Fórum La Toja-Vínculo Atlántico, realizado no norte de Espanha.

O líder chavista deu ordem para antecipar as comemorações no dia 2 de setembro, mesmo dia em que foi emitido o mandado de prisão contra González Urrutia, que acabou desembarcando na Espanha uma semana depois. “Em gratidão a vocês, vou decretar o Natal antecipado para 1º de outubro. O Natal começa em 1º de outubro para todos. O Natal chegou com paz, felicidade e segurança”, disse então.

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Estes Natais do Chavismo coincidiram com o início do ano letivo em todo o país, após as férias. Nas escolas públicas, por ordem oficial, foram realizados eventos com chapéus vermelhos e foram cantadas as músicas normais para o período das Festas, com dois meses de antecedência.

Briga com bispos

Como se isso não bastasse, Maduro abriu uma nova frente de batalha para o seu turbulento governo. A Conferência Episcopal da Venezuela alertou que o Natal é a comemoração do nascimento de Jesus, em 25 de Dezembro, e reivindicou sua jurisdição exclusiva nestas questões.

“O Natal é uma celebração universal. A forma e o momento da sua celebração são da responsabilidade da autoridade eclesiástica. Este feriado não deve ser usado para propaganda ou fins políticos específicos.”

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Maduro respondeu: “Não, homem de batina, você não decreta nada aqui. Jesus Cristo pertence ao povo. O Natal é do povo e o povo celebra-o quando quer celebrar o seu Natal.”

Além da decoração deslumbrante do Governo, Caracas ainda tenta recuperar o ritmo após semanas de incerteza. Nesta mesma semana, um representante do sector aduaneiro alertou para o atraso na chegada de mercadorias importadas para as festividades de Natal, devido a questões de licenciamento e logística e à diminuição dos envios provenientes da China.

O diário espanhol destacou na reportagem que em uma loja de roupas femininas em um movimentado shopping center no centro de Caracas, uma gerente previu que as vendas poderiam aumentar nas próximas semanas.

Mas o estabelecimento ainda não foi tomado pelas arvorezinhas, pelas estrelas e pelas renas do Papai Noel para o Natal que o Governo encomendou. A gerente explica: “O Halloween vem em primeiro lugar.”