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Em uma eleição já cheia de elementos de polarização política, um novo fator acentua o ambiente tenso da corrida à cadeira presidencial dos EUA: o ataque a tiro sofrido no último sábado (13) pelo ex-presidente Donald Trump, com efeitos claros ao menos para o curto prazo para a disputa americana.
Em entrevista ao InfoMoney, Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas do grupo Eurasia, discutiu os paralelos entre o atentado contra Donald Trump e eventos políticos no Brasil. Garman destaca que a violência em campanhas eleitorais tende a aumentar em sociedades muito polarizadas, como é o caso tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.
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Garman avalia que o atentado pode reforçar a candidatura de Trump, já que sua resistência ao ataque projeta uma imagem de fortaleza, contrastando com a fragilidade de Joe Biden, grande ponto fraco do democrata e evidenciado principalmente após o debate no fim de junho. Além disso, o atentado dificulta a linha de ataque dos democratas contra Trump, que o associam a uma ameaça à democracia. No entanto, Garman ressalta que é cedo para tirar conclusões definitivas, pois a eleição ainda está a quatro meses de distância.
De qualquer forma, em um “ambiente delicado e precário nessa campanha presidencial”, Garman avalia que “aumenta o grau de pânico no partido democrata, mas também dificulta a troca da candidatura de Biden”, uma vez que pode evidenciar ainda mais a fragilidade do partido.
Confira a entrevista:
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InfoMoney – O ataque contra Trump durante o comício fez com que os brasileiros, principalmente, traçassem paralelos com a facada sofrida pelo então presidenciável Jair Bolsonaro e as consequências para as eleições naquele período. Quais são as semelhanças e as diferenças? No quadro geral, como o atentado muda o quadro eleitoral americano nesse ambiente de polarização política?
Christopher Garman – O primeiro ponto é que a violência em campanhas eleitorais ou mesmo na política em geral tende a aumentar em contexto de sociedades altamente polarizadas. Em 2018 talvez não era exatamente carregado como está nos EUA agora, naquela época, no início daquela campanha presidencial no Brasil.
Mas há esse elemento que une os dois países. Há eleitores nos EUA que enxergam o outro lado como extremista e uma ameaça à democracia de parte a parte. Os republicanos acreditam que os progressistas no país estão perseguindo politicamente Donald Trump e que isso representaria uma ameaça aos direitos individuais e à democracia. Os progressistas, por sua vez, enxergam e argumentam que Trump está associado a autoritarismo e que isso representa uma ameaça à democracia.
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Então, num ambiente carregado como esse, onde cada lado político enxerga o outro como não respeitando as regras do jogo, forma-se um ambiente mais propício para a violência. Se olhamos para a eleição brasileira, também havia elementos que traziam Bolsonaro como uma ameaça autoritária, dado o histórico dele com o parlamentar.
Assim, uma preocupação que existe nessa eleição americana é de um ambiente propício a atos de violência – e o temor é de que talvez esse não seja o último.
Do lado eleitoral, o evento de 2018 foi benéfico para Bolsonaro na campanha e, nos EUA, também tende a reforçar a candidatura do Trump. Chamaria a atenção pela imagem muito forte de Trump após sofrer o atentado com o punho no ar e mostrando uma certa resistência a um ataque contra ele, que projeta uma imagem de fortaleza e se contrapõe ao grande passivo do rival Joe Biden, que é a fragilidade.
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Segundo, o Trump talvez não ganhe muitos pontos de aprovação, mas dificulta a linha de ataque do Biden contra ele. Uma das principais linhas de ataque dos democratas é para associar o Trump a uma ameaça à democracia, extremismo político com propostas para tentar diminuir a autonomia em várias instituições, enquanto pesquisas de opinião pública indicam que uma ameaça à democracia é uma preocupação no eleitorado americano e também entre os eleitores independentes. Com esse atentado, essa linha de ataque fica mais difícil, porque Trump foi vítima de um ato de extremismo político, e no fundo valida ou fortalece a posição dele de que a ameaça à democracia ou extremismo político não é ele, e sim as forças progressistas extremistas.
Vários republicanos têm argumentado que o atentado contra o Trump foi afetado pelos ataques reiterados dos democratas contra o Trump, caracterizando-os como um extremista político, que criou um pano de fundo social permissivo para que isso acontecesse.
Esse evento não inocula, mas dificulta uma campanha negativa democrata para tentar cortar o apoio do Trump.
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IM – O que se sabe até agora é que o atirador é jovem, estava registrado como republicano (apesar de haver relatos de doação a um comitê progressista apoiador de Biden em 2021) e as motivações para o atentado ainda não são claras. Nesse cenário, ao mesmo tempo em que Trump pode elevar o tom sobre o discurso de falta de segurança, que seria um ponto fraco do Biden, também não poderia reacender o debate sobre a facilidade de ter armas nos Estados Unidos?
CG – Vejo como difícil que esse atentado gere uma pressão, um debate, para restringir a liberdade do uso de armas. É claro que vai gerar essas críticas de que, no fundo, a liberação de armas foi um contribuidor.
Mas acredito que a narrativa mais dominante será de que, no governo Biden, os EUA vivem num ambiente de caos e descontrole. Essa é uma linha que o partido republicano vai usar nessa campanha. Eles vão argumentar que há violência nas cidades, fronteiras abertas para imigração ilegal, um descontrole inflacionário e um presidente fraco, que não tem capacidade de liderar o país.
Então, adiciona ao cenário esse atentado contra o Trump, o que reforça uma imagem de um país desgovernado, um ambiente de caos, e que é preciso de um líder forte para tomar as rédeas do país. Os republicanos devem utilizar esse atentado para reforçar essa linha de argumentação mais ampla.
Então entendo que vai ter a linha de raciocínio de colocar uma pressão para mudanças na postura sobre liberação de armas, de colocar mais restrições. Mas a imagem de caos, violência, desobediência, fica reforçada e isso é ruim para o Biden.
IM – A pressão para que Biden desista da candidatura vai se intensificar ainda mais com esse atentado contra Trump?
CG – Acredito que o pânico entre os democratas só vai crescer. Eles estão em um ambiente caminhando para uma derrota.
A leitura de quase todos vai ser que o favoritismo do Trump é reforçado depois desse atentado. Então, a pressão do Partido Democrata para uma mudança da candidatura deve crescer, sim.
Outra pergunta é se o cálculo do próprio Biden muda. Uma linha é de que ele possa ser persuadido de que uma troca de candidatura aumenta as chances dos democratas ou de que ele não tenha capacidade cognitiva de fazer uma campanha e liderar o país.
Por outro lado, Biden pode concluir que, em um momento de crise como essa, ele precisa mostrar liderança. Um partido que venha a trocar “o seu cavalo no meio do curso” reforça a imagem de desgovernado. A pressão dos democratas pode aumentar, mas a nossa aposta é que o Biden não muda a sua posição e o seu cálculo é de que permanecerá na disputa.
No fundo, esse evento tem dois impactos. Aumenta o grau de pânico no partido democrata, mas também dificulta a troca da candidatura.
Geralmente candidaturas gozam de um aumento dos seus índices de intenção de votos depois da convenção partidária. É uma convenção republicana que vai expor todos os argumentos republicanos com uma fala coroada de Trump, com uma exposição nacional. Para os democratas vai ser muito difícil virar a mesa antes da convenção democrata, que acontecerá em agosto.
IM – Esse atentado pode estimular os republicanos a irem votar?
CG – De fato tende a aglutinar e motivar ainda mais a base republicana. Então comparecimentos republicanos nas urnas tendem a ser reforçados.
IM – Como será o comportamento dos democratas? A visão de um partido desgovernado pode levar a um não-comparecimento maior? Ou por enxergarem Trump reforçado pode ser um estímulo para eles irem mais às urnas para impedir a eleição do republicano?
CG – Parte do pânico dos democratas é que todo esse ambiente reduz o comparecimento do eleitor do partido, que enxerga um candidato mais fraco e sem capacidade de mobilizar as massas. É por isso que democratas no Congresso dos EUA estão muito preocupados e colocando pressão para Biden não se candidatar.
Eles têm essa preocupação. Na minha visão, entretanto, é precoce fazer apostas muito firmes sobre o comparecimento. Nós estamos há quase quatro meses da eleição presidencial ainda.
Geralmente o pontapé da campanha começa depois das convenções partidárias. Então tem muita água para rolar. Podemos sim ter uma mobilização de democratas comparecendo nas urnas em um ambiente político tão carregado quanto esse.
Assim, é precoce chegar a conclusões definitivas. Estamos em um período da campanha onde todos os eventos estão sendo vistos com uma proporção talvez maior do que de fato terá. Então isso remete a um ponto maior. Com certeza as dificuldades cognitivas do Biden no debate são um passivo e com certeza esse atentado reforça o favoritismo do Trump. Mas também estamos em um país altamente dividido com uma campanha estruturalmente apertada.
Trump lidera com os dois, três pontos percentuais nos estados-chave do Congresso Eleitoral que vão definir o rumo da eleição. E assim, olhando os três estados que provavelmente vão definir o resultado, pelo menos os estados que os democratas precisam – do chamado Blue Wall, que é Michigan, Pensilvânia e Wisconsin -, Trump só lidera com dois pontos percentuais nesses três estados.
E se Biden levar esses três estados ele pode ganhar a eleição. Então Trump sai com favoritismo reforçado, sem dúvida nenhuma, mas os democratas ainda estão em posição de ganhar.
Por outro lado, depois do atentado e da convenção republicana, a histórica, a possibilidade de uma vitória esmagadora do Trump vai ser colocada na mesa. O que antes era muito improvável, permanece improvável, mas não é inconcebível.
Acho difícil que seja uma vitória esmagadora, estou com a visão de uma disputa estruturalmente apertada, mas reconheço que a possibilidade de uma vitória esmagadora, que antes era muito remota, agora tem que ser levada em consideração, mesmo que seja difícil, improvável. Ela entrou no rol de possibilidade.
IM – Uma vez que ainda há quatro meses para a eleição, há tempo dos democratas tentarem reverter esse cenário?
CG – O atentado é algo que deve ser marcante na campanha como um todo, e vai ser aproveitado até o momento da eleição. A imagem de um candidato que sobrevive a um atentado, de um candidato forte que reage a momentos dramáticos, o punho dele no ar, isso conta. A imagem dele que foi capturada deve ser utilizada ao longo da campanha. Com certeza os republicanos saem com uma mensagem mais forte.
Mas é claro que o fato de termos quase 4 meses antes da eleição pode mitigar esse evento, haverá vários eventos na campanha que vão mudar o foco da atenção do eleitor, Biden terá oportunidades para tentar se colocar. Ainda assim, esse atentado vai ser um evento marcante que influenciará a dinâmica da campanha presidencial.
IM – Quais os movimentos esperados para os mercados? O evento vai fazer com que a eleição entre ainda mais na conta?
CG – Os investidores começam a incorporar uma probabilidade maior de Trump prevalecer, se olhar os mercados de aposta, a probabilidade embutida de Trump ganhar está próxima a 70%. Mas, geralmente os preços de ativos se manifestam um pouco mais próximos da eleição.
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Havendo uma expectativa de vitória do Trump, o mercado precificará o quanto um novo governo pode representar um esboço de políticas mais inflacionárias, com uma protecionismo comercial mais forte, uma política fiscal talvez mais expansiva e políticas anti-imigratórias mais duras.
O impacto tende a não ser imediato em termos da política do Federal Reserve, mas ao longo do tempo reforça uma aposta que a taxa de juros americanas não caia tanto.
IM -Também houve no governo Trump uma pressão política contra o Fed, com fortes críticas do então presidente a Powell. Isso pode elevar a volatilidade dos mercados, antes mesmo das eleições?
Sim, pode ter uma politização do Fed, é sem dúvida um risco na mesa.
IM – Como deve ser a reação das bases em todo a campanha presidencial?
CG – Uma preocupação que temos é como vão reagir as respectivas bases políticas em um atentado como esse. A militância conservadora vai se sentir sitiada e ameaçada. Toda a classe política deve fazer um chamamento para a unidade nacional para evitar que esse ambiente de polarização se aprofunde, mas a possibilidade de que esse ambiente de polarização leve a outros atos de violência é um risco importante que nós vamos ter pela frente. Isso também pode ter impacto na própria eleição em si. Há um ambiente delicado e precário nessa campanha presidencial.