Como a crescente tensão no Oriente Médio tem moldado as eleições americanas

Candidatos se movimentam para atrair o voto de americanos, judeus e árabes sensíveis aos conflitos na região – e que podem fazer a diferença em estados divididos

Flavia Furlan

Apoiadores de Palestina e Israel se enfrentam em protestos opostos no Washington Square Park em 17 de outubro de 2023, na cidade de Nova York (Spencer Platt/Getty Images)
Apoiadores de Palestina e Israel se enfrentam em protestos opostos no Washington Square Park em 17 de outubro de 2023, na cidade de Nova York (Spencer Platt/Getty Images)

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NOVA YORK – William Brown, 30 anos, bartender e subgerente em Washington, D.C., teve uma infância incomum. Filho de uma funcionária do Departamento de Estado dos Estados Unidos, passou parte de sua juventude entre culturas e continentes: viveu dos seis aos nove anos na Estônia e dos 14 aos 16 no Egito, experiências que, segundo ele, moldaram sua visão política.

“Eu era criança quando me mudei para a Estônia, então o que aprendi foi mais tarde, quando estive no Oriente Médio de 2008 a 2010, um dos períodos mais críticos do meu desenvolvimento intelectual”, relembra Brown. “Barack Obama havia acabado de ser eleito quando chegamos, e havia um sentimento de esperança. Mas não acabou bem, e viemos embora um pouco antes da Primavera Árabe.”

Essa vivência fez de Brown alguém sensível aos conflitos recentes no Oriente Médio, iniciados pelos ataques do Hamas, grupo palestino da Faixa de Gaza, contra Israel em 7 de outubro de 2023. Brown critica a postura dos EUA em relação à guerra e afirma que isso vai decidir seu voto em 5 de novembro.

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Will Brown (Arquivo pessoal)

“A atual inação em relação a Israel é extremamente ofensiva. A administração de Joe Biden deu a Israel um cheque em branco para fazer o que quiser”, disse Brown. “Por esse motivo, seria extremamente difícil votar em Kamala Harris, que essencialmente tem sinalizado que não faria nada diferente do que Biden.”

Autodeclarado “socialista democrático”, Brown também rejeita a opção de votar em Donald Trump, o que o deixa sem uma escolha eleitoral viável. Ele, no entanto, admite que sua posição decorre do privilégio de “não precisar se preocupar se o preço da gasolina irá subir um ou dois dólares”, diferentemente de outros americanos.

De fato, historicamente, questões internacionais não são o foco principal dos eleitores americanos, que geralmente priorizam temas domésticos. No entanto, especialistas ouvidos pelo InfoMoney acreditam que o aumento das tensões no Oriente Médio – agora envolvendo Líbano, Irã e Iêmen, e grupos como o Hezbollah – pode alterar essa dinâmica.

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“Quando os EUA estão envolvidos diretamente com tropas – por exemplo, na Segunda Guerra Mundial, no Vietnã ou no Iraque – questões internacionais ganham destaque”, afirmou Christopher Borick, professor de ciências políticas e diretor do Instituto de Opinião Pública da Faculdade Muhlenberg, na Pensilvânia. “Mas, nos últimos 15 anos, a política externa tem tido prioridade baixa entre os eleitores.”

A expectativa é que isso mude em 2024. Grupos como jovens eleitores, judeus e árabes americanos estão mais atentos aos conflitos no Oriente Médio, e seus votos podem ser decisivos em uma eleição extremamente acirrada, especialmente em estados-pêndulo.

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A divisão entre os árabes

Estima-se que haja 7,7 milhões de judeus nos EUA, 77% deles em idade para votar, de acordo com o Instituto Eleitoral Judaico, uma instituição apartidária. Já os americanos de descendência do Oriente Médio e Norte da África somam 3,5 milhões, com 74% em idade para votar, segundo o Censo americano.

No entanto, enxergar esses grupos como blocos homogêneos seria um equívoco. Embora tradicionalmente mais inclinados a apoiar o Partido Democrata, a polarização entre esses eleitores tem se acentuado, com os conflitos recentes contribuindo consideravelmente.

“Em 30 anos pesquisando eleitores árabes americanos, nunca testemunhamos nada como o papel que a guerra em Gaza tem tido no comportamento do eleitor”, destacou em nota James Zogby, presidente do Instituto Árabe-Americano.

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Protesto pró-Palestina em Los Angeles, Califórnia, em 8 de dezembro de 2023 (David McNew/Getty Images)

Uma pesquisa conduzida pelo instituto em setembro, com 500 eleitores árabes americanos, mostra que 42% preferem Trump e 41% optam por Kamala. Ao serem questionados sobre os fatores que influenciam seu voto, 39% citaram o emprego e a economia, 26% mencionaram Gaza e 21% apontaram a violência armada.

Apesar disso, o entusiasmo entre esses eleitores está em declínio, com apenas 63% afirmando estar motivados a votar, uma queda considerável em comparação aos 80% registrados historicamente.

“Os apoiadores de esquerda e alguns americanos muçulmanos têm expressado sua frustração com o contínuo suporte de Biden a Israel. Alguns têm ameaçado não votar por causa disso”, disse Grant Reeher, professor de ciências políticas na Universidade Syracuse, em Nova York.

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Reeher adiciona: “Duvido que isso tenha um grande impacto no final do dia, mas poderia ter algum efeito em Michigan, um dos estados-pêndulo, que tem um grande número de americanos muçulmanos.”

Em estados como Michigan, grupos pró-Palestina, como o Uncommitted National Movement, promovem boicotes eleitorais a Kamala e Trump, diante da insatisfação com o apoio a Israel. No estado, Biden ganhou em 2020 por uma diferença de 154 mil votos. Segundo uma análise do grupo civil muçulmano americano Emgage, havia 206.050 muçulmanos registrados para votar em Michigan naquele ano.

Mudanças entre os judeus

Uma pesquisa do Pew Research Center realizada em setembro, antes do debate entre Trump e Kamala, mostrou que 65% dos eleitores judeus tendem a apoiá-la, enquanto 34% preferem o ex-presidente. No entanto, o apoio desse grupo aos democratas tem mostrado um declínio ao longo do tempo: em 2020, 70% apoiavam Joe Biden, em comparação com 27% que escolhiam Trump.

Na Pensilvânia, onde vive uma comunidade judaica de aproximadamente 350 mil pessoas, Biden venceu por uma margem estreita de 80 mil votos em 2020, em um universo de 7 milhões de eleitores. Esse cenário destaca a importância do apoio de judeus em estados-pêndulo.

Borick vê um esforço de Kamala em equilibrar seu apelo tanto para judeus quanto para árabes americanos, o que a coloca “em uma linha tênue”.

Apoiadores pró-Palestina passam por um grupo de contra-manifestantes durante uma marcha pelas ruas de Nova York, em 7 de outubro de 2024 (Andrew Lichtenstein/Corbis via Getty Images)

“Ela tenta, por um lado, dar conforto àqueles que querem ter certeza de que os EUA estão oferecendo apoio a Israel. Enquanto isso, é crítica o suficiente para fazer aqueles que estão enfurecidos com a política israelense acreditarem que ela pode ser capaz de navegar por um caminho diferente. E isso é desafiador.”

Trump, por outro lado, tem tirado vantagem e tentado dividir a coalizão democrata, acrescentou Borick. “Ele critica judeus que votam em Harris, dizendo que estão votando contra seus interesses; mas ao mesmo tempo está explorando o desconforto de americanos árabes com a política de Biden ao relacionar Harris a Israel em sua propaganda política.”

A opinião dos americanos

Laura Silver, diretora assistente de pesquisas de atitudes globais do Pew Research Center, observa uma “pequena, mas notável mudança” na opinião pública americana sobre o Oriente Médio desde os ataques do Hamas em outubro do ano passado.

Segundo ela, “Os americanos estão preocupados com a expansão da guerra para outros países e a potencial necessidade de envio de tropas americanas para o Oriente Médio.”

Em dezembro de 2023, 27% dos americanos disseram que Israel havia ido longe demais em sua resposta militar. Esse número subiu para 31% em setembro deste ano. A divisão partidária é clara: entre os democratas, 50% compartilham essa opinião, comparado a 13% entre os republicanos. Há também diferenças geracionais.

Laura Silver, diretora assistente de pesquisas de atitudes globais do Pew Research Center (Divulgação)

“Os jovens americanos tendem a simpatizar mais com os palestinos do que com os israelenses e são menos favoráveis ao apoio militar dos EUA a Israel”, explica Laura. “Em geral, eles demonstram menor interesse pelo envolvimento dos EUA na região e são mais propensos a considerar que a resposta militar israelense foi exagerada.”

Essa insatisfação entre os jovens resultou em uma onda de protestos em universidades dos EUA, com ocupações de campus e confrontos com a polícia. A crescente tensão culminou na renúncia de presidentes de prestigiadas universidades da Ivy League: Liz Magill, da Universidade da Pensilvânia, renunciou em dezembro; Claudine Gay, de Harvard, seguiu o mesmo caminho no mês seguinte; e Minouche Shafik, da Universidade Columbia, em agosto deste ano.

Joseph DeDonato, 66 anos, um médico de pronto-socorro que vive em Lakeville, Connecticut, e se denomina um liberal democrata, acredita que o Oriente Médio está em constante turbulência desde as fronteiras artificiais impostas após a Segunda Guerra Mundial.

“Apoio Israel porque é uma democracia social, uma das poucas naquela região. No entanto, não necessariamente concordo com as lideranças políticas em Israel, uma vez que elas tendem a ser de extrema direita e falham em ter a mente aberta”, disse DeDonato.

DeDonato, que acredita que os estudantes americanos são idealistas, defende a postura do governo Biden, que, segundo ele, tem buscado equilibrar o apoio a Israel com a promoção da paz em uma situação delicada.

“Nós temos que defender nossas crenças pela democracia e liberdade dos direitos individuais das pessoas”, afirmou.