Votar fator previdenciário antes da revisão do INSS foi estratégico, dizem advogados

STF decidiu que segurados não podem escolher a melhor regra para o cálculo da aposentadoria

Anna França

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Um movimento estratégico. Assim foi considerada, por especialistas ouvidos pelo InfoMoney, a inclusão do julgamento sobre as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 2110 e 2111) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) antes da análise da “revisão da vida toda” para aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) realizada nesta quinta-feira (21).

Ao declararem a constitucionalidade da Lei 9.876/99, que alterou o cálculo das aposentadorias e implementou o fator previdenciário, os ministros eliminaram de uma vez por todas a esperança de milhares de aposentados que poderiam conseguir o benefício obtido na mesma Corte, em 2022.  

Segundo advogados, todo o avanço obtido no julgamento realizado há dois anos foi por água abaixo na quinta. Os ministros nem chegaram a discutir a revisão em si, mas ao considerarem constitucional o artigo 3º da Lei 9.876, de 1999, que criou o fator previdenciário e estabeleceu a regra de transição a ser usada para os cálculos da aposentadoria, a maioria da Corte julgou procedente a fórmula e que não será possível ao aposentado escolher o melhor cálculo para ele, como já havia sido permitido em 2022.

Andreia Rossi, advogada previdenciária e vice-presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Itaquera, classificou a decisão do STF de uma “manobra inacreditável”. “Pautar estrategicamente essas ADIs antes do julgamento da revisão da vida toda, que já havia sido julgada pelo STJ, em 2019, e pelo plenário do STF, em 2022, só mostra que, na verdade, se trata de uma decisão política”, disse.

Para ela, o argumento do governo de que a revisão traria um custo de quase R$ 480 bilhões aos cofres públicos não se sustenta, pois somente uma pequena parcela dos aposentados se beneficiariam com a inclusão dos salários de 1994. “Foi um dia muito triste para a cidadania, pois a injustiça imperou e instaurou-se um insegurança jurídica sem precedentes”, declarou.

O professor de Direito Previdenciário, Theodoro Agostinho, também concorda que a decisão acentua a insegurança jurídica. “Se esperava uma análise mais criteriosa e técnica, e foi feito um movimento que, na verdade, prejudica o aposentado”.

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“A declaração de constitucionalidade do artigo terceiro da Lei 9.876, de 1999, impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação literal, que não permite exceção”, proferiu, ao final do julgamento, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso. Votaram nesse sentido os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Kássio Nunes Marques.

Entenda o caso

No final de 2022, o STF havia aprovado a “revisão da vida toda”. Segundo o entendimento na época, a regra de transição feita pela Reforma da Previdência de 1999, que excluía as contribuições antecedentes a julho de 1994, quando o Plano Real foi implementado, poderia ser afastada caso fosse desvantajosa ao segurado. Isso levou o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) a entrar com embargos junto à Corte.

Mas foi a discussão sobre a constitucionalidade do fator previdenciário, de uma ação que se arrastava há 25 anos, que acabou embolando tudo e provocando a reviravolta na história. Alguns partidos de oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso, questionavam a regra que previa que as aposentadorias considerariam 80% dos maiores salários recebidos de julho de 1994 em diante. Em 2019, com a Reforma da Previdência, houve outra mudança do cálculo, que passou a incluir 100% dos salários a partir de julho de 1994. A revisão da vida toda incluiria pagamentos anteriores a 1994 e que muitas vezes eram maiores, elevando o benefício final.

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Pelos cálculos do governo, a “revisão da vida toda” teria um impacto bilionário aos cofres públicos de R$ 480 bilhões. Mas levantamentos feitos pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) indicam que o valor ficaria muito abaixo disso, em R$ 1,5 bilhão. O ministro Flavio Dino, porém, colocou durante o julgamento que não se pode ignorar os argumentos econômicos do país. Meio desconfortável, Barroso ainda frisou que nem sempre se decide para o benefício do segurado, mas para a preservação do “equilíbrio financeiro dos cofres públicos”.

De qualquer maneira isso se transformou num caso trágico para os aposentados, na opinião do pós-doutor em Direito e sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados, Lenio Streck. “Ao julgar as ações de inconstitucionalidade antes, o STF cortou caminho. Agora não há mais nada mais a fazer.”

Durante a sessão, ainda foi derrubada a exigência de carência de dez meses para o pagamento de salário-maternidade às contribuintes individuais, por maioria de votos (seis a cinco).

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro