Vai adquirir um imóvel? Veja como deve ser cobrado o ITBI

STJ definiu, em 2022, que o imposto deve incidir sobre o valor do bem, mas há prefeituras que insistem em tributar a operação pelo valor venal do imóvel

Anna França

Ilustração sobre imóvel (Pixabay)
Ilustração sobre imóvel (Pixabay)

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Uma antiga e longa pendência parecia estar resolvida desde 2022, quando a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a base de cálculo para cobrança do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) passaria a ocorrer sobre o valor de venda do imóvel e não mais em relação ao valor venal, estabelecido pelas prefeituras para cobrança do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). No entanto, essa regra vem sendo quebrada em muitos dos 5,5 mil municípios espalhados pelo Brasil. Especialistas consultados pelo InfoMoney explicam como resolver a questão.

A confusão ocorre porque, anteriormente, o ITBI, que é pago quando se compra um imóvel e precisa registrá-lo, era calculado com base no valor de avaliação do imóvel pela prefeitura. Porém, depois da decisão do STJ sobre a cobrança em cima do valor real da transação, isso já deveria ter sido pacificado, na opinião de advogados. Mas não é o que vem acontecendo, o que acaba gerando impacto direto no bolso dos compradores de imóveis.

Segundo o advogado Luís Gustavo Nicoli, especialista em Direito e sócio fundador do Nicoli Sociedade de Advogados, quem adquiriu um imóvel nos últimos cinco anos e pagou o ITBI com base em uma avaliação municipal que superava o valor real da transação, essa pessoa tem o direito a recuperar a diferença. “É preciso ficar atento porque os valores podem ser significativos”, disse.

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Nicoli dá como exemplo um imóvel avaliado em R$ 600 mil pela prefeitura, mas que por situação de mercado acabou sendo vendido por R$ 400 mil. Como o ITBI deve ser calculado sobre percentual em cima de R$ 400 mil, e não sobre os R$ 600 mil da avaliação municipal, dá muita diferença. Dependendo da cidade, as alíquotas vão de 2% a 5% do valor. “Independentemente se a alíquota é fixa ou progressiva, as prefeituras não podem mais usar sua avaliação como base de cálculo”, explica o advogado.

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Mudança no cálculo

Segundo especialistas em transações imobiliárias, o problema pode ainda ser pior porque muitos municípios estão mudando a forma de calcular o IPTU, usando até drone para avaliar o tamanho das propriedades e arbitrar valores. Assim, o valor venal do imóvel pode ficar muito maior, e o IPTU também. “E as prefeituras ainda estão usando a mesma avaliação para ITBI, quando o STJ já mudou isso.”

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A confusão tem sido tamanha que a própria Justiça de São Paulo tem suspendido cobranças de ITBI feitas por prefeituras, incluindo a capital, onde os contribuintes não foram chamados para participar do processo de avaliação do imóvel.

Paguei a mais: o que eu faço?

E possível recuperar o valor cobrado a mais pela prefeitura com ingresso de ação de repetição de indébito tributário, segundo Nicoli. “Assim, é possível reverter a cobrança e receber a devolução em pouco tempo, não entrando nem em precatórios, porque o valor é considerado baixo para isso”, explica o advogado.

Mas o advogado alerta que é necessário que a pessoa pague a taxa e registre o imóvel em seu nome para garantir a propriedade do bem, lavrar a escritura em cartório de registro de imóveis e, só depois, entrar com ação na Justiça para revisar o valor pago.  “Registre primeiro, porque só é dono quem registra”. O advogado cita o caso de um cliente que comprou apartamento de R$ 2,6 milhões, e a prefeitura avaliava o imóvel em R$ 3,1 milhões. O ITBI foi feito em cima dos R$ 3,1 milhões, e o município cobra 2% do valor. “Isso dá muita diferença, porque 2% de R$ 2,6 milhões é R$ 52 mil; porém o cliente pagou 2% de R$ 3,1, o que representa R$ 10 mil a mais”, afirma.

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Segundo o advogado José Luís Ribeiro Brazuna, fundador do Bratax (Brazuna, Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados), com a decisão do STJ como tema repetitivo, o que vale é o valor do negócio. “Mas essa decisão ainda causa confusão, em especial, no Tribunal de Justiça de São Paulo, onde há vários casos”.

Veja o valor da alíquota do ITBI em algumas capitais brasileiras:

Salvador: 5%

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Fortaleza: 4%

São Paulo: 3%;
Rio de Janeiro: 3%;
Belo Horizonte: 3%;
Porto Alegre: 3%;
Recife: 3%
Natal: 3%
Curitiba: 2,7%;
Florianópolis: 2%
Brasília: 2%
Manaus: 2%
Belém: 2%

Como decidiu o STJ?

Para o advogado, professor e consultor tributário, Caio Bartine, a questão do ITBI talvez tenha sido uma das principais discussões de tributações municipais que chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que acabou defendendo três teses.

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A primeira apontava que a base de cálculo a ser utilizada para o ITBI tem que ser o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, ou seja, sem qualquer vinculação à base de cálculo que é utilizada pelo IPTU. A segunda tese foi a respeito do valor de transação que é declarado pelo contribuinte, porque uma vez que o contribuinte transaciona um determinado bem imóvel e declara o valor da transação, isso tem presunção de veracidade e de validade, desde que o valor seja condizente com o valor de mercado. A última tese, e mais  significativa ao contribuinte, é o fato de que o município não pode arbitrar de maneira prévia a base de cálculo do ITBI, levando em consideração o chamado valor de referência. Porque, em regra, esse valor de referência acaba sendo muito superior ao próprio valor de mercado e, muitas vezes, ao próprio valor venal, que são as duas coisas que acabam sendo utilizadas nesse sentido pelo próprio município.

De acordo com Ranieri Genari, advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, é importante ressaltar que, embora o Tema 1113 tenha efeito repetitivo, ainda não transitou em julgado, ou seja, a decisão não possui caráter definitivo.” Apesar disso, como não há indícios de que ela sofrerá modificações, os contribuintes que foram prejudicados podem ingressar com a Ação de Repetição do Indébito, a fim de garantir seu direito à restituição do valor pago a maior”.

Reforma tributária

Segundo o advogado Morvan Meirelles Costa Junior, sócio fundador do Meirelles Costa Advogados, as discussões em torno do ITBI ganharam espaço na Reforma Tributária apresentada pelo governo federal.  

Recentemente, o governo fez uma mudança na regra de incidência do ITBI no projeto de lei complementar da reforma, já enviado ao Congresso. A pedido dos prefeitos, o Ministério da Fazenda antecipou o momento da cobrança do ITBI, que hoje ocorre na efetiva transferência da propriedade.

Pelo Código Civil, isso só ocorre após o registro no cartório de imóveis, com a alteração na matrícula do bem. A mudança gerou crítica de tributaristas e vai na contramão de decisões judiciais.

A minuta do projeto, que saiu da Fazenda e foi encaminhada à Casa Civil, abria a possibilidade de as prefeituras realizarem essa cobrança em dois momentos anteriores à transferência: na assinatura da escritura, que é um contrato público de compra e venda — o qual é feito na presença de um tabelião — ou na cessão dos direitos de aquisição do imóvel — que ocorre, por exemplo, quando uma pessoa vende o direito à compra de um imóvel que ainda está sendo construído.

Essa segunda hipótese, bastante criticada pelos tributaristas, foi retirada do texto antes do envio aos parlamentares. Ainda assim, a avaliação dos advogados é de que o projeto segue com alto risco de judicialização, uma vez que iria na contramão do que diz o Código Civil e do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo STJ.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro