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SÃO PAULO – A disparada do IGP-M, o agravamento da pandemia e os problemas econômicos a ela associados levaram as discussões sobre os reajustes dos contratos de aluguel para o Congresso Nacional. Novos projetos de lei vêm sendo apresentados pelos parlamentares – e gerando polêmica entre proprietários e inquilinos.
Um deles (PL 34/2021) obriga a renegociação extrajudicial de aluguéis atrasados caso a situação seja causada pelas medidas de combate ao coronavírus. Outro (PL 838/21) suspende os reajustes nos contratos até três meses depois de superada a pandemia – e um terceiro mantém a suspensão até dezembro de 2022. Há também um projeto (PL 5327/20) que determina ao proprietário a criação de um fundo garantidor em benefício do fiador do contrato, para o caso de inadimplência do inquilino.
Entre todas elas, a proposta que vem ganhando maior atenção determina que o reajuste dos contratos de aluguel – residencial e comercial – não poderá superar a inflação oficial do país, medida atualmente pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE. Para que um indicador superior seja aplicado, o PL 1026/21 prevê que seria necessário o inquilino concordar.
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Há duas semanas, a Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência para esse projeto, o que significa que a qualquer momento ele poderá ser pautado para votação no plenário. E diante dessa possibilidade, os ânimos logo se exaltaram.
Mas por que o IPCA?
Tradicionalmente, os contratos de aluguel são reajustados pelo IGP-M – ou Índice Geral de Preços Mercado – calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas ao contrário do que muita gente pensa, isso não está previsto em nenhuma lei ou regulamento.
Na verdade, a legislação brasileira diz apenas o que não deve ser usado como parâmetro nos contratos. Segundo a Lei do Inquilinato, de 1991, proprietário e inquilino são livres para definir o indicador, desde que o reajuste não seja vinculado à variação do salário mínimo, do câmbio ou de moeda estrangeira.
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“Defendemos ainda a livre negociação entre locador e locatário”, diz a justificativa do projeto de lei, de autoria do deputado Vinícius Carvalho, “porém essa livre negociação deve se dar em termos reais, pois sabemos que o locatário dificilmente terá poder de rejeitar o índice proposto”. No texto, ele defende que o IPCA reflete “o real custo de vida”.
Pela metodologia de cálculo do IGP-M, cerca de 60% dos preços que compõem o indicador são os praticados no atacado e 10%, os da construção civil. Apenas 30% refletem os preços ao consumidor. Por isso, variáveis como a cotação do dólar e o preço das commodities pesam muito sobre o seu resultado final. Conclusão: nos 12 meses encerrados em março, o IGP-M acumulou alta de mais de 31%.
O IPCA, por sua vez, foi desenhado exatamente para refletir a variação dos preços da cesta de consumo média das famílias brasileiras. Eles também podem sofrer com a alta do dólar? Sim, é claro. Afinal, muitos produtos de uso cotidiano também têm componentes importados. O impacto, no entanto, costuma ser muito menor.
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Segundo André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV, no início da série histórica do IGP-M o indicador caminhava no mesmo ritmo do IPCA, o que durou até 1995. “O mercado usava muito o IGP-M pela sua fé pública e por ser calculado por uma instituição idônea que não o governo”, explica.
O indicador foi indexador de títulos públicos do governo federal, serviu de deflator para a série do PIB (Produto Interno Bruto) – e acabou se disseminando entre os contratos de aluguel, até por sofrer também influência dos preços da construção civil. “Mas isso nunca foi uma orientação da FGV. O aluguel é um item bastante específico, cujos preços não estão expostos ao câmbio, por exemplo”, diz Braz.
Como os aluguéis se comportaram no último ano?
A disparada do IGP-M no último ano ganhou contornos mais dramáticos por causa do contexto econômico no país. O impacto da pandemia para uma parcela da população foi a perda de renda, que tornou ainda mais difícil suportar os reajustes acima de 20% que o IGP-M impôs a partir do segundo semestre de 2020.
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Mas na prática, segundo os especialistas, os indícios são de que o indicador não tenha sido aplicado integralmente em muitos casos. É o que se observa, por exemplo, na variação dos preços especificamente de aluguéis dentro do IPCA. Nos últimos 12 meses, até março, enquanto o índice geral aponta para uma inflação de 6,10%, os preços dessa categoria avançaram 3,06%.
É uma pequena fração do IGP-M no mesmo período. “Se esse indicador estivesse sendo praticado, não haveria tamanha diferença, de 3% para mais de 30%”, diz Braz.
Outros indicadores mostram um movimento semelhante. O Índice Fipezap de Locação Residencial, por exemplo, registrou um avanço de 1,05% nos preços dos aluguéis em 12 meses. Mês após mês, o número se descola cada vez mais do IGP-M, atingindo uma distância nunca vista na série história.
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“O aluguel tem uma oferta extremamente pulverizada. Em muitos lugares, quem aluga hoje paga mais barato do que alguns anos atrás”, diz Danilo Igliori, economista do DataZap.
Um detalhe: enquanto os preços dos aluguéis apurados no IPCA se baseiam nos contratos ativos, incluindo os que já existiam e estão sendo reajustados, o Índice FipeZap parte dos anúncios de imóveis colocados para alugar – ou seja, ele usa os preços anunciados como referência.
Já o Índice QuintoAndar de Aluguel considera os preços dos novos contratos fechados por meio da imobiliária digital QuintoAndar – e nos últimos 12 meses até março, o indicador registrou queda de 6,16% nos valores praticados na cidade de São Paulo e de 1,46% nos do Rio de Janeiro.
“Tudo indica que o mercado de aluguéis está funcionando e que impor um novo indicador é mexer em time que está ganhando”, diz Jaques Bushatsky, coordenador da Comissão de Locação do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim).
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É preciso limitar o reajuste por lei?
Os diversos indicadores de preços de aluguel sugerem que proprietários e inquilinos, em muitos casos, foram capazes de negociar para evitar reajustes excessivos de um lado – e a chance de ficar com o imóvel desocupado do outro.
A imobiliária e administradora Lello, de São Paulo, por exemplo, calcula que apenas 8% dos seus contratos reajustados em março efetivamente aplicaram o IGP-M. Em 29% dos casos os proprietários optaram por utilizar o IPCA e em 25% foram negociados outros valores. E mais: em 38% dos contratos, simplesmente não houve reajuste.
Desde janeiro, a Lello adota o IPCA como padrão de reajuste nos novos contratos de aluguéis residenciais e comerciais, seguindo um movimento iniciado pela QuintoAndar em novembro. De lá para cá, somando as novas locações e as que que tiveram aniversário no período, mais de 35% de toda a base de contratos da plataforma já têm o IPCA como referência.
Tanto uma imobiliária quanto a outra criaram, no ano passado, mecanismos para facilitar a negociação entre inquilinos e proprietários. “Independentemente do índice de referência para os reajustes, a negociação é livre e incentivada, no momento em que os interessados quiserem”, diz José Osse, diretor de comunicação da QuintoAndar. “Em geral, os proprietários perceberam que o reajuste pelo IGP-M seria insustentável e preferiram mudar o indicador a correr o risco de perder o inquilino e arcar com os custos do imóvel por pelo menos dois meses”.
Por isso, muitos especialistas consideram que não faz sentido estabelecer um limite para os reajustes dos contratos de aluguel. “Num momento como esse, em que temos a atividade econômica muito retraída, há espaço para grandes negociações. A oferta de imóveis para alugar é grande e o que tem prevalecido é o acordo”, diz Braz, da FGV. “Um indexador não seria bem-vindo”.
Não significa que os especialistas concordem em tudo. José Roberto Graiche Júnior, presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios (AABIC), também é contrário a limitar o reajuste a um índice específico. Mas também discorda da alteração, mesmo voluntária, do IGP-M pelo IPCA como um padrão. “Fora o descompasso deste ano, o IGP-M reflete a realidade da inflação nas nossas vidas”.
Se a palavra de ordem é negociar, fica a dica para os inquilinos de proprietários resistentes: vale a pena expor a situação, apresentar os dados e argumentar por um reajuste menor. “Nos casos em que há onerosidade excessiva, com distorções evidentes, o inquilino tem a possibilidade de seguir com uma ação na Justiça”, diz Bushatsky, do Ibradim. “Ou pode ainda rescindir o contrato e mudar para o imóvel vizinho, já que a oferta, no momento, é ampla”.
O que acontece quando os aluguéis são regulados?
Na prática, o que uma limitação do reajuste dos aluguéis como a proposta que tramita na Câmara significaria para inquilinos, proprietários e o mercado imobiliário?
De modo geral, os especialistas enxergam um potencial desestímulo ao segmento. “O poder público deve interferir nos mercados quando há falhas específicas, como a existência de uma grande concentração da oferta em poucos agentes, por exemplo”, diz Igliori, do DataZap, ressaltando que, no Brasil, esse não é o caso do mercado de aluguéis.
“Quem coloca um imóvel para alugar pode estar em uma situação melhor que a do inquilino, mas também, via de regra, precisa dessa renda. Entendo a motivação de estabelecer o IPCA como referência, mas me parece errada a ideia de simplesmente travar o reajuste por qualquer índice que seja”, avalia.
Para Braz, da FGV, o setor possui instrumentos de negociação e manter em aberto o índice de reajuste é o que asseguraria a flexibilidade do mercado. “Indexar nunca é bom, e no momento não há um índice que permita um olhar equilibrado para o lado do inquilino e para o lado do proprietário”, diz. “Diante da economia parada e do desemprego aumentando, nem caberia reajuste nenhum.”
A experiência do mercado imobiliário, segundo Bushatsky, do Ibradim, indica que regular o reajuste de preços poderia ter pelo menos duas consequências. De um lado, proprietários que não tenham no aluguel sua principal fonte de renda poderiam se sentir desestimulados a continuar apostando no segmento. De outro, os preços iniciais de locação tenderiam a aumentar, para compensar a restrição aos reajustes durante a vigência dos contratos.
A experiência recente de Berlim, na Alemanha, dá indícios a esse respeito. Em fevereiro de 2020, passou a vigorar uma lei na cidade que estabelecia um teto para os aluguéis de imóveis construídos antes de 2014.
Os valores foram congelados por dois anos nos mesmos patamares de junho de 2019. Poderiam voltar a ser reajustados apenas em 2022, mas a uma taxa máxima de 1,3% ao ano. Além disso, desde novembro de 2020, aluguéis que estivesses 20% acima de um limite fixado para residências precisaram ser reduzidos.
Os efeitos, segundo noticiou a agência Deutsche Welle, não foram bons. Proprietários retiraram seus imóveis do mercado, reduzindo a oferta na cidade em mais de 50% em poucos meses, na expectativa de de que a norma fosse derrubada – o que de fato aconteceu na última quinta-feira (15). O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha anulou a lei por considerá-la inconstitucional.
Há distinções entre o mercado alemão e o brasileiro, é claro. Leis, regras e costumes são diferentes. No caso de Berlim, especificamente, Bushatsky menciona a maior celeridade nas ações de despejo por inadimplência e o crescimento dos aluguéis de curta temporada por plataformas como o Airbnb, que impulsionaram os preços em geral para cima nos últimos anos. Ainda assim, a experiência alerta para pontos de discussão.
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