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Tony Blair: “Estou mais otimista com a economia brasileira do que com a economia global”

Para ex-premiê, produção de commodities necessárias à transição energética beneficia país

Raquel Balarin

O ex-premiê Tony Blair
O ex-premiê Tony Blair

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O ex-primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, esteve na semana passada pela segunda vez no Brasil em menos de um mês. Depois de participar de uma conferência sobre a Amazônia, em Belém do Pará, no fim de agosto, o ex-premiê passou em 25 de setembro pela Fides Rio 2023, evento internacional de seguros promovido pela CNSeg, e, no dia seguinte, fez uma visita ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Brasília.

No Rio, bem-humorado, lamentou pela decisão “equivocada” de ficar apenas um dia na cidade e, em entrevista exclusiva ao InfoMoney, explicou por que a liderança americana no Ocidente, na nova conformação mundial, é mais complexa, disse que está mais otimista com a recuperação econômica do Brasil do que com a economia mundial e defendeu que a revolução tecnológica que vivemos hoje prescinde de um acordo mundial a exemplo do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares.

Na sequência da entrevista, ao falar para uma plateia de executivos da área de seguros, procurou reforçar a importância da política – e de políticas públicas definidas a partir de análises profundas – para a tomada de decisões importantes sobre temas difíceis que países em todo o mundo enfrentam.

“Quando eu ganhei [Blair foi primeiro-ministro do Reino Unido entre 1997 e 2007], estava em Downing Street e tinha convicção de que eu era a pessoa mais poderosa do país. E de certa maneira eu era. Achava que se eu tomasse uma decisão, algo aconteceria porque eu era poderoso. Mas aí eu percebi que eu tomava uma decisão e nada acontecia. Porque o sistema absorvia a decisão e seguia fazendo tudo como sempre fez. Não é sobre tomar decisão. É sobre implementá-las: é sobre como gerenciar performance, colocar as pessoas certas e com habilidades certas, torná-las responsáveis”, disse.

A seguir, a íntegra da entrevista exclusiva do ex-premiê, que hoje trabalha com diversos governos por meio do seu “Instituto Tony Blair para Mudança Global”:

InfoMoney: O Brasil assumirá a presidência do G20 no próximo ano e há preocupações de que as crescentes tensões geopolíticas possam frear o avanço das agendas climática e ambiental. O senhor acredita que será possível avançar nessa agenda, mesmo com tensões envolvendo grandes detentores de reservas, como a Rússia, e grandes consumidores e poluidores, como a China, que têm mostrado alinhamento no xadrez geopolítico? E qual papel o presidente Lula pode desempenhar nesse cenário?

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Tony Blair: O Brasil tem um papel realmente importante a desempenhar e o presidente Lula, em particular, porque ele tem credibilidade na questão do meio ambiente e do clima. Mas precisamos conciliar o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente. Não podemos dizer ao mundo em desenvolvimento para não se desenvolver. A questão é: como eles podem se desenvolver de forma sustentável?

Isso se resume a dois pontos, essencialmente. Em primeiro lugar, como financiamos a transição energética nos países em desenvolvimento? Porque a grande mudança que está ocorrendo é que o mundo desenvolvido tem reduzido suas emissões substancialmente. Mas o mundo em desenvolvimento, à medida que se desenvolve, aumenta suas emissões. Por isso, o nível geral não mudou, embora haja mudanças na composição [dos emissores].

Meu instituto trabalha em muitos países do mundo. Estive no Vietnã recentemente. Eles precisam aumentar a produção de energia em 10% ao ano. Se não fizerem isso de forma sustentável, aumentarão as emissões [de carbono]. Como financiar isso? A Índia tem enormes reservas de carvão, assim como a Indonésia, e esses são os países que farão a diferença para o futuro. Portanto, precisamos encontrar maneiras de financiar essa transição energética.

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Em segundo lugar, precisamos inventar tecnologias que nos permitam melhorar a forma como desenvolvemos e regulamos a demanda por energia ou como as redes operam, captura de carbono, armazenamento hidrogênio…É sobre finanças e tecnologia, porque essa é a única maneira de permitir que os países se desenvolvam ao mesmo tempo em que protegem o meio ambiente. E nesse sentido, a propósito, América e China têm interesses comuns. Portanto, não há solução para as mudanças climáticas sem o envolvimento da China.

InfoMoney: O senhor acha que os países desenvolvidos têm que financiar os países em desenvolvimento?
Blair: Sim, com certeza. Sim, eles terão que fazer isso. Mas aqui está o problema: o dinheiro virá essencialmente do setor privado. O dinheiro do setor público será por meio de “concessional finance” [financiamentos de bancos de desenvolvimento e organismos multilaterais] e isso pode ajudar a atrair dinheiro do setor privado. Mas o grande dinheiro, os trilhões de dólares, estão realmente com os fundos de pensão, os fundos soberanos. E eles estão cuidando do dinheiro de outras pessoas e precisam de um projeto de investimento adequado. Você não pode simplesmente dizer a eles que dêem o dinheiro. Esses fundos querem investir. Mas parte do problema é – e sabemos disso pelo trabalho que fazemos em nosso instituto – que os países frequentemente não têm esses projetos formatados de forma financeiramente viável. É por isso que acho que o trabalho prático sobre as mudanças climáticas ainda precisa ser feito. E o Brasil, obviamente, pode desempenhar um grande papel nisso.

InfoMoney: Há 20 anos, o então presidente da Ucrânia escreveu a você dizendo que fortalecer a democracia e a economia do país seria uma barreira contra qualquer ressurgimento do imperialismo russo em direção ao Ocidente. O Ocidente parece ter sido enganado por Vladimir Putin. A guerra na Ucrânia foi uma surpresa para você? E o que o Ocidente pode fazer para responder à aliança desses países totalitários?

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Blair: A pergunta sempre com Putin é: ele sempre foi assim ou ele se tornou assim? Minha visão é que a pessoa que eu conhecia e com quem lidei no governo era, de muitas maneiras, brutal e implacável, mas não estúpida. Mas a invasão da Ucrânia, que é a tentativa de remover um presidente democraticamente eleito… A democracia da Ucrânia tem sido uma proteção e essa é razão pela qual as pessoas querem vir e apoiar [o país]. Mas a ideia de Putin de que ele poderia remover um presidente democraticamente eleito de um país como a Ucrânia, com um forte senso de independência… Foi uma loucura pensar que isso poderia ser feito. É importante que as pessoas vejam a situação do ponto de vista da Europa Oriental, que está determinada a que a guerra termine de forma que nem Putin nem nenhum outro líder russo tente fazer isso novamente. Você sempre pode voltar e dizer “Os sinais estavam lá?”, mas a maioria das pessoas que conhecia Putin há 10 ou 15 anos não achava que ele faria isso.

InfoMoney: O senhor conversou com ele depois do início da guerra?
Blair: Não.

InfoMoney: A era pós-pandemia e a guerra na Ucrânia levaram o mundo a enfrentar uma inflação generalizada. Bancos centrais reagiram elevando as taxas de juros. Mas alguns países, como os Estados Unidos, ainda mostram sinais de atividade econômica resiliente. A Europa parece estar emergindo de uma recessão, mas o Reino Unido e a Zona do Euro continuam com taxas anuais de inflação acima de 6%. O senhor acredita que teremos que conviver com taxas de inflação mais altas do que no passado e que há hoje uma maior resistência à desaceleração econômica desencadeada por um aperto monetário?

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Blair: É uma boa pergunta e não é fácil saber a resposta. Acredito que as causas imediatas da inflação são bastante claras, como você disse: o pós-Covid, a guerra na Ucrânia e também um recuo na globalização. Sei que algumas pessoas não gostaram e outras ainda não gostam, mas o fato é que a globalização abriu a economia mundial de uma maneira que nos deu acesso a produtos baratos, especialmente os fabricados na China. O problema é que, após a crise financeira [de 2008], o foco passou para a política monetária e tivemos taxas de juros muito baixas. Agora, as taxas de juros estão voltando a algo mais convencional. E não tenho certeza de que isso vá mudar. Acredito que os próximos dois anos serão muito difíceis para a economia global. Será estranhamente menos difícil para o Brasil porque o Brasil está em uma posição em que suas commodities terão uma alta demanda, commodities necessárias para a transição verde – cobre, níquel, lítio, cobalto. Então, eu seria mais otimista em relação à economia brasileira do que à economia mundial.

InfoMoney: Quando mencionei que a Europa está emergindo de uma recessão, o senhor pareceu não concordar…
Blair: Ainda acho que há muitas reformas a serem feitas na Europa. O interessante é que as economias da Europa Oriental estão se saindo muito bem. Se você pegar uma economia como a Polônia, na verdade, a evolução tem sido notável. Quando Polônia e Ucrânia deixaram o bloco soviético, no início dos anos 1990, tinham aproximadamente o mesmo padrão de vida, e hoje a Polônia tem o dobro da renda per capita da Ucrânia, mesmo considerando os dados antes do conflito. As economias da Europa Oriental [dentro do bloco da União Europeia] estão se saindo muito bem, mas as economias da Europa Ocidental ainda estão emergindo e suas taxas de crescimento ainda são bastante baixas.

InfoMoney: O senhor se opôs ao Brexit. Desde que saiu da União Europeia, o Reino Unido se enfraqueceu, não apenas economicamente, mas também politicamente. Com esse cenário, como o Reino Unido pode recuperar força nas negociações com grandes atores da geopolítica global, como os Estados Unidos e a China?

Blair: É um grande desafio para nós, porque rompemos nossas relações comerciais com nosso principal parceiro comercial, que era a Europa – metade do nosso comércio era com a Europa, nossos vizinhos mais próximos. Portanto, economicamente, isso é um problema. Teremos que encontrar uma maneira de garantir que tenhamos o máximo de acesso aos mercados europeus que pudermos. Isso será difícil porque, uma vez que você sai do mercado único da Europa e da união aduaneira, suas relações comerciais obviamente se tornam completamente diferentes. Mas a perda de força política ocorre porque o mundo está mudando hoje… Basicamente, você terá os Estados Unidos e a China e possivelmente a Índia como os três grandes países dominantes. E todo mundo terá que se unir em blocos regionais para ter o poder coletivo que não tem individualmente. Porque até mesmo um país como o Brasil, com uma grande população, ainda ficará muito atrás dos Estados Unidos e da China. Portanto, para o Reino Unido, sair da maior união política do mundo, que está em nosso próprio continente, é um problema. Teremos que encontrar blocos de cooperação com a Europa em algumas áreas, como defesa, energia e clima, talvez ciência e tecnologia. Mas é um desafio. Sinto dizer que o resultado era previsível e tinha sido alertado.

InfoMoney: O senhor mencionou os Estados Unidos e a China e possivelmente a Índia como os três grandes países dominantes. Mas o senhor acredita que nos falta um líder no bloco ocidental?
Blair: Temos um líder, que são os Estados Unidos, e eles continuam liderando. Mas é um mundo diferente. E se você pegar um país como o Brasil – mas na verdade isso vale para qualquer lugar no mundo em desenvolvimento –, o Brasil não quer escolher entre os Estados Unidos e a China. A Índia também não quer escolher entre os dois, embora esteja mais próxima dos Estados Unidos por questões tradicionais. Os Estados Unidos e os europeus permanecerão junto aos seus principais aliados, como japoneses e australianos. Mas o ponto é que alianças em outros lugares do mundo terão que ser buscadas e não será como há 25, 30 ou 40 anos, quando os Estados Unidos diziam simplesmente às pessoas o que fazer e elas faziam. É um mundo diferente agora e você terá que mostrar e demonstrar pelo seu exemplo por que é importante ser um aliado. A propósito, acredito que isso é possível porque, no final das contas, o sistema chinês tem muitos problemas. Eu realmente acredito que esse bloco do BRICS + não irá rivalizar com os Estados Unidos, mas tudo isso mostra que o mundo hoje é multipolar. Não é dar o comando e todos obedecerem. Não será assim – o que é bom, na verdade, é como deveria ser.

InfoMoney: O senhor chamou a atenção para a revolução que é a inteligência artificial generativa. O setor privado abraçou rapidamente essa nova tecnologia. Como o senhor acredita que os governos podem fazer uso da IA? Há maturidade para isso?

Blair: Na minha opinião, a revolução tecnológica – e, em particular, a inteligência artificial generativa – é o grande evento do mundo real. Deixando de lado toda a geopolítica, o que vai mudar o mundo é a tecnologia, e em particular, a IA generativa e sua própria revolução. Um grande volume de inovação se aglutinou no que eu chamo de ciclo reforçado de revolução permanente – a capacidade de criar mais dados do que nunca. Os dados alimentam os grandes modelos de linguagem, que, por sua vez, alimentam a IA generativa. E quanto mais você faz isso, melhor fica. No momento, a IA generativa é como alguém com um QI médio, mas com 300.000 anos de experiência. Em outras palavras, você tem toda a experiência humana, mas com uma inteligência média operando com ela. As próximas iterações da IA, entretanto, serão como alguém com um QI de 150 ou 200, o que significa que isso vai revolucionar tudo e deveria revolucionar o governo. Estou trabalhando agora no meu instituto em reimaginar um estado do século 21, com muitos dos processos automatizados. Alguns países já estão fazendo isso. Têm uma identidade digital que permite que você interaja com os governos, faça todas as suas transações. Há governos usando IA para automatizar o sistema de planejamento, pelo menos para coisas simples. A Estônia, que é provavelmente o país mais avançado da Europa em IA, agora usa a inteligência artificial para resolver pequenas reclamações no tribunal. Isso vai mudar tudo. No futuro, se você for me fazer um conjunto de perguntas, provavelmente perguntará ao ChatGPT: dado todas as coisas que ele [Tony Blair] disse nos últimos seis meses … Talvez você já tenha feito isso.

InfoMoney: Fiz minha pesquisa e eu mesma preparei todas as perguntas, mas tenho que admitir que usei o chatGPT para me ajudar a traduzi-las [para o inglês].

Blair: Isso vai mudar tudo. Vai mudar a indústria de seguros de maneira bastante dramática. Acho que o maior risco para empresas ou países é ficar para trás.

InfoMoney: Mas é também assustador.
Blair: Sim. As pessoas me perguntam: é bom ou ruim? Eu digo que é bom e ruim. Porque é uma tecnologia de propósito geral e, portanto, você pode usá-la para o bem ou para o mal. Coisas como ataques cibernéticos vão se tornar muito mais eficazes. Você será capaz de criar armas biológicas… Será preciso ter algum tipo de acordo internacional em torno disso porque suas implicações são enormes. Você pode interferir em eleições… E o problema para os políticos é que eles têm dificuldade em entender isso porque é tudo muito novo.

InfoMoney: Ter essa nova tecnologia ao mesmo tempo em que o mundo enfrenta crescentes questões geopolíticas é assustador…

Blair: Sim, com certeza. Será possível descobrir absolutamente tudo sobre o cidadão, conhecer todos os seus segredos, tudo. Se você olhar para os chineses, por exemplo, eles são um estado de vigilância, de certa forma. É por isso que, no final das contas, será preciso regulamentar [o uso de IA]. Mesmo em sociedades totalitárias, as pessoas começarão a pressionar bastante nesse sentido.

InfoMoney: Vamos precisar de um acordo geral…
Blair: Sim, é um pouco como o acordo de não-proliferação nuclear. Você precisará estabelecer regras em torno disso [IA]. Caso contrário, será um pesadelo total.