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O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quinta-feira (20) a definição sobre a taxa de correção monetária do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que tem potencial de ganhos significativos para os trabalhadores com carteira assinada (e um possível impacto bilionário para o governo federal).
Os ministros podem determinar que os valores nas contas do FGTS deveriam ter sido corrigidos sempre pela inflação, não pela Taxa Referencial (TR) — como ocorre desde o início dos anos 1990. A ação foi proposta pelo partido Solidariedade e tramita no Supremo desde 2014.
O voto do relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, foi por mudar o rendimento do fundo, para que o rendimento seja pelo menos igual ao da Poupança. Enquanto o FGTS rende atualmente 3% ao ano + TR, a Poupança rende 0,5% ao mês + TR (6,17% ao ano).
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O ministro André Mendonça foi o segundo a votar, disse que a “TR para fins de correção monetária é inconstitucional” e seguiu o entendimento de Barroso. O julgamento foi suspenso após o seu voto e voltará a ser debatido no plenário do Supremo na próxima quinta-feira (27).
As perdas dos trabalhadores com a correção pela TR no lugar do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) chegam a R$ 720 bilhões, apenas no período entre 1999 e março de 2023, segundo cálculos do Instituto Fundo de Garantia (IFGT). Já a Advocacia-Geral da União (AGU) calcula impacto de ao menos R$ 661 bilhões aos cofres da União.
O IFGT foi criado para evitar perdas no FGTS de seus associados e tem uma calculadora em que é possível saber qual seria a diferença no saldo do seu fundo de garantia em caso de correção pela inflação (hoje, o saldo depositado rende 3% ao ano + TR).
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O julgamento tem grande relevância tanto para os trabalhadores quanto para o próprio Judiciário, que foi inundado com centenas de milhares de ações individuais e coletivas nos últimos 10 anos que reivindicam a correção do saldo do FGTS por algum índice inflacionário.
Assim como o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), o INPC é um dos índices oficiais de inflação do país. Ele é usado para corrigir o salário mínimo e benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo.
O julgamento também interessa ao governo federal. Análise do Bradesco BBI aponta que, “no pior cenário”, “se o Supremo Tribunal Federal decidir adicionar índices de inflação integralmente à remuneração do FGTS, muito provavelmente destruirá o fundo de garantia” e “muito provavelmente levaria à extinção do programa Minha Casa, Minha Vida” (veja mais abaixo).
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Ações suspensas
O andamento de todos os processos está suspenso desde 2019, por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, relator do assunto no Supremo. Ele tomou a decisão após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir, em 2018, unificar o entendimento e manter a TR como índice de correção do FGTS.
A decisão desfavorável aos trabalhadores do STJ criou o risco de que ações fossem indeferidas em massa por instâncias inferiores, antes de o Supremo se debruçar sobre o tema, por isso Barosso determinou a suspensão nacional de todos os processos, até decisão definitiva do plenário do STF.
Esta é a quarta vez que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) entra na pauta de julgamentos do plenário do Supremo. Nas ocasiões anteriores (2019, 2020 e 2021) houve corrida para a abertura de ações individuais e coletivas, na expectativa de se beneficiar de uma possível decisão favorável aos trabalhadores.
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Jurisprudência favorece trabalhadores
A expectativa da comunidade jurídica é que o Supremo decida que a aplicação da TR para a correção do saldo do FGTS é inconstitucional, estabelecendo algum outro índice inflacionário como taxa de correção (o INPC ou até o IPCA).
“O Supremo já decidiu pela inconstitucionalidade da TR como taxa de correção monetária de depósitos trabalhistas e também de dívidas judiciais. Portanto, há esses precedentes que levam a crer em uma decisão similar sobre o FGTS”, afirmou o advogado Franco Brugioni à Agência Brasil.
Em 2020, o Supremo considerou inconstitucional aplicar a TR para correção monetária de débitos trabalhistas. O entendimento foi de que a forma de cálculo da TR, que é definida pelo Banco Central, leva em consideração uma lógica de juros remuneratórios e não tem como foco a preservação do poder de compra (que é objetivo central da correção monetária).
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A maior reclamação dos trabalhadores com carteira assinada é que a TR costuma ficar sempre abaixo da inflação — o que, na prática, corrói o poder de compra do saldo do FGTS. Além disso, a TR ficou zerada por longos períodos, em especial entre os anos de 1999 e 2013, devido à sua forma de cálculo. A taxa também voltou a ficar zerada em 2017 e 2019.
“A TR não é um índice capaz de espelhar a inflação. Logo, permitir a sua utilização para fins de atualização monetária equipara-se a violar o direito de propriedade dos titulares das contas vinculadas do FGTS”, argumenta o Solidariedade, partido autor da ação no Supremo.
Quem tem direito?
Brugioni diz que, em tese, se o Supremo decidir pela aplicação de algum índice inflacionário, todos os cidadãos que tiveram carteira assinada de 1999 em diante teriam direito à revisão do saldo do FGTS. Mas o advogado diz que o mais provável é que haja alguma modulação para amenizar o imenso impacto sobre os cofres da Uniã.
“É possível que o Supremo vá modular a questão, de forma a não permitir novas ações daqui para a frente. Talvez nem abarque quem entrou agora, talvez coloque uma linha temporal. O contrário também é possível”, disse Brugioni.
A Defensoria Pública da União (DPU) entrou como interessada na ação, devido ao grande volume de trabalhadores de baixa renda que procuram atendimento em busca da revisão do FGTS, e chegou a soltar nota pública orientando os interessados a aguardar a análise pelo Supremo antes de acionar o Judiciário.
A DPU diz que moveu em 2014 Ação Civil Pública (ACP) sobre o assunto na Justiça Federal do Rio Grande do Sul — e que o processo já teve o âmbito nacional reconhecido.
Em caso de desfecho favorável no Supremo (e na Justiça Federal), a Defensoria diz em nota que “deve ser publicado um edital a fim de comunicar os interessados para que proponham ações individuais com o objetivo de executar a decisão favorável”.
Impacto nas contas públicas
Apesar de uma possível decisão favorável aos trabalhadores, análise do Bradesco BBI aponta um risco para as contas públicas e diz que, “no pior cenário, uma mudança na regra pode ser política e financeiramente prejudicial”.
“O FGTS detém atualmente R$ 642 bilhões em ativos, e as notícias mencionam uma perda potencial de R$ 700 bilhões. Simplificando: se o Supremo Tribunal Federal decidir adicionar índices de inflação integralmente à remuneração do FGTS, muito provavelmente destruirá o fundo de garantia”, aponta o Bradesco BBI.
A casa diz que uma decisão irrestrita do STF exigiria um aporte de capital do governo no fundo “e muito provavelmente levaria à extinção do programa Minha Casa, Minha Vida (ou qualquer outro programa financiado com taxas subsidiadas do FGTS)”, por isso julga que o pior cenário é “improvável”.
Sobre o FGTS
O FGTS foi criado em 1966 como uma espécie de poupança do trabalhador com carteira assinada. Antes facultativa, a adesão ao fundo se tornou obrigatória a partir da Constituição de 1988. Pela regras atuais, todos os empregadores são obrigados a depositar 8% do salário de seus funcionários no fundo (de empregados urbanos, rurais e, desde 2015, também de domésticos).
O dinheiro do trabalhador fica vinculado a uma conta gerida pela Caixa Econômica Federal e só pode ser sacado em condições previstas em lei (uma das principais é a demissão sem justa causa). O fundo também serve para financiar políticas públicas, sobretudo, o Sistema Financeiro Habitacional (SFH).
(Com informações da Agência Brasil)
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