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Seguro para alagamento nas empresas vai encarecer depois da enchente no RS?

Especialistas explicam o que pode mudar nos modelos de contratação das proteções

Jamille Niero

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Além de significativos, os impactos financeiros das enchentes que deixaram o Rio Grande do Sul debaixo d’água ainda devem continuar por um bom tempo.

Para se ter uma ideia, pesquisa da Fiergs (Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul) revelou que 81% das indústrias gaúchas foram afetadas pelas inundações do mês passado, sendo que 93% das interrupções alcançaram até 30 dias. O levantamento mostrou ainda que um terço delas (31,3%) informaram prejuízos em estoques de matérias-primas, 19,6% em máquinas e equipamentos, 19,6% em estabelecimentos físicos e 15,6% em estoques de produtos finais.

O varejo também é outro setor que amargou grandes prejuízos. Um estudo feito pelo IBEVAR – FIA Business School, calculou em cerca de R$ 3,4 bilhões a perda média diária de faturamento para as empresas varejistas do Rio Grande do Sul (RS). Em um cenário de interrupção das atividades por cerca de 15 dias consecutivos, o prejuízo poderia chegar a R$ 50,8 bilhões, diz relatório divulgado no início de junho.

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Parte dessas empresas conta com algum tipo de seguro para amenizar esse prejuízo financeiro, como demonstram os quase 5 mil pedidos de indenização em ramos como Grandes Riscos, Empresarial, Transportes, Riscos de Engenharia, Vida e outros registrados pelas seguradoras no país. Somente esses ramos somam quase R$ 2 bilhões dos R$ 3,88 bilhões totais já registrados pelas seguradoras em pedidos de indenizações relacionados à tragédia climática, segundo o mais recente balanço divulgado pela CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras).

Segurados dos ramos automóvel, agrícola, habitacional e residencial também foram afetados e devem sentir, em breve, impacto nos preços de novas contratações (ou renovações) dos seus seguros. É o caso, por exemplo, de quem busca contratar a cobertura contra alagamento no seguro residencial, uma vez que o CEP é uma variável determinante no cálculo do preço do seguro, explicam especialistas do mercado.

Segundo Silvana Speranza, diretora de Placement da corretora Marsh Brasil, existem “dois grandes modelos de contratação” de seguros empresariais. O que a maioria das empresas contrata são os chamados riscos nomeados, ou seja, são aqueles produtos que as seguradoras já têm “prontos”. Este seguro conta com uma cobertura básica (contra incêndio, raio e explosão) e a ela podem ser adicionadas as coberturas “extras”, que custam um percentual disso – é aí que pode ser contratada a cobertura contra alagamento. O problema nesse formato, diz Silvia, é que “a grande maioria das apólices têm uma cobertura de alagamento muito limitada – ou nem tem”.

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A outra modalidade é o seguro chamado de riscos operacionais. A diretora da Marsh explica que este formato costuma ter apólices (contrato de seguro) maiores, com especialistas em gerenciamento de riscos no próprio cliente, que já entendem melhor os riscos aos quais a empresa está exposta. Contratos de concessão costumam optar por essa modalidade de seguro, exemplifica Silvia, e nesse caso a cobertura para alagamento já vem no “pacote básico”.

No caso da Marsh, o superintendente de Sinistros Complexos e Consultoria em Sinistros da corretora, Daniel Capello, conta que de todos os sinistros de clientes gaúchos recebidos pela corretora, apenas 16% não tinham cobertura de alagamento. Porém, 45% de quem têm a cobertura e acionou o seguro possui limite contratado para cobrir alagamento inferior a 1 milhão de dólares. “São empresas que podem ter tido sinistros muito superiores ao limite contratado”, conta Capello.

Silvia diz ainda que as várias ocorrências catastróficas que vem acontecendo sequencialmente no Brasil nos últimos anos certamente farão as seguradoras utilizarem muito mais critério para aceitar e precificar o risco. “A subscrição vai ser diferente”, pontua a executiva, ressaltando que já encontra dificuldades para “colocação de alguns riscos” em regiões do Sul, com limitações na aceitação das seguradoras desse tipo de cobertura.

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Procurada pela reportagem, a Susep (Superintendência de Seguros Privados) avalia que “eventos severos, como o do Rio Grande do Sul, podem aumentar a procura por seguros no Brasil” e, portanto, é esperado “que as enchentes no RS tendem a ampliar a busca por proteção de bens patrimoniais como um todo, incluindo coberturas para alagamento, inundação, enchentes e chuva excessiva”.

A Susep informa também que “vem monitorando de perto a situação e, até o momento, não é possível afirmar que haverá aumento de preços, restrição de capacidade ou falta de interesse do mercado segurador na oferta de cobertura para riscos de alagamento”. Segundo o órgão, que é o responsável pela regulação e fiscalização do mercado de seguros no país, o que tende a ocorrer após eventos climáticos de grandes proporções é a reavaliação, por parte das seguradoras, de termos, condições e procedimentos para alcançar um “melhor equilíbrio das carteiras securitárias”. Nesse sentido, continua a Susep, “para aceitarem algumas propostas de seguros consideradas de alto risco, as seguradoras podem adotar e/ou exigir dos segurados medidas preventivas para diminuir a ocorrência de certos danos para evitar aumento no valor do prêmio [valor pago pelo cliente à seguradora]”.

Na avaliação de Pedro Farme, CEO no Brasil da corretora de resseguros Guy Carpenter, capacidade financeira para arcar com esse tipo de risco existe, por meio da contratação de resseguro – que é basicamente o seguro contratado pelas próprias seguradoras. Segundo ele, o mercado é capitalizado para explorar riscos catastróficos em regiões maiores que a brasileira no consumo de seguros, como EUA e Japão. “A vantagem é que são riscos que não se acumulam. Um evento climático no Rio Grande do Sul não tem nada a ver com o que acontecer em outro lugar. Mais da metade do business de resseguros é proteger evento catastrófico”, ressalta Farme.

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Nova demanda

A questão é que no Brasil nunca houve demanda das seguradoras para cobertura de catástrofes da natureza, como há em outros países citados, e agora precisará ter já que a frequência e a severidade dos eventos climáticos aumentaram.

Segundo o executivo, o setor terá de começar a se adequar às demandas de informação e gerenciamento de riscos que já são práticas de mercado adotadas onde existem esses riscos catastróficos.

Uma delas é a utilização de modelos preditivos, diz Farme, que são diferentes do mapeamento de risco. Ele conta que a Guy Carpenter está para lançar em terras brasileiras uma ferramenta com modelo preditivo da companhia já usada em outros países e que, por meio do cruzamento de vários bancos de dados, é possível avaliar o nível de “exposição catastrófica”. Ou seja, consegue calcular o “dano à carteira” da seguradora conforme a frequência e a severidade previstas para um determinado evento climático. No Brasil, a ferramenta medirá os efeitos de alagamento e vendaval juntos, indica Farme.

“Mais do que baratear, vai trazer adequação de disponibilidade e acessibilidade. Quanto mais eu tiver conhecimento do meu risco, mais terei como me proteger e vender ao preço adequado essa capacidade”, complementa o executivo.

Jamille Niero

Jornalista especializada no mercado de seguros, previdência complementar, capitalização e saúde suplementar, com passagem por mídia segmentada e comunicação corporativa