Saques da poupança forçam Caixa a reduzir financiamento imobiliário. Entenda crise

Com demanda crescendo, Caixa só vai financiar 70% do valor do imóvel pelo SAC e 50% pela Tabela Price

Anna França

Edifícios em construção no Rio de Janeiro (Foto: Pilar Olivares/Reuters)
Edifícios em construção no Rio de Janeiro (Foto: Pilar Olivares/Reuters)

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Em maio deste ano, durante a divulgação dos resultados, o presidente da Caixa, Carlos Vieira, disse claramente que o banco estava trabalhando no limite da capacidade de financiamento para a habitação. Responsável por quase 70% dos financiamentos de imóveis no país, a instituição chegou ao limite e decidiu mudar as regras do financiamento a partir de 21 de outubro, reduzindo o valor para financiamento da casa própria. Mas a medida não surpreendeu o mercado, que já esperava por isso.  

Em comunicado a agentes imobiliários que o InfoMoney teve acesso, o banco informou que, pelas novas regras, só vai financiar 70% do valor do imóvel, e não mais 80% como antes, pelo Sistema de Amortização Constante (SAC). Já pela Tabela Price, só vai financiar 50% do valor, contra os 70% anteriores. Além  disso, o comprador não pode ter financiamento ativo na Caixa. O limite de Valor de Imóvel (garantia) é de até R$ 1,5 milhão.

A mudança vai obrigar o consumidor a colocar a mão no bolso para desembolsar uma quantia maior para a entrada, subindo para 30% do valor do imóvel, ante os 20% anteriores, no caso do SAC, e até metade do valor no caso da Tabela Price.

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Segundo o coordenador do curso de negócios imobiliários da FGV, Alberto Ajzental, as constantes retiradas dos recursos da poupança pela população reduziram significativamente a participação da poupança na formação das reservas para o empréstimo e já adiantavam o que vinha pela frente. O Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), linha de crédito utilizada para financiar o setor imobiliário, já chegou a representar 70% de participação nesse tipo de financiamento, mas agora não chega a 34%, de acordo com o professor. “O saldo da poupança vem caindo ano a ano, com retiradas de R$ 80 bilhões ao ano. Com essa redução drástica do dinheiro na poupança, os bancos ficaram sem esse recurso mais barato. Por isso era inevitável essa mudança”, explica.

Para o especialista, com a mudança a Caixa deu recados claros ao mercado: “que ela tem menos recursos para emprestar e que, por isso, será mais seletiva na concessão”, explicou. Para completar o quadro, as instituições ainda têm de lidar com uma Taxa Básica de Juros, a Selic, mais alta, o que ajuda a encarecer ainda mais os recursos para serem emprestados aos consumidores. “Com menos dinheiro disponível significa que o dinheiro para emprestar ficará mais caro para quem quiser comprar sua casa”.  

O presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-SP), Pedro Afonso Gomes, acredita que os recursos para aplicação do crédito imobiliário terão de vir de outras fontes, como os grandes fundos. Mas antes será preciso ver se haverá interesse das instituições financeiras de aplicar recursos em empreendimentos de casa própria, que não são tão rentáveis. “É preciso considerar que a inadimplência nos financiamentos imobiliários é alta, o que dificulta o investimento”, afirma Gomes.

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A Caixa informou que entre 2014 e 2024 houve um crescimento de 40,6% nos valores  executados no crédito imobiliário, passando de R$ 120,6 bilhões registrados em 2014 para R$ 169,24 bilhões até o dia 23 de setembro de 2024.

Veja a evolução da execução orçamentária da Caixa:

Execução Orçamentária*
ANOTOTAL
2014120,3
201590,5
201667,65
201781,83
201880,90
201990,21
2020116,30
2021140,60
2022161,70
2023185,40
2024**169,24
* em R$ bilhões
** até 23/09/2024
Fonte: Caixa

Alta demanda

Os valores totais se referem aos recursos FGTS e SBPE, sem considerar outras fontes, segundo a Caixa. “Considerando a demanda observada e o orçamento para crédito habitacional aprovado para o ano de 2024, com crescimento da carteira estimado entre 8% e 12%, prevemos que nossa carteira irá superar o limite máximo projetado para o período”, disse em nota. 

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A carteira de crédito habitacional da Caixa já ultrapassou a marca de R$ 800 bilhões, com mais de 7 milhões de contratos ativos. O banco segue como o maior financiador da casa própria no país, com 68% do mercado.

Em 2024, o banco concedeu, até setembro, R$ 175 bilhões de crédito imobiliário, o que representa um aumento de 28,6% em relação ao mesmo período de 2023. Foram 627 mil financiamentos de imóveis, beneficiando cerca de 2,5 milhões de brasileiros até o momento. Em relação às contratações com recursos da poupança (SBPE), a Caixa apresenta em 2024 market share de 48,3% de contratação dos financiamentos do país, correspondendo a R$ 63,5 bilhões das operações realizadas pelo banco esse ano.  

Para Marcos Omena, Head de Negócios Imobiliários do Santander, essa escassez de recursos e os juros altos obrigarão o mercado a recorrer a outras fontes de recursos, como as letras de crédito imobiliário e fundos. “Porém, elas são mais caras e isso obrigará uma mudanças na concessão”, explica. No entanto, ele não acha que haverá redução na demanda e sim maior avaliação, não só por parte dos bancos, mas também dos consumidores.  “Eles terão de reavaliar o imóvel que quer tendo em mente a nova realidade e a forma de compor a renda. Para isso, ele precisa fazer mais simulações e os sistemas dos bancos  permite fazer isso de forma online, o que facilita a visão do que é possível”, disse.

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Questões legais

Para Marcelo Tapai, advogado especialista em Direito Imobiliário no Tapai Advogados, o crescimento da consciência financeira entre as pessoas levou muitos a deixar a caderneta de poupança, que era um recurso importante no financiamento imobiliário. Isso criou um desafio para os bancos que terão de descobrir outras formas de captação, porque a demanda está alta e deve continuar com a melhora do mercado de trabalho e renda. “Mas muitos bancos preferem emprestar para outros fins onde podem cobrar juros maiores, então não é falta de recurso e sim uma questão mercadológica”, explica.

O advogado alerta que o complicado mesmo está naquele pessoal que comprou imóvel na planta, pagou parcelas para a construtora, e agora não consegue contratar o financiamento. “No período pré-pandemia, quando a Selic estava abaixo dos 10% ao ano,  não se  imaginava que agora a taxa de juros fosse subir tão rapidamente. Esse é o grande risco de quem compra na planta e pode virar uma questão jurídica”, afirma Tapai. Ele ainda acrescenta que o mercado imobiliário ainda vive outro problema, com o crescimento das recuperações judiciais por parte das incorporadora, colocando mais lenha nessa fogueira.

Por tudo isso, ele prevê que para 2025, se não houver uma outra forma de captar recursos no mercado a preço baixo, certamente o problema “vai acabar no colo do consumidor e, quem precisar de empréstimo, não terá falta de dinheiro, mas sim um custo maior.”

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O advogado Caio Yoshikawa, sócio do PGLaw e especialista em operações imobiliárias,  também acha que o consumidor vai ter problemas por causa da redução dos recursos disponíveis e taxas maiores. No entanto, ele aposta que, pela força desse setor na economia, haverá algum tipo de incentivo para que o mercado de capitais invista no imobiliário. “Pode ser que instituições e o governo criem novas ferramentas para conseguir recursos, porque este é um setor importante, e que puxa muitos outros”, disse.

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Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro