Regras do casamento: o que pode constar no pacto antenupcial?

Ao contrário do que muita gente pensa, o instrumento não serve só para definir o regime de bens

Carla Carvalho

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Quem deseja casar sob um regime de bens diferente do que a lei determina – que é o da comunhão parcial – precisa fazer um pacto antenupcial.

Ao contrário do que muita gente pensa, esse instrumento não serve só para definir o regime de bens no casamento. Segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney, o casal pode (e deveria) estabelecer em contrato com regras para a vida a dois, que envolvem tanto aspectos patrimoniais quanto pessoais. Mas isso ainda não faz parte da cultura dos brasileiros.

“Se as pessoas utilizassem mais o pacto antenupcial, poderíamos evitar muitos litígios no divórcio. Infelizmente, esse instrumento não é tão procurado no Brasil quanto o testamento e o contrato de namoro, por exemplo”, diz a advogada Priscilla Iglesias Böing, sócia do Böing Gleich Advogados.

Para Fabio Botelho Egas, sócio do Botelho Galvão Advogados, o maior problema é a falta de cultura de contratualização do direito de família e sucessório de nossa sociedade.

“De forma geral, o brasileiro está acostumado a ficar completamente nas mãos do que a lei determina. Mas podemos manifestar a nossa vontade dentro dos limites legais, pois nem todos vivem da mesma maneira ou têm as mesmas condições financeiras”, alerta o advogado.

Se o pacto antenupcial tratar de questões além do regime de bens, o ideal é que um advogado especialista em direito de família acompanhe o processo junto com os noivos, segundo os entrevistados. Mas, de antemão, podemos ter ideia de alguns aspectos que podem fazer parte do acordo, conforme veremos a seguir.

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O que pode constar no pacto antenupcial?

Como vimos, dentro dos limites da lei, os cônjuges podem definir regras que se aplicam ao patrimônio e a questões de ordem pessoal, ligadas à convivência, aos filhos e, até mesmo, a uma eventual separação no futuro.

O que será estabelecido dependerá da realidade de cada um, logo não há como esgotar todas as possibilidades de customização deste instrumento. Mesmo assim, algumas dicas podem valer para diferentes contextos, como as que selecionamos junto aos entrevistados. Veja abaixo.

Pensão compensatória no caso de separação

Para os dois especialistas, a pensão compensatória é um dos pontos mais importantes que poderiam constar em um pacto antenupcial, se um dos cônjuges abriu mão da vida profissional depois do casamento.

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O Código Civil não prevê esse tipo de pensão, mas já existe jurisprudência sobre o assunto. Ainda hoje, normalmente é a mulher quem abdica da carreira para apoiar o marido e cuidar da família. E são frequentes os casos de total desamparo financeiro quando o casamento acaba e o regime era de separação total de bens, como alerta Priscilla.

“Todo tempo, vejo mulheres que abriram mão da vida profissional e ficaram sem nada na separação, por não terem estabelecido condições que pudessem lhes trazer segurança financeira”, observa a advogada.

Se a pensão compensatória não estiver definida no pacto antenupcial, a parte em desvantagem poderá demorar muito para receber esse direito legalmente. E não há garantias de que ganhe na Justiça, já que a análise depende de cada caso. Em algumas situações, pode ser preciso esperar até a conclusão da partilha para se ter acesso ao patrimônio.

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Em linha com a combinação de regimes patrimoniais, também se pode estabelecer algumas condições, segundo Botelho. “As partes podem estabelecer no acordo antenupcial que, após ‘x’ anos, se ainda estiverem casadas e uma delas não trabalhar mais, determinado bem ou investimento ficará como indenização para quem abriu mão da carreira no caso de um divórcio”, diz o advogado.

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Combinação entre os regimes de bens no casamento

Em um casamento no qual os bens do casal se comuniquem, ambos podem estabelecer parte do patrimônio pessoal permaneça com o seu dono original, como explica Fabio Botelho.

“Suponha que um dos cônjuges possua uma fazenda que, pelo regime de bens, se comunique com o patrimônio comum do casal, e essa fazenda possui uma cultura que dará frutos em alguns anos. Nessa situação, o pacto antenupcial pode prever que, mesmo que a propriedade seja um bem comum, os valores recebidos pela plantação, corte ou qualquer outra atividade rural pertençam somente ao seu proprietário”, diz o advogado.

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Isso vale também para outros tipos de bens, como investimentos ou participações societárias, por exemplo.

Aspectos pessoais

Como explica Priscilla Böing, os aspectos pessoais de um pacto antenupcial podem prever o que for mais adequado à dinâmica familiar do casal.

“Por exemplo, nomeação de tutores no caso de falecimento dos pais, divisões de tarefas domésticas, técnicas de reprodução assistida, e até mesmo multa por infidelidade, tudo isso pode ser estabelecido pelo instrumento”, diz a advogada.

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Critérios de valoração na partilha

Esse é um ponto bastante específico, e que pode poupar etapas de uma partilha de bens no futuro. Mesmo antes de construir o patrimônio comum, o casal pode se antecipar e definir como os bens serão valorados, dentro das possibilidades legais.

“Por exemplo, pode constar no pacto que, se houver um carro para dividir, seja adotada a tabela FIPE para a valoração. Ou que, quanto ao dinheiro, o valor a considerar na partilha seja o saldo bancário no dia em que algum dos cônjuges saiu de casa”, explica Botelho.

Exclusão da separação total de bens obrigatória

A lei automaticamente prevê que seja aplicado o regime da separação total de bens quando alguém com mais de 70 anos decide se casar.

No entanto, se a pessoa tiver capacidade civil total, os cônjuges podem optar pela comunhão total ou parcial de bens, e essa escolha é formalizada pelo pacto antenupcial.