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SÃO PAULO – Usar planos de previdência privada como instrumento de sucessão é parte do argumento de venda das instituições financeiras e sugestão frequente de consultores e advogados especialistas na área. No curto prazo, a facilidade de acesso – já que não precisam passar pelo inventário – e a liquidez dos produtos ajudam as famílias a se reorganizarem financeiramente em caso de morte da pessoa provedora. Também há benefícios tributários, que evitam a perda de patrimônio familiar.
Mas para que a decisão de alocar parte do patrimônio em um VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) ou um PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) de fato funcione – e não acabe se tornando mais uma dor de cabeça para os familiares – há uma série de cuidados que precisam ser tomados. O InfoMoney conversou com consultores e advogados e listou as principais dúvidas e os temas controversos, além das orientações para a sucessão com planos de previdência dar certo.
Quanto tempo demora?
A liquidez dos planos de previdência na hora da sucessão é uma vantagem destacada pela maioria dos especialistas na área – mas como tudo, tem suas ressalvas. Os recursos depositados no VGBL ou no PGBL, em caso de falecimento do contratante da apólice, são liberados em até 30 dias.
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Todo os demais bens, como imóveis, contas bancárias e investimentos precisam passar por inventário que pode demorar até um ano, se não houver questionamentos.
“Quem tem dependentes, filhos pequenos ou pais idosos, precisa ter em mente que é necessário planejar o acesso da família a algum recurso de curto prazo para que tenha tempo e se reorganize”, comenta Marcos Silvestre, consultor financeiro e CEO da startup Toca Vida, voltada para planejamento de sucessão. Os recursos, defende o consultor, precisam ser suficientes para sustentar aquela família por pelo menos um ano.
O alerta feito pelo consultor para quem decidir utilizar o PGBL ou o VGBL como esta reserva de curto prazo para a família, no lugar de um seguro de vida, é não contar com a total isenção de tributos. “O seguro de vida é o instrumento puro concebido para isto, tem liquidez e não é tributado. Já a previdência privada é tributada em uns Estados. Em outros, não”, afirma Silvestre. Ele se refere ao ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação.
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VGBL ou PGBL?
Uma das principais dúvidas sobre o uso de planos de previdência para fins de sucessão é se há uma opção melhor entre o VGBL e o PGBL. Os dois produtos têm características que os tornam elegíveis como instrumento sucessório. Porém, o judiciário tem tomado decisões mais favoráveis ao VGBL em casos de questionamento por herdeiros não mencionados nas apólices ou mesmo sobre a tentativa de alguns Estados de tributar o produto pelo ITCMD.
Boa parte do questionamento, do ponto de vista jurídico, se baseia na discordância sobre a natureza dos produtos, regulamentados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).
O VGBL é classificado como seguro de pessoa, enquanto o PGBL é definido como um plano de previdência complementar.
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Para a liberação dos recursos, em até 30 dias, ambos funcionam como seguro de vida. O mesmo vale em relação à livre escolha dos beneficiários, que não precisam ser os herdeiros “necessários”, como filhos, cônjuge ou pais.
Com os recursos alocados em fundos cada vez mais sofisticados, de renda variável ou ativos no exterior, muitos argumentam que os planos, em especial o PGBL, são investimento. Mas nenhum dos produtos passa por inventário, como ocorre com outras aplicações financeiras.
Este modelo híbrido, com características ora de seguro, ora de investimento, pode gerar conflitos desnecessários – na maioria das vezes – exatamente quando os produtos deveriam cumprir sua função, que é facilitar o processo sucessório.
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Incide imposto?
Como os recursos alocados na previdência privada não precisam ser inventariados, a incidência do ITCMD, que pode chegar a até 8% do patrimônio, não tem consenso e tampouco perspectiva de solução no curto prazo. Cada Estado vê o tema de uma forma e com diferentes percentuais.
O Rio de Janeiro, com ITCMD escalonado de 4% a 8%, e o Paraná, com alíquota única de 4%, tentaram cobrar o imposto na previdência privada, mas decisões judiciais suspenderam. Já no estado de São Paulo, em que o ITCMD é de 4%, não há a tributação dos planos.
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“Não vejo solução no curto prazo. Nos Estados que definiram pela cobrança, o tema virou contencioso, com o Judiciário pendendo para a não cobrança”, diz o advogado Frederico Bastos, sócio do escritório BVZ Bastos Bari Vilela Zugman.
Outro detalhe: esse entendimento pode mudar de acordo com o tipo de plano. Há uma tendência, porém ainda não pacificada nos tribunais, de considerar o PGBL como herança, sujeito à tributação pelo ITCMD. Já o VGBL seguiria sem a incidência do ITCMD, por ser entendido como seguro. Sem consenso em todo o país, a orientação é não contar com a isenção logo de partida, e se informar sobre a regra no seu próprio estado.
Além do ITCMD, sobre os recursos liberados ao beneficiário da apólice há incidência de Imposto de Renda, com as alíquotas e a forma de cobrança estabelecidas de acordo com a modalidade do plano (sobre todo o valor no PGBL e sobre os rendimentos no VGBL) e o regime de tributação (progressivo ou regressivo).
Os benefícios tributários são vantajosos?
Como são produtos voltados para o longo prazo, há benefícios importantes em termos tributários que precisam ser avaliados já na contratação do plano. Tanto o VGBL quanto o PGBL levam vantagem em relação a outros fundos de investimento.
A escolha do regime de tributação – progressivo ou regressivo – exige estudo e atenção. Na tabela regressiva do Imposto de Renda, a paciência é recompensada, porque as alíquotas são menores para quem mantém o investimento por mais tempo.
Quem opta pelo regime regressivo vê a alíquota de IR cair de 35% para 10% após dez anos ou mais. É melhor, na visão de Guilherme Wertheimer, da Planejar, do que os fundos de renda fixa, que têm come-cotas (antecipação do recolhimento do IR) e alíquotas de 22,5% a 15%. Também é mais vantajoso que os fundos de ações – que, embora não tenham come-cotas, pagam IR de 15%.
Já na tabela progressiva, os valores resgatados são tributados com as mesmas alíquotas de IR que incidem sobre os salários e outros rendimentos, que vão de zero a 27,5%, dependendo do montante. “Mesmo que ele faça retiradas de valores abaixo do limite de isenção, esta renda se soma a outras que ele tenha e acaba sendo tributado”, explica André Fernandes Lima, consultor financeiro do escritório Crivelli Advogados.
Fora isso, PGBL e VGBL são tributados de forma diferente. O Imposto de Renda incide só sobre os rendimentos no caso do VGBL. Já no PGBL, que permite a dedução das contribuições na declaração do IR, a taxação ocorre sobre todo o valor aplicado. “Se for bem planejado, o interessado pode contratar um PGBL e abater os depósitos na declaração até o limite de 12% de sua renda bruta. E se houver mais recursos do que isso, eles podem ser destinados a um VGBL”, sugere Lima.
Um detalhe: quem opta pelo regime progressivo tem a possibilidade de mudar para o regressivo no meio do caminho. “Mas se escolher a tabela regressiva ao contratar, terá que ficar com ela até o fim”, diz o consultor.
Quem pode ser beneficiário?
A flexibilidade que o VGBL e o PGBL oferecem para a nomeação de quem irá receber os recursos tem limites, orientam os especialistas. “Não é uma ciência exata. Se por um lado é possível escolher como beneficiário na previdência quem quiser, a lei da sucessão define que 50% do patrimônio deve ser destinado aos herdeiros necessários, como filhos, pais ou cônjuge”, diz Guilherme Wertheimer, planejador financeiro CFP da Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros).
“Para evitar futuras demandas judiciais, o ideal é que não mais que 50% do patrimônio total seja destinado a um plano de previdência privada em que o beneficiário não será um herdeiro necessário”, orienta Wertheimer.
O dinheiro pode ser retido para liquidar dívidas?
Como os planos de previdência têm um tratamento que se assemelha ao de um seguro de vida, os recursos investidos não podem ser bloqueados para o pagamento de dívidas do titular da apólice. “O raciocínio é simples: se não compõem a herança e não são inventariados, não respondem por dívidas que o contratante possa ter deixado”, diz Sara Tavares Quental, sócia do Crivelli Advogados Associados e especialista em Direito Previdenciário e Processual Civil.
Ela explica, no entanto, que a maneira como o plano é contratado pode ser questionada. O momento da contração da previdência privada e o volume de recursos destinado a ela pode sugerir que o objetivo era proteger o patrimônio da família das dívidas do titular. Situações clássicas, nesse sentido, são aquelas em que patrimônio imobilizado (imóveis, por exemplo) é vendido e o dinheiro é alocado nos planos.
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Nesses casos, credores podem ingressar com ações alegando fraude e levar a demanda ao Judiciário solicitando que os recursos voltem a integrar o patrimônio, respondam também pelas dívidas existentes. “A questão do que é considerado fraude ou não, contra herdeiros ou credores, é complexa porque é preciso provar má fé ao usar o produto como parte do planejamento sucessório. É um cuidado a ser tomado”, diz Sara.
Como evitar questionamentos na Justiça?
A escolha dos beneficiários é outro elemento importante na contratação da previdência privada para fins de sucessão. Isso porque está entre os assuntos que geram ações na Justiça por suspeita de fraude. “As regras dizem que o contratante da apólice de previdência privada pode incluir quem quiser como beneficiário, mas alguns movimentos devem ser evitados”, explica Bastos.
O advogado cita como exemplo uma pessoa já idosa ou doente que altera o contrato da previdência, excluindo os herdeiros necessários e destinando os recursos a outra pessoa – um namorado ou uma namorada, por exemplo. Ou ainda alguém que vende todos os bens e destina os recursos ao plano de previdência, tendo como beneficiário apenas um dos filhos ou somente a esposa. “São situações dentro da lei, mas sugerem que houve fraude. O que se analisa é o contexto que gerou a mudança na apólice, com a escolha do beneficiário.”
Vale a pena?
A resposta mais comum entre os especialistas é: sim, vale a pena fazer um VGBL, ou mesmo um PGBL pensando na sucessão. “Receber os recursos em até 30 dias e sem passar por inventário, após o falecimento do detentor da apólice, é um benefício. Faz a diferença em um momento que já é difícil”, comenta Marcos Silvestre, da startup Toca Vida.
Respeitada a regra de não destinar mais do que 50% do patrimônio para beneficiários que não sejam herdeiros necessários, a liberdade de escolher para quem deixar os recursos também é um ponto favorável. “É possível utilizar o produto para deixar uma reserva para quem for de seu interesse. A previdência permite isso”, comente Guilherme Wertheimer, da Planejar.
A incidência do ITCMD sobre os recursos da previdência privada em alguns estados pode, de fato, reduzir o apelo dos produtos como instrumento sucessório. No entanto, os especialistas afirmam que por não haver ainda uma decisão final sobre o tema, vale a pena o uso do instrumento. “É preciso ter em mente que, dependendo do Estado, a situação pode virar um contencioso. Mas isso não inviabiliza que o PGBL ou o VGBL façam parte dos instrumentos de planejamento sucessório”, pondera o advogado Frederico Bastos.
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