Planejamento sucessório marca a diferença entre casos da Natura e Grupo Objetivo

Enquanto sócios já preparam a continuidade dos negócios na fabricante de produtos de higiene e beleza, os herdeiros do grupo de educação se enganfinham em processo na Justiça

Anna França

João Carlos Di Gênio, fundador do Grupo Objetivo, em palestra na UNIP - 17/03/2004 (Foto: Mônica Zarattini/Estadão Conteúdo)
João Carlos Di Gênio, fundador do Grupo Objetivo, em palestra na UNIP - 17/03/2004 (Foto: Mônica Zarattini/Estadão Conteúdo)

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Qual é a diferença entre o Grupo Objetivo e a Natura? Se você acha que é o setor de atuação de cada uma – educação e higiene e beleza -, acertou. Mas só parcialmente. As duas empresas são brasileiras e têm valores bilionários. No entanto, uma coisa diferencia bastante uma da outra, a forma como foi feita a sucessão das duas companhias.

No início deste mês, por exemplo, Guilherme Leal, um dos fundadores da Natura, seguiu os passos de outro sócio, Luiz Seabra, e formalizou, em comunicado enviado ao mercado, a transferência de 3% do capital social da companhia para os filhos, reduzindo sua própria participação de 7,16% para 4,16%.

Aos 81 anos, Seabra tinha realizado esse movimento, reduzindo sua participação de 14,36% para 4,79%, fazendo doações à esposa e aos filhos. Ambos garantiram, assim, o direito ao  voto e aos resultados, com usufruto vitalício das ações doadas. Ou seja, organizaram tudo para não só facilitar a vida dos herdeiros como para garantir, mesmo na sua ausência, a perenidade dos negócios da Natura, avaliada em mais de US$ 1,7 bilhão. Esse é o caminho indicado por todos os advogados especializados em sucessão.

Já empresário João Carlos Di Genio, que morreu há três anos, deixou para seus herdeiros uma encrenca gigantesca. Ele construiu um império da educação com a criação das escolas Objetivo e da universidade Unip, angariando um patrimônio avaliado em mais de R$ 30 bilhões, que inclui ainda fazendas, emissoras de rádio e imóveis urbanos e rurais, além de milhares de cabeças de gado. Isso só no Brasil.

Mas o famoso empreendedor não planejou nada sobre sua sucessão e transformou seu inventário, o maior em curso hoje no País, numa grande dor de cabeça para a família. A briga inclui até mesmo um suposto herdeiro, o sobrinho Bruno Augusto de Mello Pará que se diz filho biológico do empresário.

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Di Genio era casado com Sandra Miessa Di Genio, com quem teve três filhos. Bruno é filho de Patrícia Mello, que trabalhava na década de 1980 no setor de matrículas do Colégio Objetivo e teria mantido um relacionamento com o empresário.

O primeiro exame de DNA deu negativo e ainda não há comprovação de que Bruno seja filho biológico de João Carlos, apesar de haver depoimentos de funcionários que alegam ter enviado remessas de dinheiro e presentes para Bruno, bem como organizado viagens. Por isso, a viúva tem conseguido afastá-lo do inventário.

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Mesmo sem essa comprovação, Bruno já teria negociado seu eventual direito hereditário em operações registradas em cartório, repassando 15% da suposta herança para fundos, conforme matéria do jornal Valor Econômico.

A briga pela fortuna de Di Genio levou também a uma disputa societária na empresa. Antigos sócios, incluindo uma irmã de Di Genio, questionam alterações que Sandra teria feito, tornando-se reitora da Unip. Isso porque ela ainda não teria sido considerada formalmente herdeira, uma vez que, mesmo tendo filhos reconhecidos pelo empresário, ela manteve apenas união estável com o empresário. No final da vida dele, eles já não moravam mais juntos, segundo testemunhas.

Testamento evitaria brigas

Enfim, um imenso imbróglio que poderia ser evitado com apenas um testamento, segundo a advogada especializada em planejamento tributário e sucessões patrimoniais, Renata Bilhim. “Quando soube desse caso fiquei assustada. Como alguém com tamanha fortuna pode não ter planejado sua sucessão?”, pergunta Renata.

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O planejamento sucessório discute desde a divisão em vida (como no caso da Natura), até como a pessoa quer dispor dos 50% que ficam livres da garantia aos herdeiros necessários. “Ele poderia ter organizado tudo em vida e evitar toda essa confusão, inclusive na empresa”, explica a advogada.

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O grande problema do brasileiro é não querer falar sobre morte, segundo Eduardo Diamantino, advogado especializado em sucessão, tributação do Diamantino Advogados Associados. “Vi muitos casos ao longo da vida, mesmo sendo essa é a única certeza que temos [a morte]. Mas muitas pessoas acham que, se fizerem o planejamento, irão morrer. É uma barreira cultural”, afirma.

Mas é preciso quebrar esse tabu, especialmente no contexto pós-pandemia, de acordo com Eduardo Brasil, advogado societário, sócio do Fonseca Brasil.  “O cenário já vem mudando drasticamente. Tanto que os dados do Colégio Notarial do Brasil, entre 2012 e 2022, mostram que houve um aumento de 35,5% nas demandas por testamento nos cartórios e não dá mais para negar esse assunto”, afirma o especialista.

Herdeiros e os negócios

Segundo Diamantino, muitas vezes o fundador de uma empresa pensa que seus filhos vão tocar o seu negócio. Porém, não há garantias, porque nem sempre as pessoas estão preparadas ou querem fazer isso. “Tanto que só 12% das empresas familiares, que estão na terceira geração, têm alguém da família no comando”, explica.

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Sem planejamento, os advogados dizem que as chances de tudo se complicar são imensas, especialmente com patrimônios gigantescos como o do dono do Grupo Objetivo. Conforme o Código Civil Brasileiro, morrendo uma pessoa com bens e sem testamento, a herança é transmitida aos herdeiros legítimos, que são os descendentes, ascendentes e cônjuge, respeitando assim a parte da herança denominada “legítima”.  A legítima corresponde à metade da herança que não pode ser livremente disposta pelo falecido, ou seja, a parte obrigatória que deve ser destinada a esses herdeiros necessários.

Como se organizar

Diamantino sempre aconselha aos clientes começarem por um levantamento completo do patrimônio para entender o que está acontecendo naquele momento, como uma fotografia de tudo. Depois disso é preciso avaliar as questões tributárias, que indicarão se é melhor criar uma holding ou fazer doação em vida, como no caso do fundador da Natura.

“É preciso que as pessoas entendam que fazer um planejamento da sucessão é uma forma de blindar aquele patrimônio construído por anos”, explica. Depois é preciso ver entre os herdeiros quem tem ou não aptidão para os negócios e começar a preparar.

Nesse contexto, o testamento surge como um importante instrumento para permitir que a pessoa que tenha um patrimônio disponha de sua herança de maneira diversa, desde que respeite a legítima, assegurando que, por exemplo, parte do patrimônio possa ser destinada a terceiros ou a organizações, conforme a vontade do testador, de acordo com a advogada Tatiana Arantes, da área de Família e Sucessões do PLKC Advogados.

“O  planejamento sucessório é essencial tanto para quem possui um patrimônio robusto quanto para aqueles com bens mais modestos, para garantir uma sucessão eficiente, evitar disputas judiciais, minimizar a carga tributária e preservar o legado familiar”, disse Tatiana.

Novidade

Mas o ponto que mais chamou atenção dos advogados foi a entrada de investidores comprando parte dos direitos de um suposto herdeiro, uma informação sobre o caso ainda não confirmada. Bruno teria repassado 15% de sua suposta herança para fundos e até para advogados especializados em sucessão. Em troca, eles ajudam a acelerar o processo.

Esse tipo de investimento começou a se desenvolver no Brasil recentemente no caso de direito hereditário. Mas já existe em outros casos e são os chamados “special sits” (de situações especiais), onde os fundos procuram ativos que ofereçam um alto potencial de retorno, mesmo que tenham riscos relevantes.

“A entrada de fundos nessa briga é uma novidade nesse mercado e pode mudar tudo porque terão advogados especializados em contenciosos envolvidos, o que pode agilizar tudo, especialmente nos casos de maior valor”, afirma Diamantino, acrescentando que um processo como esse, no Brasil, pode demorar mais de 20 anos com exigências de perícias, avaliação, contestação, entre outras.

Procurados pelo InfoMoney, os advogados da família Di Gênio preferiram não se pronunciar, mas o espaço continua aberto.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro