Pix está ‘matando’ pagamentos em dinheiro: cartão de crédito será a próxima vítima?

Ferramenta tem sido vista como aliada para varejistas, enquanto ameaça negócios de cartões para bancos e fintechs

Reuters

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BRASÍLIA (Reuters) – Em apenas três anos, o popular sistema de pagamento instantâneo Pix tornou-se a forma favorita de pagamento no Brasil, desbancando dinheiro em espécie e transferências bancárias em muitos casos e ameaçando a predominância até então inconteste dos cartões de crédito no e-commerce.

O sistema desenvolvido pelo Banco Central tem sido crescentemente visto como um aliado de peso para varejistas online, ajudando o fluxo de caixa de um setor que opera com margens apertadas, enquanto ameaça modelos de negócios associados à infraestrutura de cartões de crédito para bancos e fintechs.

“Acho que cartão de crédito vai deixar de existir em algum momento em breve”, disse o presidente do BC, Roberto Campos Neto, quase dois anos atrás, discutindo o potencial da ferramenta e do sistema de Open Finance. “Esse sistema elimina a necessidade de ter cartão de crédito.”

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As tendências de mercado desde então têm corroborado sua previsão. O uso do Pix disparou 74% em 2023, chegando a quase 42 bilhões de pagamentos em toda a economia brasileira – superando as cobranças combinadas com cartões de crédito e débito em cerca de 23%, segundo dados do BC e da associação do setor de pagamentos Abecs.

No varejo online, o número de pedidos pagos com Pix aumentou 22 pontos percentuais em dois anos, chegando a mais de um terço de todas as compras em dezembro, de acordo com a empresa de inteligência de e-commerce Neotrust. Os pedidos com cartão de crédito caíram 5 pontos percentuais, para 51%, no período.

Essa tendência provavelmente se intensificará à medida que o BC acena com mais inovações para o Pix a partir deste ano, como pagamentos recorrentes e parcelamentos, o que, segundo uma autoridade do banco, provavelmente aumentará o papel do sistema no varejo.

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Embora o consumidor não tenha visibilidade sobre quem está pagando quando usa o cartão de débito ou crédito, o lojista arca com uma taxa de desconto que remunera a bandeira do cartão, como Visa, Mastercard e American Express; o adquirente que processa aquele pagamento, como Cielo, Rede, Stone, Getnet, PagBank; e o emissor do cartão, que são geralmente os bancos.

Ao remover intermediários, o Pix pressiona as bandeiras, que não recebem parte alguma dessas transações, e adquirentes e bancos, que ficam com uma fatia muito menor do que usualmente recebem por compras com cartão de crédito ou débito. O Pix custa em média 0,22% de cada transação para os varejistas, enquanto as taxas de cartões de débito ultrapassam 1% e as taxas de cartões de crédito chegam a 2,2% de cada venda no Brasil, de acordo com um artigo do Banco de Compensações Internacionais (BIS).

A ascensão adicional do Pix a partir das novidades sinalizadas pelo BC “pode limitar o uso de cartões de crédito e os volumes de pré-pagamento”, disse o Goldman Sachs a clientes em nota, acrescentando que a antecipação de recebíveis do cartão de crédito contribui com uma receita significativa para adquirentes como Stone (49%), PagBank (34%) e Cielo (9%). As empresas não comentaram.

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Novas funções à frente

Desde o lançamento, em novembro de 2020, uma variedade de aplicativos de pagamento surgiu globalmente, de PayPal a Venmo, mas nenhum carregou como o Pix o peso de ter um banco central como seu criador, operador e regulador, o que garantiu velocidade, eficiência e integração universal do sistema com os bancos desde seu princípio.

Isso permitiu que o BC desenvolvesse o protocolo por menos de R$ 14 milhões e impusesse os custos de adoção aos bancos, ao mesmo tempo em que lhes garantia os benefícios de um sistema financeiro mais ágil e inclusivo. Com o passar do tempo, o vertiginoso sucesso do meio de pagamento, que movimentou mais de R$ 17 trilhões em 2023, espraiou-se para os pagamentos P2B, de pessoas para empresas, conforme elas foram adaptando seus sistemas ao Pix e percebendo como podiam ganhar com ele.

De 5% no nascimento do Pix, as transações P2B somaram 38% das operações totais em março deste ano, número conservador por não abarcar negócios informais que maciçamente abraçaram o sistema instantâneo de pagamentos.

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Agora, o BC está se preparando para lançar novas funcionalidades que aumentarão o apelo do Pix para uso P2B, de acordo com Mayara Yano, assessora sênior da Gerência de Gestão e Operação do Pix.

A primeira, Pix Automático, que deve ser lançada em outubro. Ela poderá substituir os onipresentes boletos usados para mensalidades e contas de luz e telefone. Um impacto ainda maior poderá vir do Pix Garantido, que permitirá pagamentos parcelados, adentrando o território do cartão de crédito naquele que é seu principal diferencial para grande parte dos consumidores brasileiros.

Nessa nova realidade, as empresas que dependem fundamentalmente do modelo atual do cartão de crédito “não vão ter o valor que têm hoje no futuro, a não ser que se transformem em outro negócio”, previu Edson Santos, fundador da Colink Business Consulting e ex-CFO da Rede.