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Há poucos meses, a professora aposentada Maria do Carmo de França Bomtempo levou um susto quando soube que poderia ficar sem plano de saúde. No início do segundo semestre do ano, ela foi informada pela operadora que o contrato do plano – adquirido no formato empresarial e que fornece cobertura para outros 8 membros da sua família – foi rescindido. A preocupação veio por conta do tratamento fisioterápico que vem passando desde que sofreu um acidente e precisou operar o joelho, além do filho que possui doença pré-existente.
Em 2017, nós contratamos o seguro-saúde e eu tenho um filho com doença pré-existente. Foi falado tudo direitinho, nós fomos obrigados a cumprir dois anos de carência e aceitamos tudo sem problema nenhum. Paguei, na época, dois planos de saúde: um para continuar com o tratamento e outro para cumprir a carência. Esse ano, no dia 12 de julho, nós recebemos uma carta da empresa sobre a rescisão do nosso contrato”, conta a consumidora no episódio desta quinta-feira (23) do Tá Seguro?, videocast do InfoMoney criado para traduzir o universo dos seguros. O programa já está disponível no YouTube e nas principais plataformas de podcasts.
Segundo Maria do Carmo, a empresa deu prazo de 60 dias para fazer a migração para outro plano, fornecido por outra operadora de saúde.
Como é que eu vou para outro plano de saúde estando acidentada? Nenhum plano de saúde vai aceitar. E, da mesma forma que eu cumpri dois anos de carência no que eu estou, qualquer outro plano vai pedir dois anos de carência para nos atender. Nós entramos [na Justiça] com advogado e, prontamente, o juiz deu [a decisão] que o plano de saúde continuasse atendendo até o final [do tratamento]”, complementa a professora aposentada.
Na avaliação do advogado Marcos Patullo, sócio do escritório Vilhena Silva, especializado em Direito à Saúde, o problema começa a partir do momento em que uma família precisa “utilizar um CNPJ para conseguir acessar o mercado da saúde suplementar”. Isso porque as normas que regem planos nesse modelo são mais flexíveis e com proteção jurídica mais restrita (permitindo a rescisão unilateral do contrato, por exemplo) na comparação com os planos individuais ou familiares – que seriam o ideal neste caso.
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“O plano coletivo [empresarial], no ponto de partida, costuma ser mais barato que um plano individual. Só que a gente sabe que no longo prazo, com o acúmulo dos reajustes, isso acaba se invertendo. Eu vejo que a ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar – órgão regulador do mercado] vai ter que regulamentar, de uma forma ou de outra, ou o próprio Congresso, a questão da rescisão unilateral dos produtos coletivos. Esse é o ponto importante nesse caso”, comenta o advogado.
De acordo com ele, o judiciário, inclusive o STJ (Superior Tribunal de Justiça), instância judicial que assegura efetivamente a uniformidade à interpretação da legislação federal, chama de “falso coletivo” os planos com poucos beneficiários – e todos da mesma família. “Mas é uma questão que ainda não está pacificada, que esse tipo de plano, sob o ponto de vista de rescisão, tem que ter o mesmo tratamento dos planos individuais”, pontua Patullo.
Para o também advogado Henderson Fürst, sócio do escritório CGV, especializado em Biodireito e Bioética, há caminhos que podem ser percorridos por quem passa por problema similar antes de bater na porta dos tribunais, como:
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- Ouvidoria da seguradora/operadora do plano de saúde;
- Canais de reclamação da ANS, como a NIP (Notificação de Intermediação Preliminar).
“Na ANS, todo o trâmite até a resposta do plano leva 15 dias, mais ou menos, mas costuma vir antes. Se [o usuário receber] uma resposta muito insatisfatória e não resolver pelo próprio plano, ainda dá tempo de judicializar. Normalmente os planos resolvem, porque há uma multa pesada da ANS caso eles não resolvam aquilo. Se detecta que aquilo é abusivo, ela já abre um procedimento contra o plano para aplicar uma multa, na casa dos R$ 80 mil. Imagine que pra cada caso desse, um plano potencialmente tem que pagar R$ 80 mil só de multa, fora os danos, numa análise econômica da situação compensa para o plano resolver”, salienta Fürst.
Casos mais frequentes
Patullo conta que os problemas mais usuais vivenciados pelos usuários dos planos de saúde que buscam a orientação do seu escritório são:
- Negativa de coberturas assistenciais – como acesso a medicamentos e procedimentos, “principalmente aqueles que não estão listados no rol da ANS “;
- Dificuldades no acesso a tratamentos, principalmente de pessoas idosas, pacientes oncológicos e em tratamento cardíaco;
- Reajustes, principalmente por faixa etária (aplicado quando a pessoa faz aniversário), nos planos coletivos – sejam eles empresariais ou por adesão (quando a pessoa acessa o plano por meio de uma entidade de classe);
- Rescisão unilateral de contrato – que é exatamente o caso de Maria do Carmo;
- Dificuldades para fazer portabilidade, devido a “uma seleção de risco velada”.
Na análise de Fürst, existe uma crise no setor resultante de diversos motivos, entre eles a judicialização. E é fato que a “conta” não está fechando para as operadoras de saúde. “Há um déficit e isso faz com que alguns players acabam tendo condutas abusivas em questões como, por exemplo, o reajuste. Sobre a questão do acesso ao tratamento, do rol da ANS, há de se convir que houve uma demora regulatória de atualização deste rol. O que é o rol? As coisas que os planos de saúde no mínimo devem custear”, diz o sócio do CGV Advogados. Na sua opinião, a saúde suplementar “não é um jogo de tênis, é um jogo de frescobol. Se eu não coloco coisa de uma forma que fica bom para ambos continuarem jogando, vai dar um problema, uma ruptura muito grave de sustentabilidade, e digo isso não como advogado que atua com ênfase no sistema, mas também como paciente”, diz.
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Qual é o caminho para o consumidor sair da “corda bamba”?
Fürst aponta que é preciso “pensar em outros modelos regulatórios, inclusive para que seja viável a continuação dos planos de saúde e que os preços sigam acessíveis e sustentáveis para consumidores”. Na avaliação de Patullo, cabe “pelo lado das operadoras avaliarem as questões que estão sendo judicializadas, e [pensarem] de que forma elas podem abordar o consumidor de uma forma diversa do que está sendo feito hoje para evitar essa judicialização”.
Os dois concordam que um bom caminho é a ampliação da participação do próprio consumidor, que é o usuário dos planos, na criação das regras que regulam o setor – participando de associações de pacientes e de órgãos como o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Eles apontam ainda a necessidade da própria ANS facilitar essa participação, que hoje acaba sendo mais engessada, uma vez que poucos conseguem marcar presença em uma audiência publica presencial no Rio de Janeiro, por exemplo.
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O Tá Seguro é o videocast criado pelo InfoMoney para descomplicar o universo dos seguros. Todos os episódios estão disponíveis no YouTube e nas principais plataformas de podcast (clique aqui para ouvir no Spotify). E se você tem alguma história relacionada ao mundo dos seguros ou dúvida e quer vê-la esclarecida envie para seguros@infomoney.com.br que a gente vai consultar os melhores especialistas para te responder! E sem vergonha, hein? Não existe pergunta boba demais nem específica demais: pode abrir seu coração!
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