Nova plataforma deve reduzir número de processos; ações do INSS serão as primeiras

Criada pela AGU, Pacifica visa facilitar a resolução de conflitos extrajudicialmente, desafogando o Judiciário

Anna França

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A busca por soluções de resolução de conflitos de forma extrajudicial avançou ainda mais na última semana. No dia 4 de julho, foi publicada no Diário Oficial a Portaria da Advocacia Geral da União (AGU) nº 144/2024, criando a Plataforma de Autocomposição Imediata e Final de Conflitos Administrativos (Pacifica). Totalmente digital e online, a nova ferramenta visa facilitar a resolução consensual e definitiva de conflitos de baixa complexidade entre cidadãos e a administração pública federal, ajudando a desafogar o sistema Judiciário.

Conforme o anúncio, a ideia é viabilizar a adoção, em larga escala, de soluções extrajudiciais de conflitos de maneira eletrônica, por meio da utilização intensiva de automação e recursos tecnológicos. O objetivo é que sejam celebrados acordos fora do sistema de Justiça nos casos de conflitos individuais de baixa complexidade e grande volume, evitando-se, assim, a proposição de processos judiciais envolvendo órgãos da administração federal.

A Pacifica, segundo o governo, irá promover a pacificação social e o reconhecimento de direitos, “garantindo mecanismos mais céleres e menos onerosos de revisão dos atos administrativos dos órgãos, autarquias e fundações públicas federais.”

Foco em processos do INSS

De acordo com Marcello Vieira de Mello, sócio fundador do GVM Advogados e responsável pelas áreas de Arbitragem, Direito Civil e Bancário do escritório, a nova plataforma eletrônica é um passo importante para consolidação do mecanismo para a redução da litigiosidade. “É salutar que a primeira espécie de demanda que será submetida à plataforma é a previdenciária, haja vista que este tipo de ação movida pelos cidadãos contra o INSS abarrotam a Justiça Federal”, explicou.

O governo federal estabeleceu ainda, por meio do Decreto 12.091, publicado do Diário Oficial da União no mesmo dia 4 de julho, a criação da Rede Federal de Mediação e Negociação (Resolve), no âmbito da Administração Pública Federal. O decreto tem como objetivo formar um sistema de cooperação em que serão fomentadas iniciativas para fortalecer a cultura da mediação e da negociação na Administração Pública.

Para o professor de Direito Administrativo da USP e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Gustavo Justino de Oliveira, todas essas iniciativas reforçam o caminho preferencial da busca de soluções negociadas dos conflitos públicos, como uma política de Estado no país.

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“A partir da aprovação desse decreto, cada ministério, autarquia e instituição pública terá um agente de mediação e negociação, capacitado por nós da AGU. É necessário que possamos engajar os gestores nesta área”, pontuou o chefe da AGU, Jorge Messias, em evento sobre o tema promovido pelo IDP.

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Avanço das alternativas extrajudiciais

De acordo com dados do CNJ, em 2014 existiam nos Tribunais de Justiças espalhados pelo Brasil cerca de 362 Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, conhecidos pela sigla Cejuscs. Em 2015, a estrutura cresceu 80,7% e avançou para 654 centros. Ao final de 2023, já eram um total de 1.930 Cejuscs  instalados nos tribunais, ou seja, ao longo de nove anos a estrutura basicamente quintuplicou. Esse avanço das alternativas foi tanto que chegou a um aumento de 15% no volume de conciliações só na Justiça do Trabalho. Com isso, 20,3% dos casos foram resolvidos através desse tipo de acerto na área trabalhista, que se firma como uma das que mais utiliza esse tipo de negociação.

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Métodos de resolução de conflitos

De acordo com o advogado especializado em Direito do Trabalho, Ênio Vasques Paccillo, cada método de resolução de conflitos oferece vantagens específicas que podem ser aplicadas de acordo com a complexidade do caso, a natureza do conflito e os interesses das partes envolvidas.

“A escolha entre mediação, conciliação ou arbitragem deve considerar não apenas as circunstâncias imediatas do conflito, mas também os objetivos de longo prazo das partes em busca de uma solução justa e eficiente”, explica o especialista, acrescentando que os métodos alternativos de resolução de disputas não apenas aliviam a carga dos tribunais, mas também promovem uma “cultura de resolução pacífica de conflitos, essencial para uma sociedade justa e equitativa.”

Isso porque, segundo os advogados, qualquer decisão que demore anos, ainda que favorável, é ineficaz. Porque processos judiciais são longos, custosos e, muitas vezes, inacessíveis para a maioria das pessoas. Em contrapartida, mediação, conciliação e arbitragem tendem a ser mais rápidas e menos dispendiosas. A agilidade desses métodos permite que as partes resolvam suas disputas de maneira específica, eficiente e sem a necessidade de enfrentar a lentidão e os altos custos associados ao sistema judicial tradicional. Os principais benefícios dos métodos de solução de conflitos são: o sigilo (apenas as partes possuem acesso) e a economia de tempo e de custo (monetário e de vida).

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Veja como funciona cada modelo de resolução de conflito:

Trata-se de um método em que um terceiro imparcial intercede na disputa, ajudando a identificar os interesses e necessidades de ambas as partes, buscando um acordo que seja bom para todos. O objetivo é promover o diálogo construtivo e a autocomposição das partes, sem impor decisões.

Um bom exemplo são os conflitos familiares, como divórcios, onde o mediador pode auxiliar os ex-cônjuges a discutirem questões como guarda dos filhos e divisão de bens de forma harmoniosa. Em disputas de vizinhança, como barulhos excessivos ou limites de propriedade, o mediador facilita um entendimento que respeite os direitos e interesses de ambas as partes. A mediação foi regulamentada pela Lei nº 13.140/2015, que define o papel do mediador como um facilitador.

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O método prevê que um terceiro imparcial também intervenha no conflito para ajudar as partes a chegarem a um acordo. Mas, diferentemente do mediador, o conciliador pode sugerir soluções e propor termos de acordo, buscando o consenso entre as partes.

É muito utilizada em disputas de consumo, como problemas com produtos ou serviços. Em casos trabalhistas, como conflitos sobre condições de trabalho ou rescisões contratuais, a conciliação pode ser utilizada para evitar litígios judiciais prolongados. A Lei nº 13.105/2015 estabeleceu a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos.

Já a arbitragem prevê o estabelecimento de um árbitro imparcial, ou uma câmara arbitral, para resolver o litígio de forma definitiva e vinculativa. Das três opções, essa é a única modalidade que só existe extrajudicialmente. A decisão do árbitro, conhecida como sentença arbitral, tem o mesmo efeito legal de uma decisão judicial. Ela permite que as partes controlem o processo e cheguem a uma solução adaptada às suas necessidades específicas, promovendo assim a resolução efetiva do conflito.

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É um método muito utilizado em disputas comerciais complexas, como conflitos contratuais entre empresas ou, ainda, em disputas internacionais, onde diferentes sistemas legais podem complicar a resolução de litígios, a arbitragem proporciona uma solução imparcial e internacionalmente reconhecida. A arbitragem foi regulamentada pela Lei nº 9.307/1996.
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Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro