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Sônia*, de 67 anos, conheceu André*, de 55 anos, em uma plataforma de relacionamentos, em 2016. Somente ela estava solteira, por ser viúva, então mantiveram uma amizade virtual por dois anos, até que ele se divorciou. Imediatamente, foram morar juntos e a aposentada passou a ajudá-lo financeiramente, pois estava endividado e sem emprego. Após quase 10 meses de união, junto a R$ 40 mil gastos com empréstimos e pagamentos em favor dele, o relacionamento acabou. Sentindo-se enganada, ela entrou com o pedido de indenização por estelionato sentimental.
Embora não esteja tipificado no Código Penal, casos como esse costumam ser enquadrados no crime de estelionato, conforme o artigo 171. A pena pode variar entre 1 e 5 anos de reclusão junto ao pagamento de multa. “Quando uma pessoa engana outra, para obter vantagens financeiras usando falsas promessas de afeto, pode ser responsabilizada civil e criminalmente”, explica o advogado criminalista Welington Arruda.
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Além disso, se a situação acontecer por meio eletrônico, como WhatsApp ou outras redes sociais, o crime é chamado de estelionato por fraude eletrônica, com pena de reclusão de 4 a 8 anos, e multa. Esse não foi o caso de Sônia, visto que o abuso financeiro ocorreu somente depois que foram morar juntos. Mas situações em que o estelionato amoroso ocorre somente no meio digital são as que mais se ouvem falar no Brasil — sobretudo por supostos relacionamentos amorosos que, à primeira vista, parecem absurdos.
Em 2022, uma aposentada de 61 anos perdeu R$ 208 mil ao acreditar que estava namorando o ator Johnny Depp. Outro astro de Hollywood usado por estelionatários foi Arnold Schwarzenegger, cujo golpe, divulgado no início deste ano, levou mais de R$ 238 mil de uma idosa de 72 anos. Até Elon Musk inspirou um golpista. Em setembro, viralizou a notícia de que criminosos se passaram pelo dono da Tesla, enganando uma mulher de 79 anos e levando dela R$ 4 mil.
Processos envolvendo estelionato sentimental crescem na Justiça
Não é somente na imprensa que casos do tipo ganham cada vez mais espaço. A Inspira, especializada em análises de dados jurídicos, mostra que o termo “estelionato sentimental” apareceu em 46 decisões judiciais em 2021. No ano seguinte, o número saltou para 85. Para 2024, a projeção da plataforma aponta que mais de 100 casos devem mencionar o termo.
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O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) analisou 240 casos envolvendo golpes amorosos registrados pela Delegacia de Atendimento à Mulher desde 2018. Vale dizer que, nestes casos, além do estelionato, as vítimas podem ter passado por violência doméstica.
Embora o estudo ainda esteja em andamento, algumas conclusões foram divulgadas, como o fato de as vítimas tenderem a ser mulheres mais velhas e com condição financeira melhor que a do golpista. Junto a isso, foram identificados 4 tipos principais de estelionato amoroso:
- abuso da dependência emocional pela mulher ou de sua função de cuidado para obter vantagens abusivas (como veículos ou imóveis);
- simulação de relação amorosa para obter vantagens (eventualmente com falsa identidade pelo estelionatário);
- engano mediante falsa oportunidade de negócios;
- gestão patrimonial dos bens do casal exclusiva pelo homem com fraudes para se apropriar do patrimônio comum após a separação.
Uma das responsáveis pelo estudo, Liz Elainne Mendes, promotora de Justiça do Distrito Federal, frisa que nem toda ajuda financeira ao par romântico deve ser entendida como estelionato. No entanto, a presença de dois elementos deve ser observado: a quebra da boa fé e o abuso da confiança. “De forma geral, esse ilícito pode causar danos psicológicos e morais, além de gerar reparação também na ordem econômica para a vítima.”
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No processo de Sônia, ao qual o InfoMoney teve acesso, a Justiça entendeu que o ex-companheiro dela se valeu da confiança para obter vantagens financeiras. Foram R$ 7.450 destinados à compra de uma moto junto com a carteira de habilitação. Além disso, a viúva ainda arcou com as custas do divórcio de André (R$ 3.450), aluguel até que ele fosse morar com ela (R$ 3.200), celular (R$ 1.600), dívidas de faculdade (R$ 1.800), contas de consumo (R$ 1.565) e até um cachorro (R$ 500), entre outras compras, como roupas e instrumentos musicais, que levaram a uma fatura no cartão de crédito superior a R$ 7 mil.
“Foge à normalidade que, em 10 meses de relacionamento, [ela] tenha arcado
com R$ 40 mil. A autora assim o fez porque supôs que teriam um relacionamento duradouro, pautado na confiança mútua”, diz a sentença judicial, formulada em 2021. O pedido de danos materiais foi parcialmente atendido, visto que alguns dos presentes foram devolvidos. A aposentada ainda conseguiu R$ 15 mil por danos morais.
No entanto, ainda que o termo estelionato sentimental seja citado no processo, André não recebeu a pena de reclusão. Thaís da Costa, do PLKC Advogados, explica que essa modalidade, por envolver a esfera emocional-psicológica, pode ser tratada cível (que é o caso de Sônia) ou criminalmente. “Na primeira, busca-se a indenização pelos danos materiais e morais. E na segunda, além da indenização a título de reparação pelos danos, também ocorre a punição mediante imposição de pena de reclusão.”
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De olho nas red flags
Ainda segundo Thaís, o estelionato amoroso é uma prática que se encontra no espectro dos relacionamentos abusivos. Por isso, a primeira “red flag” a ser observada é o pedido de dinheiro acompanhado de manipulação emocional. “A pessoa se faz de coitada, se lamenta, e às vezes até demora um pouco para abordar o assunto, enquanto discorre uma ladainha”, diz.
Geralmente o primeiro pedido é colocado como uma exceção — em que o estelionatário possivelmente dirá “você salvou a minha vida!” — e é apresentado com promessas de devolução o quanto antes. Mas, na realidade, o que ocorre são pedidos seguidos de outros.
Já Gamil Föppel e Raul Mangabeira, sócios do escritório Gamil Foppel Advogados, alertam para o fato de que, caso não consigam o que querem, os golpistas tendem a ameaçar terminar o relacionamento. Outra forma de manipulação é demonstrar indignação, caso a vítima questione sua situação financeira ou hesite em oferecer apoio. “Esses sinais, combinados, indicam que pode haver manipulação emocional e uma tentativa de fraude sentimental.”
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Por isso, os advogados ouvidos pelo InfoMoney listaram os 8 principais sinais de alerta que podem indicar que o relacionamento amoroso pode ser, na verdade, a cilada de um estelionatário.
- Declaração rápida de sentimentos profundos
O golpista tende a apressar o relacionamento e demonstrar compromisso ou intenções emocionais de forma muito intensa desde o início.
- Pedidos de dinheiro sem justificativa clara
O primeiro pedido costuma ser apresentado como uma exceção, com promessa de devolução rápida, mas a razão para a necessidade financeira pode ser confusa.
- Histórias dramáticas e apelos emocionais
Para pedir ajuda, a pessoa inventa problemas familiares, emergências de saúde ou dificuldades financeiras repentinas. Os detalhes não costumam ser de simples entendimento.
- Manipulação emocional
Uso de reforço positivo (tratando bem ao conseguir o que quer) e negativo (tratando mal ao ter pedidos negados). A pessoa pode ameaçar romper o relacionamento se a vítima hesitar em oferecer ajuda financeira.
- Inconsistências nas histórias pessoais
O estelionatário apresenta detalhes contraditórios sobre sua vida, muitas vezes não apresentando seus familiares ou não dispondo de redes sociais, tornando difícil verificar informações.
- Pressão para compromissos financeiros ou de patrimônio
A pressão pode envolver até pedidos de casamento com regime de comunhão de bens, sociedade em negócios ou compra de bens (imóveis ou automóveis), visando obter vantagem patrimonial.
- Isolamento social
O golpista desencoraja a vítima de se aproximar de amigos e familiares ou reluta em apresentar os seus.
- Ausência de informações pessoais verificáveis
Faltam informações que possam ser confirmadas, como local de trabalho ou detalhes familiares.
Caí no golpe do amor, e agora?
Se você acha que pode estar sendo ou foi vítima de um golpe do parceiro romântico, os advogados recomendam que provas sejam reunidas. Entre elas, estão:
- comprovantes de transferências financeiras;
- conversas por e-mail ou aplicativos de mensagens;
- testemunhas que confirmem o relacionamento e o caráter abusivo da relação.
O advogado criminalista Welington Arruda ainda recomenda uma assessoria jurídica. “Um advogado especializado vai orientar sobre as medidas legais cabíveis. Provas digitais, como mensagens e e-mails, são válidas, além de registros financeiros que demonstram as transações”, afirma.
Na mesma linha, Föppel e Mangabeira, do Gamil Föppel Advogados, reforçam que o auxílio profissional ajuda a avaliar os riscos envolvendo o patrimônio. “Pode ser feita uma busca geral em nome da pessoa, a fim de verificar se ela responde a processos ou a procedimentos criminais. O advogado poderá orientar acerca de riscos concretos quanto ao regime de comunhão de bens e a negócios jurídicos.”
Por fim, Thais da Costa, do PLKC Advogados, lembra que, considerando o caráter abusivo desse golpe amoroso, alguns casos podem envolver indícios de ameaça e violência (física ou psicológica). “Para garantia da segurança é indispensável buscar uma delegacia e fazer a denúncia”, orienta.
*Os nomes da autora da ação e de seu ex-companheiro foram trocados a fim de manter o sigilo de suas identidades e das informações referentes ao processo judicial
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