Os motoristas não devem pagar o DPVAT (seguro obrigatório contra acidentes de trânsito) em 2023, mas sem novas contribuições o fundo só tem dinheiro para pagar as indenizações por mais 1 ano, alerta o superintendente da Susep (Superintendência de Seguros Privados), Alexandre Camillo. “Do jeito que está, tem recurso para mais 1 ano só”.
Camillo também afirma que não vai renovar o aditivo com a Caixa Econômica Federal, como fez no início de 2021, no início da sua gestão, e que é necessário encontrar uma saída jurídica para resolver o problema do fundo de reserva. “Logo que chegamos, tive de assinar o aditivo de continuidade pela Caixa. Em 15 dias vencia o contrato e, se eu não o assinasse, seria uma catástrofe”.
“Mas em todo o momento eu disse que não iriamos ser signatários do modelo como está. Porque [a assinatura do aditivo] foi na urgência e por uma excepcionalidade, e você não mantém urgência e excepcionalidade por 2 anos”, afirma o superintendente da Susep.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) suspendeu o pagamento anual do DPVAT no início do seu governo, após atrito com Luciano Bivar (União Brasil), que na época presidia o PSL (partido pelo qual Bolsonaro venceu as eleições de 2018). Bivar é sócio da Excelsior, seguradora que tinha 2% da Seguradora Líder (consórcio de empresas que administrava o DPVAT).
O DPVAT é um seguro obrigatório, que era pago anualmente por todos os condutores e arcava com indenizações às vítimas de acidentes de trânsito (seja um pedestre atropelado ou um motorista ou passageiro envolvidos em uma colisão). Apesar de as contribuições ao DPVAT terem sido suspensas há 3 anos, o fundo tinha dinheiro suficiente para continuar pagando as indenizações – mas ele está acabando.
Para o seguro obrigatório contra acidentes de trânsito não parar de funcionar, o governo deu emergencialmente à Caixa o poder de gerir o fundo (e os pagamentos). Mas Camillo não quer prorrogar esse modelo, e a Susep estrutura uma Medida Provisória (MP) para dar segurança jurídica à operação, até que seja desenhado um novo formato para o DPVAT a partir de 2024.
“No momento a ideia é manter em 2023 do jeito que está, com a gestão da Caixa – tanto da regulação quanto da gestão do fundo que resta, mediante a edição de uma MP para permitir isso”, afirma Camillo. O superintendente afirma que a MP dará “conforto normativo e jurídico para todo mundo, e então vai caber à Susep cumprir com a fiscalização. Mas não seremos nós os signatários deste processo”.
Provável troca na Susep
O superintendente da Susep conversou com jornalistas em Santiago, no Chile, onde esteve no início deste mês para um encontro de entidades reguladoras do mercado de seguros. Camillo não sabe se continuará no cargo em 2023, devido à derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas diz que uma eventual saída devido à troca de poder “faz parte do processo”.
“Sobre esse momento que eu vivo, de permanência ou não, a não permanência seria o mais normal. A permanência é que seria algo que quebra um pouco a rotina”, afirma. “Então eu usei esse período eleitoral para trabalhar intramuros, para limpar a pauta, e conseguimos avançar em vários temas. Não vou diminuir a intensidade do trabalho nem me preocupar com isso [uma eventual saída do governo]”.
Letras de Seguros em Risco (LSRs)
O superintendente diz que a Susep deve levar ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), até o fim do ano, algumas medidas para aprovação que já estão em discussão na Susep, como a criação da LRS (Letras de Seguros em Risco) – que vai funcionar como uma LCI ou LCA (Letras de Crédito Imobiliário e do Agronegócio, respectivamente), mas para o setor de seguros.
O instrumento jurídico vai permitir a securitização de riscos por investidores, que serão os garantidores em caso de um sinistro, por meio da criação de SSPEs (Sociedades Seguradoras de Propósito Específico).
Com isso, Camillo diz que será possível securitizar o risco de um acidente em uma plataforma de petróleo ou uma usina nuclear, por exemplo. “A LRS vai servir para tratar de riscos de maior complexidade, que o mercado não tem apetite para garantir. Estamos terminando a regulamentação e tenho certeza que atrairá investimentos”.
Mudança no resseguro
A Susep também deve promover uma mudança no resseguro até o fim do ano: ampliar de 50% para 100% o limite de transferência de risco que uma seguradora pode fazer para uma resseguradora (essas empresas funcionam como uma ‘seguradora das seguradoras’, pois as seguradoras cedem parte do risco para uma – ou mais – resseguradoras quando fazem uma apólice com um valor muito grande).
Isso é comum no seguro rural, por exemplo, que costumam ter valores segurados muito elevados. As seguradoras fazem isso para não correr o risco de falir em caso de uma quebra de safra generalizada, por exemplo — o que a obrigaria a pagar muitas indenizações. Assim, ao ceder parte do risco para as resseguradoras, as seguradoras diminuem o risco sistêmico do setor como um todo (a resseguradora pode, inclusive, dividir esse risco com outras resseguradoras, para diluir ainda mais esse risco).
“Hoje, uma seguradora poderia transferir 50% de risco [que assume]. Com a mudança, ela vai poder transferir até 100%, mas a partir de 90% ela vai ter de justificar para a Susep porque está repassando todo o risco [para terceiros]”, afirma Camillo. “Dará mais condição ao resseguro e trará mais apetite do setor. E aumenta a chance de a seguradora aumentar o seu apetite a risco também. Até o final do ano deve ser aprovada no CNSP”.
* O repórter viajou a Santiago a convite da CNseg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização)
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