Marco das Garantias pode reduzir custo de financiamento dos veículos no Brasil?

Menos burocracia e custos na retomada de veículos dados como garantia podem estimular bancos a cortar juros

Giovanna Sutto

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O Marco das Garantias, em tramitação no Congresso Nacional, pode incentivar as instituições financeiras a promoverem quedas de juro nos financiamentos de veículos, segundo especialistas consultados pelo InfoMoney.

O texto do PL 4.188/21 propõe reformular as normas que regulamentam as garantias de empréstimos, como casas e carros, com o objetivo de diminuir a inadimplência do devedor e reduzir seu custo de crédito.

O projeto abarca, além de bens móveis (veículos), a criação da figura da gestora de garantias e novas normas para imóveis utilizados na aquisição de empréstimos.

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O PL foi aprovado pelo Senado, no início de julho, e voltou à Câmara dos Deputados. Se aprovado sem alterações, seguirá para sanção presidencial.

Confira, a seguir, os efeitos da possível aprovação do marco para o consumidor.

Como funciona hoje?

Do ponto de vista dos veículos, o projeto prevê uma simplificação no processo de retomada desse tipo de bem para empréstimos com garantias, em caso de inadimplência.

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“Ao financiar hoje um carro junto ao banco, via alienação fiduciária, a propriedade do veículo é do banco. Na prática, o consumidor vai enchendo o seu ‘copo’ de proprietário do veículo conforme paga as parcelas previstas”, explica Marc Stalder, advogado e sócio do escritório Demarest.

Na alienação fiduciária, o devedor (consumidor) faz transferência da propriedade do bem financiado (carro) ao credor (geralmente o banco) como forma de assegurar que este receberá o pagamento da dívida.

“Se esse cliente não paga, o banco pode reaver sua garantia para que a dívida seja quitada. Mas, para isso, é preciso abrir uma ação judicial, com um juiz envolvido, para fazer a busca e apreensão desse veículo”, acrescenta o especialista.

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O banco só aciona a via judicial após o cliente ser informado e as renegociações terem sido feitas, inclusive, com uma tentativa de devolução amigável do veículo. É uma espécie de última instância para receber o dinheiro, nos casos em que o consumidor não efetua o pagamento das parcelas atrasadas.

Milad Kalume Neto, diretor da consultoria automotiva Jato Dynamics, diz que o processo no judiciário é oneroso. “Quando o banco consegue retomar o bem, é comum o carro estar em condições ruins, com multas e documentação vencida. Além disso, os custos com advogados e burocracia são altos”.

Se o valor que o banco consegue com a venda do veículo é suficiente para quitar a dívida, o processo é feito e o cliente fica liberado de qualquer ônus. Porém, se o valor não é suficiente para pagar o saldo devedor do cliente, a dívida é mantida e o consumidor pode continuar sendo cobrado, diz José Nantala, sócio do Miguel Neto Advogados.

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Apesar disso, o consumidor pode ser restituído se o credor conseguir vender o bem por um preço superior ao valor da dívida. “Se a dívida é de R$ 70 mil e o carro foi vendido por R$ 100 mil, os R$ 30 mil são devolvidos ao consumidor e a dívida quitada”, explica Nantala.

Sob o Marco das Garantias, a meta é que esse processo seja simplificado ao permitir a chamada execução extrajudicial. Em vez de o banco ter que abrir uma ação e esperar uma ordem judicial ser emitida pelo juiz para conseguir reaver o bem, o banco poderá escolher uma opção fora do judiciário, que promete ser mais rápida, menos burocrática e menos custosa para ele.

O que Marco das Garantias propõe?

O texto do marco das garantias, oriundo da Câmara, foi aprovado pelo Senado no início de julho, após uma série de alterações, via emendas. O novo texto ainda precisa de mais uma aprovação da Câmara.

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De qualquer maneira, o que está previsto é que o credor (banco) poderá acionar de forma extrajudicial cartórios e Detrans pelo país para acelerar o processo de retomada de um veículo proveniente de um contrato de empréstimo com garantia em caso de inadimplência.

“A via extrajudicial já existe para bens móveis pelo decreto nº 911, mas é de 1969, ou seja, é muito antigo e na prática não funciona. É super restrito. A ideia é que o marco das garantias torne essa opção extrajudicial eficiente”, afirma Carlos Ávila, advogado especialista em direito privado e sócio do Carneiros Advogados.

Funcionaria assim:

“O cartório e o Detran não possuem poder para tomar o carro desse devedor à força. Eles vão acionar medidas restritivas para que esse veículo seja mais fiscalizado e, por ser alvo de uma inadimplência fruto de alienação fiduciária, poderá ser apreendido”, explica Ávila.

Outro ponto importante é que o Marco das Garantias traz a opção extrajudicial, mas não exclui o formato judicial. “É opcional para o credor. Se o sistema não for efetivo, o banco vai seguir abrindo ação na Justiça para ter a garantia”, pondera José Nantala, do Miguel Neto Advogados.

Os especialistas explicam que a quantidade desse tipo de processo judicial no país “afoga” o sistema. “Ao transferir essa retomada do bem do judiciário para os cartórios, você promove uma desobstrução no sistema, facilita o processo de retomada e dá estímulo para que os bancos reduzam juros”, diz Fábio Braga, sócio da área financeira do Demarest.

Essa tentativa de reduzir o volume de processos no judiciário pode ser chamada também de desjudicialização. E tem um outro projeto de lei, o PL nº 6.204/19, que trata especificamente deste tema: reduzir o acúmulo de demandas judiciais de execução que o setor enfrenta, mas em maior escala.

O relator do Marco das Garantias, Weverton de Souza (PDT-MA), retirou alguns trechos do PL 4.188/21 e transferiu para o PL 6.204/19, mais abrangente.

“Com ambos aprovados seria possível ampliar a atuação dos cartórios em processos extrajudiciais a ponto da execução da dívida [tomada do bem], como acontece hoje com a ordem judicial. Mas, enquanto esse outro PL não é aprovado, o marco só permite que o cartório notifique o cliente e restrinja a circulação do veículo”, explica Nantala.

Segundo Nantala, cerca de 50% dos processos em tramitação nos tribunais do país são relacionados a execuções de diferentes tipos de dívidas. “Na prática, é o credor tentando pegar dinheiro do devedor no judiciário”.

Por que o financiamento pode ficar mais barato?

Uma opção mais rápida, menos custosa e menos burocrática ao credor é um estímulo para que ele avalie a redução de juros ao consumidor quando for negociar um financiamento.

Marc Stalder, do Demarest, afirma que hoje o credor pode demorar de dois a três anos para recuperar a garantia, no caso o carro.

Além disso, o banco precisa desembolsar algo entre 2% e 6% do valor da dívida do cliente para ajuizar a ação judicial no processo da retomada do bem, segundo Carlos André de Morais, líder de operações da Cox Automotive, empresa de soluções automotivas. “Com o banco desonerando essa judicialização dos contratos, ele pode tirar esse custo da taxa de juros que repassa ao cliente”, explica o executivo.

Burocracia da tramitação

Considerando que o projeto ainda está em trâmite, não dá para ter certeza de que a redução dos juros será praticada, já que a adesão à via extrajudicial será opcional.

“A aprovação do Marco das Garantias pode gerar o efeito de redução de custos, sim. O credor vai poder reduzir o risco de inadimplência no cálculo dos juros porque vai ter mais garantia da recuperação do bem e poderá repassar ao cliente. Mas o banco também pode simplesmente aumentar seu spread e não cortar os juros. Entendo que os credores vão testar o modelo proposto pelo marco e avaliar a eficiência”, explica Carlos Ávila, do Carneiros Advogados.

Nantala avalia que o marco das garantias deve criar mais benefícios ao credor.

“Os benefícios para o consumidor são menores porque o nível de inadimplência no Brasil é muito alto. E quem está nessa situação tende a perder o carro mais rapidamente, se não conseguir negociar melhores condições. Do outro lado, para o credor, é uma alternativa para ter sua necessidade atingida de forma mais célere”, diz o advogado do Miguel Neto.

Outra questão, segundo os especialistas, está relacionada à burocracia da tramitação do PL. “Se sancionada, a lei ainda precisará ser regulamentada por decretos, normas do Conselho Nacional ou Detran. Depois, será necessário tabelar os emolumentos dos cartórios, que é de compentência estadual para as regras serem aplicadas”, explica Stalder, do Demarest, reforçando que ainda não está claro como funcionaria as regras propostas pelo texto.

Giovanna Sutto

Jornalista com mais de 6 anos de experiência na cobertura de finanças pessoais, meios de pagamentos, economia e carreira. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.