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As mulheres são maioria da população brasileira, mas minoria em cargos de liderança. A desigualdade entre os gêneros no mundo corporativo é observada também no setor de seguros. Levantamento da ENS (Escola de Negócios e Seguros) mostra que se nas seguradoras elas equivalem a 57% dos cargos de menor qualificação, entre os executivos, representam 31%.
Ainda conforme a pesquisa, as desigualdades persistem também nos ganhos salariais e nos cargos de chefia. Veja alguns números:
- Em 2015, o salário médio era de R$ 5,4 mil para homens e R$ 3,9 mil para mulheres;
- Em 2018, os valores subiram para R$ 6,3 mil e R$ 4,5 mil, respectivamente;
- Em 2021, os homens ganhavam R$ 8,3 mil por mês e as mulheres, R$ 5,8 mil.
Um dos nomes cotados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assumir o Banco do Brasil, Ângela Beatriz de Assis, 57, considera que há uma evolução importante nos últimos anos na representatividade feminina no setor, mas reconhece que esse processo não ocorre na velocidade necessária.
“O ideal é você ter uma representatividade nas empresas que reflita a configuração da população brasileira”, diz a executiva, que ocupa o cargo de presidente da BrasilPrev e é a única mulher entre os vice-presidentes da FenaPrevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida).
Em entrevista ao InfoMoney, Ângela diz que, entre as muitas dificuldades encontradas por ela no meio corporativo, uma a incomoda: a ideia de que toda mulher em cargo de liderança é naturalmente brava. “Sou uma pessoa mais assertiva que se posiciona e, por causa disso, tenho fama de ser brava. Um homem é apenas assertivo”, enfatiza.
“A gente precisa trabalhar forte para que a ‘síndrome da mulher impostora’ não esteja presente no nosso cotidiano. Ninguém está 100% pronto, mas a mulher só se candidata a um cargo de liderança se tiver 100% das competências, o homem se candidata se tiver 50% ou 60% e está tudo bem”, destaca.
Veja, a seguir, os principais trechos editados da entrevista:
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InfoMoney – Estudo da ENS mostra que, nas seguradoras, as mulheres equivalem a 57% dos cargos de menor qualificação; entre os executivos, representam 31%. Como avalia a evolução da participação feminina no mercado segurador?
Ângela Assis – Nos últimos dez anos, a gente vem assistindo a um crescimento de mulheres em cargos de liderança, muito em razão das discussões sobre o tema. Na FenaPrevi, por exemplo, mas se você olhar, são cinco vice-presidentes e sou a única mulher. Ainda somos a minoria, mas essa situação está evoluindo.
Já tem seguradoras importantes com mulheres como CEO. São movimentos importantes, porque essas mulheres em posições de comando levam outras mulheres, e a gente assim vai conseguindo mudar o mercado.
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Quais as dificuldades encontradas pelas mulheres no mercado segurador?
O ambiente segurador é dominado por homens. Sempre me comportei de forma mais assertiva, mas ganhei a fama de ser brava. Homem é só assertivo. Há uma diferença nisso.
Ao longo da minha carreira, sempre me posicionei muito, mas para isso foi preciso um preparo. É importante nunca deixar as pessoas dizerem do que você é capaz. Você sabe do que é capaz. É um mito classificar mulheres com características específicas que não têm aderência para um cargo executivo.
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Às vezes, a gente ouve: ‘você é muito mole. Isso é mito.’ Por outro lado, as pessoas precisam estar satisfeitas com o que elas querem. A mulher que busca ficar em casa e cuidar dos filhos, está ótimo. Se quer ser presidente de uma companhia, também.
A gente precisa trabalhar forte para que a ‘síndrome da mulher impostora’ não esteja presente. Veja uma situação: a mulher, em geral, só se candidata a uma vaga de liderança se tiver 100% das competências. Já o homem se candidata se tiver 50% ou 60% e está tudo bem.
Como é o seu cotidiano nesse ambiente?
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Na FenaPrevi, entre a diretoria e a vice-presidência, sou a única mulher. Não é um problema porque coloco a minha posição e sinto que sou ouvida.
Mulheres aprendem que precisam ser boas profissionais, mães e donas de casas. Como você enfrenta essa cobrança em pleno 2023?
É preciso ser menos crítica consigo mesma. Não tem como ter tantos papéis e exercer todos eles com perfeição. Equilíbrio é a meta, além do apoio do companheiro na divisão das tarefas.
A gente não precisa estar o dia inteiro com os nossos filhos para dar uma boa educação, mas é importante que quando a gente estiver com eles, que esse momento seja pleno.
Trabalho de 10 a 12 horas por dia porque é do meu perfil. Fui casada, mas não tive filhos. Cuido dos meus pais, tenho quatro cachorros e uma sobrinha que necessita de cuidados especiais.
De novo: não se cobrar tanto é um aprendizado. É por isso que as mulheres se candidatam menos aos cargos de liderança porque não se acham suficientemente boas ou pensam que a função vai afastá-las da família.
A autosabotagem exacerbada atrapalha muito o crescimento pessoal e profissional da mulher.
Os direitos femininos ganham mais visibilidade em março. O que pensa da ‘pauta-calendário’?
Falta falar não só da questão da pouca representatividade das mulheres nas empresas. É preciso falar, sobretudo, sobre elas para elas. E essa busca consiste em dizer a elas que é possível se candidatar em cargos de liderança. De novo: muitas mulheres esperam estar 100% prontas para essa disputa, mas o que eu queria dizer é: ninguém é 100%.
O que as empresas precisam fazer para criar uma equidade de oportunidades entre homens e mulheres?
O ideal é ter uma representatividade que reflita a proporcionalidade da população brasileira dentro da própria empresa. É ter políticas ESG [sigla que representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa] que, de fato, encaminhem e induzam a ter uma maior diversidade, não só de liderança feminina, mas de profissionais pretos e pardos. Só assim se alcança uma empresa mais diversa.
A gente, por exemplo, tem cerca de 44% do quadro feminino, com 40% de liderança feminina. Eu tenho métricas específicas sobre isso, e as seguradoras de uma maneira geral também estão com essa estratégia. Tem a Patrícia Freitas, que, desde janeiro, foi indicada como CEO da Prudential, por exemplo.
Temos conversas para parcerias com entidades que consigam nos ajudar a trazer maior diversidade no recrutamento dos talentos, focado em profissionais pardos, indígenas e com alguma deficiência. Mas é preciso evoluir e com velocidade adequada.
Como você vê o futuro da liderança feminina no Brasil?
Temos um futuro promissor. As novas gerações estão mais preparadas e se posicionando. Na minha geração, talvez, o machismo fosse melhor aceito. A sociedade tem cobrado a pauta ESG, e acredito que vamos ter evolução na liderança feminina.
Um ambiente mais diverso traz resultado, inclusive, financeiro. Não é porque é legal, é porque é importante, é justo e traz melhores condições em todos os aspectos.
RAIO-X
Ângela Beatriz de Assis, 57, é graduada em Relações Internacionais pela UNB (Universidade de Brasília), com MBA em Recursos Humanos na FGV (Fundação Getulio Vargas) e especialização em Liderança Estratégica pela Inepad/Unisinos.
Iniciou a carreira no Banco do Brasil em 1992, atuando em diversas áreas. Por onze meses liderou, como diretora de Seguros, a Previdência Aberta e a Capitalização, até assumir a função de diretora de Clientes, Comercial e de Produtos da BB Seguros entre 2013 e 2017.
Tornou-se, depois, diretora comercial e de marketing na Brasilprev e, desde novembro de 2020, é a primeira mulher a ocupar o cargo de diretora-presidente da companhia.
Como conselheira, foi membro do Conselho de Administração do BB Dental (2016/2017). De 2017 a fevereiro de 2020, foi conselheira fiscal da BB Elo Cartões. Desde o início do ano de 2022, participa do Coaud da Brasilcap e do Conselho Fiscal da Gerdau Metalúrgica.
Veja também 1º episódio de “Tá Seguro”: