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Desde março a Lei de Igualdade Salarial, que tornava obrigatória a divulgação do relatório de transparência salarial pelas empresas, provocou uma enxurrada de disputas judiciais entre as empresas e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Várias entidades foram à Justiça buscar liminares para barrar a divulgação. Algumas foram obtidas e depois cassadas, mas duas entidades empresariais conseguiram liminares que desobrigam empregadores com mais de 100 funcionários a publicar o relatório de transparência e igualdade salarial entre homens e mulheres.
A mais recente, obtida no dia 18 de julho, foi dada pelo plenário do Tribunal Regional Federal (TRF) da 6ª Região à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Por unanimidade, o tribunal restabeleceu a liminar cassada, ao julgar recurso de agravo da entidade. A ação civil pública questionava as obrigações instituídas pelas normas regulamentares da Lei de Transparência Salarial e pedia a suspensão da obrigatoriedade de as empresas que tivessem mais de 100 funcionários registrados divulgassem o relatório de transparência salarial.
A segunda decisão foi obtida pelo Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Sindimaq), em junho, quando o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), de São Paulo.
Para a Fiemg, a medida viola diversos direitos e ainda traz um risco de exposição de dados pessoais do empregado e de sua renda assim como de dados estratégicos das empresas. O documento passou a ser exigido em julho do ano passado, quando a lei que estabelece igualdade salarial entre homens e mulheres (Lei nº 14.611) foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Houve uma violação de princípio da legalidade, uma vez que não existe na lei nada que obrigue essa publicação do relatório. Na regulamentação da lei, eles extrapolaram e incluíram essa obrigação”, explica a superintendente jurídica da Fiemg, Letícia Lourenço Gallo. Ela frisa ainda que o relatório é defasado, pois foi obtido com base na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2022, ou seja, com dois anos de diferença.
“E o pior é que esse relatório não considera o número de funcionários afastados, entre eles muitas mulheres em licença maternidade. O que distorce ainda mais os dados e torna pior a replicação das informações, considerados ininteligíveis até por consultorias contratadas pelas empresas para decifrar os dados”, afirma a advogada.
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Direito estendido
O pedido a Fiemg foi feito para todas as empresas de sua base, mas, segundo Letícia, o desembargador foi além e estendeu o direito a todas as pessoas jurídicas com mais de 100 empregados, não limitando apenas ao estado de Minas Gerais. Agora, até que seja decidida a sentença, ninguém é obrigado a publicar o relatório em suas páginas.
“Não temos nada contra a equiparação salarial, mas sim com a forma como o relatório é obtido e divulgado”.
Agora só o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode julgar a liminar, se a união recorrer. Caso contrário, o processo segue seu rito, voltando para os tribunais que vão julgar se o uso da Rais de 2022 é válida ou não.
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Para a advogada Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados & Associados, a decisão do TRF-6 reacende o debate sobre a competência dos tribunais para julgar ações de âmbito nacional. “Ao considerar fora da competência do TRF-6, o que gerou a anulação da cassação de liminar, a Justiça abre precedentes sobre a necessidade de que decisões dessa magnitude sejam tomadas por instâncias superiores, como o STJ ou o Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, no mérito, a decisão do TRF-6 alerta para os riscos da proteção dos dados pessoais, conforme previsto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e na Constituição Federal.
Quem ganha?
As maiores beneficiadas, na opinião de Daniela, são as empresas que possuem estruturas salariais mais complexas, que ganham um alívio temporário com a suspensão da obrigatoriedade de publicação dos relatórios. “Muitas argumentam que a divulgação dessas informações poderia expor segredos empresariais, bem como provocar danos à imagem das empresas, o que foi acolhido pelos tribunais”, disse.
Quem Perde?
A principal perda, no entanto, é para os trabalhadores, particularmente as mulheres, segundo a advogada. Isso porque elas deixam de ter um instrumento legal de transparência e fiscalização da equidade salarial. “A falta de publicação dos relatórios pode dificultar a identificação e correção de disparidades salariais injustificadas, perpetuando a desigualdade de gênero no ambiente de trabalho”, avalia a advogada do Poli Advogados & Associados.
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Para a especialista, ao questionar a validade dos dispositivos infralegais e seu alinhamento com a LGPD, a decisão judicial coloca em xeque a eficácia das políticas públicas voltadas para a transparência e igualdade salarial. Isso exigirá um aprimoramento legislativo e regulatório, com base em um debate mais profundo e uma regulamentação mais detalhada que contemple as preocupações de todos os envolvidos. “A regulamentação deve prever mecanismos robustos de anonimização dos dados e permitir que as empresas justifiquem diferenças salariais com base em critérios legítimos, como produtividade e função”, finaliza Daniela.
O advogado Sergio Pelcerman, sócio da área trabalhista de Almeida Prado & Hoffmann Advogados, concorda que a discussão, que já se encontra no STF, deve ser aprofundada. “O formato instituído para os relatórios pode acarretar excessos, no que se refere aos dados, e são capazes de ocasionar problemas irreparáveis, por isso devem ser discutidos e revistos”, disse.