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As brigas entre os 56 herdeiros da pintora Tarsila do Amaral escalou de tal forma que a Justiça decidiu intervir. O número de ações e petições foram tantos que, no último dia 11 de outubro, a Juíza Eliane da Camara Leite Ferreira, da 1ª Vara da Família e Sucessões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), decidiu colocar ordem na casa e determinou que o inventariante, sob pena de remoção, especifique quais os bens e direitos estão sendo inventariados em até 20 dias, a partir do anúncio da decisão.
Ela pede que se junte todos os documentos pertinentes e lembra que cotas e ações de empresas constituída após o falecimento da artista ou por terceiros, ainda que herdeiros, não será objeto de partilha e discussão no processo. Ressaltou ainda que sem isso não é viável saber os limites da administração do inventariante.
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Outro ponto determinado pela Justiça é a organização da herança a ser dividida, definindo que netos e bisnetos de herdeiros, que nem existiam quando a artista morreu, não entram na sucessão, pois por lei não são herdeiros.
Como tudo começou
A venda de um quadro de Tarsila, avaliado em R$ 16 milhões, começou essa disputa entre os herdeiros e, há quase cinco anos, a família Amaral está envolvida nessa briga pelo comando dos direitos autorais da pintora de Abaporu. Tarsila morreu em 1973, aos 86 anos, e não deixou filhos nem marido, os chamados herdeiros necessários.
Em 2005, seu espólio passou a ser administrado pelos sobrinhos-netos Tarsila do Amaral (a Tarsilinha), Paulo do Amaral Montenegro, Luís Paulo do Amaral e Heitor do Amaral. Juntos, eles criaram uma empresa para licenciar produtos e exposições sobre a artista e dividir os lucros entre os 56 herdeiros
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Até 2020, Tarsilinha negociava as parcerias comerciais e exposições, atuando com o aval dos demais sócios da empresa. O dinheiro dos royalties era dividido igualmente entre os quatro, que repassavam os valores aos restantes. E tudo vinha dando certo. Tanto que a marca que leva o nome de Tarsila do Amaral se tornou popular, estampando camisetas, cadernos e chinelos, entre outros produtos.
A questão começou a ficar ainda mais complicada após as vendas milionárias dos quadros “A Lua” e a “A Caipirinha”, por R$ 74 milhões e R$ 57,5 milhões, respectivamente. Mesmo não fazendo mais parte do patrimônio de família, eles obtiveram um bom resultado, se revertendo em ganhos aos herdeiros graças ao chamado direito de sequência.
Direito de sequência: entenda o que é
O direito de sequência é um princípio legal, que confere ao autor, ou herdeiros, o direito de receber uma compensação financeira de pelo menos 5% do valor da venda sempre que uma obra original for negociada subsequentemente. Nisso se inclui obras como pinturas, esculturas, gravuras, entre outras, e engloba tanto as vendidas em leilões quanto aquelas comercializadas por meio de galerias de arte ou outros meios de venda.
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Esse direito é adotado em diversos países e tem como objetivo proteger os interesses econômicos dos artistas, permitindo que eles recebam uma porcentagem do preço de revenda de sua obra ao longo do tempo.
De acordo com advogados especialistas na área ouvidos pelo InfoMoney, durante muitos anos, negociantes e proprietários de obras de arte deixaram de fazer os pagamentos do direito de sequência sob a alegação de que a legislação continha lacunas que impossibilitavam sua apuração.
Por outro lado, artistas e sucessores nem sequer sabiam da existência de tal direito e, os poucos que tinham conhecimento sobre o assunto, com raras exceções, temiam partir para o embate judicial e arcar com suas consequências (como despesas judiciais e eventuais boicotes). No Brasil, o direito de sequência é limitado a um máximo de 70 anos após a morte do artista
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Quem são os herdeiros?
Essa disputa trouxe à tona uma dúvida crescente entre as famílias, especialmente com a redução no número dos filhos. Quem fica com a herança quando uma pessoa não tem os chamados herdeiros necessários, como filhos, pais e cônjuges? No caso de artistas ainda há um complicador a mais: não são apenas bens materiais envolvidos no patrimônio, mas também os imateriais, como direitos autorais de obras que continuam sendo negociadas e por altos valores.
Segundo Pierre Moreau, advogado especializado em Direito Sucessório, sócio do Moreau Advogados e professor de Direito e Arte da University of St. Gallen, na Suíça, é muito diferente o processo de herança com patrimônio físico e um com patrimônio imaterial. No primeiro caso, discute-se a divisão dos bens, mas quando termina está resolvido e cada um vai para sua casa. “No caso de artistas, tem a administração desse legado e os lucros gerado por ele. O que Tarsilinha vinha fazendo bem, tanto que multiplicou. Mas o aumento de valores das obras aumentou também a cobiça, levando às brigas”.
O que diz a lei
Pela lei brasileira, há duas classes de herdeiros, os necessários e os colaterais. Filhos, pais e cônjuges são os chamados herdeiros necessários, ou seja, têm o direito prioritário de receber 50% dos bens. Na ausência dos primeiros, a herança pode ir para os herdeiros colaterais, onde entram irmãos, tios, primos e sobrinhos, como explica a advogada Renata Severo, especialista em direito sucessório do Vilhena Silva Advogados. “Na ausência destes dois tipos de herdeiros, o juiz publica um edital convocando possíveis herdeiros a se apresentar. Em um ano, se não aparecer ninguém, a herança é declarada vacante e vai para o estado”, disse a advogada.
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Ela explica ainda que há limites entre os herdeiros colaterais, porque só são considerados herdeiros até 4º grau. Ou seja, em primeiro grau são os necessários, em segundo irmãos, em terceiro tios e sobrinhos, e em quarto sobrinhos netos, como no caso de Tarsila.
Desvalorização do legado
“O Brasil tem essa particularidade na linha sucessória, o que coloca o país como um dos mais generosos no direcionamento da herança, diferente dos Estados Unidos, se pode fazer o que quiser com seus bens. Por isso, a abertura de testamentos por lá sempre tem emoção”, afirma Moreau.
Segundo o advogado, nos casos como de Tarsila, que não terminam com uma partilha de patrimônio, é necessária a criação de uma empresa para administrar os ganhos obtidos de forma continuada. Isso inclui também administrar o chamado “Catalogue Raisonné”, um catálogo com todas as obras da artista, reconhecidas e atestadas como verdadeiras. “No caso de Tarsila, há uma obra cuja autenticidade está sendo questionada por mais da metade dos herdeiros, mas que está sendo atribuída como verdadeira pelo inventariante Paulo Montenegro, o que começa a colocar em xeque o valor das obras, podendo derrubar os preços”, explica.
Há ainda um conjunto de desenhos que teriam sido feitos pela pintora modernista que também viraram alvo de um processo na Justiça para terem sua autenticidade reconhecida, depois de aparecer num site de comercialização de NFTs como sendo autênticos.
Em setembro de 2024, o TJSP decidiu impedir a comercialização desses ativos digitais, sem a devida comprovação de autenticidade, assegurando que a gestão dos direitos de imagem seja conduzida de forma legal, conforme determinado pelo processo de inventário.
“O problema é que, quando um artista começa a ter muita obra questionada, o preço despenca, por isso esse processo é ruim para todos os herdeiros que querem manter a valorização”, disse Moreau.
Estima-se que as obras de Tarsila tem o poder de se equipar às de Frida Khalo. Mas o processo pode derrubar os ganhos e levar tempo para que os herdeiros consigam voltar a receber alguma coisa. Por isso, os advogados dizem que o melhor é o acordo rápido, uma vez que a partir de 2043 isso acaba e os direitos caem no domínio público.
“Dá para ver que eles estão travando um duelo que é ruim para eles, porque bloqueia os recursos todos. Além disso, cria uma turbulência que afeta os valores das obras, como já aconteceu com outros artistas”, diz Moreau. Segundo ele, se não houver acordo sobre quem vai cuidar disso tudo, o juiz poderá determinar até uma pessoa de fora para essa gestão do legado, como ocorreu no caso de Alfredo Volpi.
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