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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou uma Medida Provisória (MP) que taxa as aplicações financeiras no exterior pelo Imposto de Renda das Pessoas Físicas.
Para compensar parte do que deixará de arrecadar com o aumento da isenção do Imposto de Renda para dois salários mínimos, o governo taxará o rendimento de pessoas físicas residentes no Brasil em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior. Esses investimentos muitas vezes são feitos em offshores (paraísos fiscais), livres de impostos.
Na avaliação de Ana Carolina Monguilod, advogada tributarista do I2A e professora do Insper, o texto da Medida Provisória (MP) nº 1.171, publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), é “mais sofisticado” e, de alguma forma, busca superar as frustrações “de tentativas anteriores de tributação dessa modalidade de investimento”.
“Mas o ideal era o governo ter feito essa discussão por meio de um projeto de lei que acaba gerando mais interlocução com a sociedade. Medida Provisória só deveria ser usada para matérias mais urgentes”, pontua a especialista.
Segundo comunicado do Ministério da Fazenda, com a medida, o Brasil integra um grupo de países desenvolvidos que impuseram o mesmo modelo de tributação, como Alemanha, Canadá, Japão, França e Reino Unido. A China também é citada no informe da pasta.
A seguir, o InfoMoney lista respostas às principais dúvidas sobre a MP e o impacto do texto, que ainda será analisado pelo Congresso, aos investidores. Confira:
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Qual a principal mudança trazida pela MP?
Segundo o texto da MP, as pessoas físicas precisarão computar de forma separada os rendimentos do capital aplicado fora do país, a partir de 1º de janeiro de 2024.
Como será a tributação?
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A taxação será progressiva e vai variar de 0% a 22,5%. Veja:
- 0%, sobre a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$ 6 mil;
- 15%, para rendimentos anuais entre R$ 6 mil e 50 mil;
- e de 22,5% para parcela acima de R$ 50 mil.
Quais rendimentos serão afetados pela MP?
A taxação vai incidir sobre as aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e bens e direitos presentes nos chamados trusts.
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O que são trusts?
São fundos usados para administrar quantias de terceiros. O trust é regido por lei estrangeira e estabelece uma relação jurídica entre quem possui os recursos, a entidade responsável por administrar os valores e a pessoa indicada para receber os bens e os direitos.
Quando o recursos serão tributados?
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O texto prevê tributação, a partir de 2024:
- No lucro de entidades no exterior de pessoas físicas residentes no Brasil sob regime diferenciado de tributação (englobam os paraísos fiscais);
- Nas entidades controladas que não gerarem de forma significativa renda própria pela exploração de atividade econômica;
- Nos fundos de investimento e fundações, em que a pessoa física possuir, de forma direta ou indireta, direitos que lhe assegurem poder de eleger ou desfazer a maioria dos seus administradores.
- E nas sociedades em que a pessoa possuir, direta ou indiretamente, mais de 50% de participação no capital social ou o equivalente na obtenção de recursos.
Quando os recursos serão tributados?
A taxação será realizada quando:
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- houver operações de crédito realizadas com a pessoa física ou com alguém a ela vinculada (cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau).
MP diz que o valor de bens e direitos no exterior poderão ser atualizados. O que o texto propõe?
As Pessoas Físicas residentes no país poderão atualizar, segundo a MP, o valor de bens e direitos no exterior para valor de mercado em 31 de dezembro de 2022 e tributar a diferença para o custo de aquisição com alíquota definitiva de IRPF de 10%. Neste caso, o imposto deve ser pago até 30 de novembro deste ano.
Na regra anterior à MP, o contribuinte só era obrigado a atualizar os valores dos ativos, com o pagamento do imposto correspondente, no momento em que registrava um ganho (como resgate de valores de um fundo).
A atualização é opcional e caso o investidor não quiser fazê-la ficará sujeito às alíquotas que variam de 0% a 22,5% (veja resposta acima sobre isso).
Com a alíquota fixa em 10% o governo tenta incentivar a atualização do patrimônio das pessoas físicas no exterior e garantir a entrada de mais recursos aos cofres públicos.
A MP já está valendo?
A MP entra em vigor com força de lei, mas ainda precisa ser aprovada pelo Congresso antes de ser convertida definitivamente em legislação.
Qual é o objetivo da MP?
A MP foi publicada em meio a esforços do Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação, vista como fator essencial para o sucesso do novo arcabouço fiscal atualmente em tramitação no Congresso. A pasta da Fazenda afirma que a MP tem o potencial de arrecadar ao menos R$ 3,25 bilhões para o ano de 2023; outros R$ 3,59 bilhões em 2024 e cerca de R$ 6,75 bilhões em 2025.
Os R$ 3,25 bilhões apenas para este ano podem cobrir o impacto do aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, que agora subiu para R$ 2.640.
Taxação dos ‘Paraísos Fiscais’
A taxação de recursos alocados em paraísos fiscais sempre esteve na mira de diferentes governos. Na gestão Bolsonaro (2019-2022), o então ministro Paulo Guedes previu um projeto de lei sobre o tema, mas a iniciativa não obteve sucesso.
Na ocasição, um projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que teve acesso a 11,9 milhões de documentos sobre companhias sediadas em paraísos fiscais, mostrou que o próprio Guedes mantinha uma empresa offshore em um paraíso fiscal com US$ 9,55 milhões.
No Brasil, a investigação batizada como “Pandora Papers” foi feita pela revista piauí, pela Agência Pública e pelos sites Poder360 e Metrópoles.
Segundo esses veículos, Guedes criou uma offshore chamada Dreadnoughts International em setembro de 2014, nas Ilhas Virgens Britânicas, um conhecido paraíso fiscal do Caribe, e ao longo dos meses seguintes depositou um total de US$ 9,55 milhões na conta da empresa.
Embora manter offshores não seja ilegal – desde que os valores sejam devidamente declarados à Receita Federal -, um artigo do Código de Conduta da Alta Administração Pública proíbe autoridades públicas de investirem em bens “cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental” a respeito da qual o funcionário tenha “informações privilegiadas, em razão do cargo ou função”. Isso inclui “investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo”.
Segundo a piauí, Guedes teria informou a Comissão de Ética Pública (CEP) sobre seus investimentos no exterior logo no início de sua gestão.
(Com informações de Estadão Conteúdo e Reuters)