Gasolina nunca foi tão cara no Brasil, mas por quê? Entenda o que faz o preço disparar

Impactos do combustível a mais de R$ 7 por litro em alguns estados ampliam a inflação e são sentidos no bolso do consumidor

Alexandre Rocha

(Foto: Bloomberg)
(Foto: Bloomberg)

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SÃO PAULO – Nunca foi tão caro encher o tanque. O preço médio do litro da gasolina comum no Brasil chegou a R$ 5,955 na última semana, segundo levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) feito entre os dias 15 e 21, mas pôde ser encontrado acima de R$ 7 em postos no Acre, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O valor médio de agosto, R$ 5,90, é o maior dos últimos 20 anos em termos nominais. Desde o início de 2021, o combustível aumentou quase 28%.

Um dos principais motivos é a cotação do petróleo no mercado internacional. O barril do tipo Brent – negociado em Londres e usado pela Petrobras para cálculo de preço – aumentou quase 40% desde o início do ano, pressionando os preços dos combustíveis fósseis em geral.

A Petrobras, que fornece para as distribuidoras, calcula o preço nas refinarias com base na cotação do petróleo e na taxa de câmbio, pois a commodity é cotada em dólar. Nesse sentido, a valorização da moeda norte-americana, acumulada em 1,55% em 2021, também forçou para cima a gasolina. A estatal aumentou o preço do combustível nove vezes somente neste ano.

Depois de uma forte queda no início da pandemia de Covid-19, resultado do desaquecimento da economia mundial e de uma disputa entre Arábia Saudita e Rússia – que inundaram o mercado na ocasião, forçando os preços para baixo –, a cotação do petróleo voltou a subir conforme as atividades econômicas foram sendo retomadas. Mas se o consumo de combustíveis cresceu, a produção mundial não avançou no mesmo ritmo.

De acordo com informações da Agência Internacional de Energia (AIE), a produção mundial de combustíveis estava em 92,3 milhões de barris por dia no segundo trimestre de 2020, ao passo que a demanda era de 84,8 milhões de barris. No mesmo período de 2021, a procura aumentou para 96,7 milhões de barris diários, mas a produção ficou em 94,9 milhões de barris. Segundo projeções da AIE, a produção mundial só deve voltar a ultrapassar a demanda no primeiro trimestre de 2022.

Mas há outros fatores que podem influenciar na cotação do petróleo, como um recrudescimento da pandemia, com a variante Delta, e riscos geopolíticos, a exemplo de conflitos regionais. “Não temos controle sobre esta volatilidade”, afirmou o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura de Energia (CBIE), Pedro Rodrigues.

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Na variação do câmbio, porém, o Brasil poderia ter mais tranquilidade. A desvalorização do real ocorre por motivos externos e internos, e entre estes fatores estão as incertezas sobre o futuro da pandemia, o compromisso do governo com a reponsabilidade fiscal e a instabilidade política.

O peso do etanol

Outro item que contribui para o aumento da gasolina é o preço do etanol. No Brasil o etanol hidratado é vendido como combustível nos postos e o etanol anidro é misturado à gasolina na razão de 27%. Ambos estão em alta.

O preço do etanol anidro amentou 5,18% no último levantamento semanal feito em São Paulo pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Esalq/Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). No ano, a variação chega a 56,5%.

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Uma das razões é o resultado da safra de cana-de-açúcar 2021/2022, que está abaixo da produção do ciclo anterior. O último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê redução de 9,5% na colheita de cana e de 10,8% no volume total de etanol.

“Na crise hídrica, uma das culturas mais afetadas é a da cana. Ocorreram perdas grandes com a seca e com as geadas”, disse o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

O etanol anidro está mais rentável para os usineiros do que o hidratado, então mesmo com a quebra de safra houve aumento da produção do primeiro e redução do último.

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“Houve, até a data do levantamento, priorização na produção do álcool anidro – 10,8 bilhões [de litros], com crescimento de 5,9% em relação ao ano anterior, em detrimento do hidratado – 18,3 bilhões, redução de 18,5% em razão da maior rentabilidade do anidro neste exercício”, informa o relatório da Conab.

O preço médio do etanol hidratado, vendido nos postos, avançou 37% ao longo do ano e está em R$ 4,50, de acordo com a ANP. Além da redução da produção, o próprio avanço do valor da gasolina influencia a precificação.

De acordo com Rodrigues, do CBIE, o etanol hidratado tende a aumentar quando a gasolina sobe, num ciclo que se retroalimenta. “Os preços nos postos são livres. Quando um produto concorrente sobe, [o dono do posto] aumenta o outro também”, comentou. A ANP pesquisa preços, mas não os controla.

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Para o consumidor economizar ao abastecer, considerando as diferenças de desempenho dos automóveis com os dois combustíveis, o valor do etanol hidratado tem que ser de até 70% o da gasolina. Se a preocupação é ambiental, no entanto, não há o que discutir: o biocombustível é muito menos poluente.

A composição do preço da gasolina

Segundo a ANP, o valor da gasolina nos postos de combustível é composto da seguinte forma: preço do produtor da gasolina (35,6%), que basicamente é a Petrobras; preço do etanol anidro (14,8%); tributos federais como Cide, PIS/Pasep e Cofins (12,6%); tributos estaduais, que é o ICMS (28,1%); e margem da distribuição e revenda (9%). Os percentuais podem variar conforme o período e o estado de comercialização.

Os impostos são o item com maior peso no bolo, principalmente o ICMS, que é estadual. “Os governos sempre olham para a gasolina como fonte de arrecadação, como na eletricidade, e não com olhar de políticas públicas adequadas”, observou Rodrigues. Segundo Braz, neste momento, porém, não há margem para redução de tributos, pois os estados estão endividados e têm pouca capacidade de investimentos.

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Na avaliação dos analistas, não existem alternativas de curto prazo para segurar o preço da gasolina. Na visão de Rodrigues, porém, os governo podem promover iniciativas para atender determinados segmentos da população usando recursos do Tesouro, como é o caso do Vale Gás, em São Paulo, que transfere dinheiro para famílias vulneráveis comprarem gás de cozinha. Para Braz, as soluções são de longo prazo, como a construção de novas refinarias.

O governo pode intervir?

No passado, o governo costumava intervir no preço da gasolina por meio da Petrobras. Na avaliação de analistas, porém, a prática não é recomendável. Vale lembrar que a petrolífera, apesar de estatal, é uma companhia de capital aberto, e eventuais intervenções podem causar prejuízos aos demais acionistas.

“Sempre que o governo tentou dissociar a política de preços das leis do mercado, criou ineficiências no setor e na remuneração do capital privado, que espera ganhar rentabilidade. Com o represamento [de preços], isso se transforma em prejuízo”, observou Braz.

Segundo os economistas, intervenções inibem investimentos não só na Petrobras, mas no setor como um todo. “Expulsam os investidores e alguém vai ter que pagar a conta”, declarou Rodrigues. Exemplo disso é o baixo número de refinarias no País (18), em comparação com os Estados Unidos, por “medo do governo”. “São 160 nos EUA”, ressaltou.

Em fevereiro deste ano, em meio à escalada de preços, o presidente Jair Bolsonaro trocou o comando da Petrobras, anunciando pelas suas redes sociais que o general Joaquim Silva e Luna substituiria Roberto Castello Branco, que então ocupava a presidência da estatal. Isso fez as ações da empresa despencarem – foram quatro meses até que os papéis da companhia retornassem ao patamar anterior à mudança.

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Os impactos na inflação

Assim como a gasolina, e por fatores semelhantes, o preço médio do gás liquefeito de petróleo (GLP) – o de botijão – aumentou 21,5% desde janeiro, para R$ 94,40 em agosto. Em estados como Mato Grosso e Pará, chega a R$ 130. São itens que têm participação importante no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador oficial de inflação do Brasil, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ou seja, além de doer no bolso na hora de abastecer o carro ou de cozinhar, os aumentos dos preços dos combustíveis se refletem diretamente na inflação, que neste ano, até julho, era de 4,76%. Gás e gasolina estão entre os itens que mais contribuíram para o avanço do índice.

Isso porque, além do impacto direto, há também efeitos indiretos. Assim como a gasolina e o etanol, o preço médio do diesel também está em alta de quase 25% desde janeiro – e a maior parte dos transportes de carga e coletivos do país depende deste combustível. Conclusão: ele força para cima o custo das mercadorias e da mobilidade.

“O aumento do diesel é até mais perigoso. A gasolina afeta orçamento familiar, mas o diesel pesa no escoamento de produtos, no frete e no ônibus urbano”, observou Braz. “Pode fazer até os produtos da feira livre subirem”.

Alexandre Rocha

Jornalista colaborador do InfoMoney