Endividado por amor? “Estelionato sentimental” avança no país; veja como se proteger

Termo em decisão judicial subiu nos últimos anos e casos vêm sendo observados mais de perto; especialistas dão dicas para evitar armadilhas

Anna França

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A cada 16 segundos ocorreu um estelionato no Brasil entre os anos 2021 e 2022, de acordo com o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no final de julho deste ano. Conhecido pelo artigo 171 do Código Penal, o estelionato atingiu a marca recorde de 1.819.409 de casos no período, o que representou um aumento de 37,9% no número de ocorrências em todo o país. No meio desse pacote todo, está incluída uma modalidade que também vem crescendo muito nos últimos anos, mas ainda não está tipificado na lei. Trata-se do “estelionato sentimental”, termo que vem aparecendo cada vez mais nas decisões da Justiça por todo o Brasil.

Representado pelo ato de induzir uma vítima a entregar bens ou valores para si ou para outra pessoa mediante a promessas de uma relação afetiva, o termo foi citado em 46 decisões proferidas pelo judiciário em 2021. No ano seguinte, esse número saltou para 85, o que representa um aumento de 84,7%. E o tema vem ganhando cada vez mais notoriedade, especialmente com o avanço da tecnologia que permitiram o surgimento de  casos famosos como o do “Golpista do Tinder”. A expectativa é de que neste ano a Justiça brasileira atinja a marca de 100 casos citando o termo, somando um aumento de 28% ante o último ano, como indica uma pesquisa feita pelo escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe, baseada nos dados da plataforma de jurimetria Inspira.

Dívida por amor?

Segundo a advogada Fernanda Haddad, do Trench Rossi Watanabe, um dos primeiros casos emblemáticos sobre “estelionato sentimental” foi julgado em maio de 2015 pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. No caso, a vítima, na esperança de manter o relacionamento amoroso, realizou diversos empréstimos para o ex-companheiro, que prometia devolver os valores. Mas as promessas foram por terra quando ele terminou o relacionamento sem pagar um tostão, o que levou a vítima a buscar a Justiça.

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Diante de toda a documentação, o TJDF reconheceu a ilicitude dos benefícios recebidos pelo ex-companheiro através da confiança que existia na relação amorosa e considerou que, ao prometer devolução dos préstimos obtidos, criou-se para a vítima a expectativa de que receberia de volta referidos valores. “Casos como esse tem sido cada vez mais noticiados, após operações policiais, e a Justiça vem condenando vários deles”, explica Fernanda. No caso do “golpista do Tinder”, Caio Henrique da Silva Camossato também foi acusado de estelionato, após denúncias de mais de 13 mulheres. Em apenas dois desses casos, ele teria causado prejuízo de R$ 1,3 milhão e R$ 1,8 milhão, segundo a advogada

Fique de olho nos sinais

De acordo com o criminalista Antônio Gonçalves, o primeiro sinal claro de um “estelionato sentimental” é quando a relação se fortalece, mas com uma dependência psicológica forte.

O segundo sinal relevante é a intenção do estelionatário de obter um ganho econômico. “A vítima se torna emocionalmente dependente do criminoso, que espera que ela se compadeça, alegando alguma situação excepcional em que ele precisa de auxílio emergencial para resolver um problema”, afirma.

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Adib Abdouni destaca que geralmente o autor do delito se apresenta “como uma pessoa bem-sucedida e bem relacionada, mas que enfrenta dificuldades financeiras momentâneas. Esse é um sinal importante porque ele cria um vínculo de confiança”, explica.

O que a pessoa que caiu num golpe tem que fazer?

De acordo com advogados ouvidos pelo InfoMoney, em primeiro lugar a vítima precisa registrar o boletim de ocorrência. Na sequência, procurar um advogado que fará uma representação sobre isso e acompanhará toda a formação e desenvolvimento desse inquérito policial, para que ele se transforme em uma ação penal.

A vítima também precisa reunir todas as informações que vão ajudar a municiar o advogado em seu trabalho. Comprovantes de transferências, conversas em aplicativos e negociações de empréstimos, entre outras informações, podem ser juntadas ao processo. “Tudo isso é fundamental porque a jurisprudência entende que o ônus de comprovar o estelionato sentimental é da vítima, com base no art. 373, I, do Código de Processo Civil”, explica Fernanda.

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Ação pode ser tanto cível, por danos morais, como criminal, por estelionato, e a vítima também precisa medida protetiva, especialmente quando envolve relações comerciais e financeiras, segundo a advogada Renata Furbino, professora de Direito Criminal da Uniarnaldo, de Belo Horizonte. “Mas acima de tudo a pessoa não pode ter vergonha para poder tomar providências necessárias para o ressarcimento dos valores”, explica a professora.

Para se prevenir desses golpes, é fundamental adotar algumas medidas de segurança, como evitar compartilhar informações pessoais e financeiras com pessoas que você acabou de conhecer, seja presencialmente, seja online, de acordo com o especialista em Direito Penal Econômico, sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, André Damiani. “Ser cauteloso com pedidos de dinheiro e verificar a autenticidade do perfil da pessoa com quem se está relacionando é fundamental nesses casos, bem como estar atento a sinais de alerta como, por exemplo, declarações de amor muito rápidas”, disse.

É preciso também ficar atento ao prazo. Isso porque essa representação deve ser feita em seis meses a contar do conhecimento da autoria, sob pena de decadência do direito de representação. “Desde as alterações promovidas no ano de 2019, o estelionato passou a ser crime de ação penal pública condicionada à representação. Ou seja, a vítima deve representar contra o autor no prazo de seis meses, sob pena de o criminoso não mais poder ser processado”, explica a advogada Gisela Borges, criminalista e sócia do Gamil Foppel Advogados Associados.

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Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro