Empresa Simples de Crédito (ESC): entenda a lei que permite empréstimos entre pessoas

Micro e pequenas ganham uma nova forma de financiamento. Mas a ESC é agiotagem? 

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – Um novo tipo de empresa sancionado em abril pelo presidente Jair Bolsonaro deve impactar o mercado brasileiro como um todo ao facilitar acesso à crédito em pequenas e médias empresas. 

Segundo a Lei Complementar nº 167/19, a Empresa Simples de Crédito (ESC) permitirá que empréstimos, financiamentos e descontos de títulos sejam realizados por pessoas jurídicas, com seu próprio capital, sem a regulação do Banco Central. 

O que é?

As ESCs podem ser geridas por um só empresário ou por uma sociedade, desde que incluam em seu quadro apenas uma pessoa jurídica. Esse tipo de empresa tem, por definição, apenas um objetivo: fornecer créditos para outras pessoas jurídicas do mesmo município, ou de municípios da mesma região.

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Thiago Critter Chiliatto, analista de crédito e sócio-fundador da Antecipa Fácil, explica que “somente instituições reguladas pelo Banco Central podem fazer empréstimos hoje”. Para ele, essa restrição limita o orçamento das pequenas empresas que não conseguem o crédito necessário através dos bancos e, consequentemente, não investem em seus negócios.

ESC é agiotagem?

À primeira vista, a criação da ESC parece uma forma de institucionalizar a agiotagem – prática ilegal e perigosa em que pessoas emprestam dinheiro entre si a troco de juros altíssimos, muitas vezes gerando uma relação perigosa de dependência do tomador. 

No caso das ESCs, existem algumas limitações. Além de só poder emprestar para pequenos e microempreendedores, os proprietários de ESCs terão uma receita máxima anual e ficam impedidos de se alavancar (ou seja, tomar empréstimos para emprestar a terceiros). Outra diferença essencial é o controle da Receita Federal. 

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ESC é empréstimo peer-to-peer?

Já mais popular no mercado o P2P (peer-to-peer) lending se assemelha à ESC ao configurar uma alternativa às pequenas empresas que não conseguem crédito em bancos tradicionais. As semelhanças, porém, terminam aí.
Diferentemente das ESCs, as empresas de P2P são plataformas intermediárias que conectam um grupo de investidores dispostos a emprestar a pequenas empresas. Não há limitação de número de funcionários para as fintechs que promovem o P2P lending e nem do número de investidores que injetam dinheiro nas empresas favorecidas. 

ESC é factoring?

Também há confusão quanto ao fomento mercantil, também conhecido como factoring. Essa é uma estrutura que alavanca o desenvolvimento das micro, pequenas e médias empresas com a compra de créditos das vendas à prazo. É uma espécie de antecipação de recebíveis.
Empresas de fomento mercantil também não são instituições financeiras, mas elas não realizam empréstimos: sua competência se resume em adquirir títulos de crédito (para fornecer capital de giro às PMEs) e controlá-los. 

Qual a razão da criação? 

As Empresas Simples de Crédito também permitem que pessoas lucrem emprestando seu próprio dinheiro. “Quem tem dinheiro na poupança vai criar uma empresa, pessoa jurídica, poder emprestá-lo de forma transparente, legalizada, com controle do Imposto de Renda. Isso é uma tentativa de reduzir as taxas de juros”, disse o senador à Agência Senado.  

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Chiliatto, porém, acredita que as ESCs não oferecerão crédito mais barato ou taxas de juros menores, pois os impostos que elas deverão pagar são semelhantes aos de qualquer outra empresa de serviços financeiros: “ainda muito altos”.

O sócio-fundador da Antecipa Fácil acredita que a principal vantagem dessa lei é aumentar o acesso ao crédito, e não diminuir os custos dele.  

O senador Jorginho Mello (PR-SC) argumenta que 58% dos empregos formais no Brasil são bancados por micro e pequenos empresários, e que isso representa 28% do PIB nacional. Hoje, ao não conseguir empréstimos bancários, essas empresas procuram crédito fora do mercado legítimo, com agiotas, por exemplo.

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“O acesso através ESCs será muito mais fácil e permitirá que essas empresas melhorem seu histórico para, futuramente, conseguir crédito cada vez mais barato em outras instituições. Instituições nas quais hoje elas não têm acesso”, defende Chiliatto.

O surgimento dessa modalidade também permite que o pequeno e médio factoring aumente seu portfólio de serviços com empréstimo, CDC, empréstimo pessoal, cartão de crédito, financiamento com garantia, capital de giro, maquinário, consignado privado e público etc.

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Como funciona uma empresa simples de crédito

Confirma abaixo as principais dúvidas sobre o funcionamento e o processo de abertura de uma Empresa Simples de Crédito (ESC).  

1. Quem pode abrir e onde

Para caracterizar uma ESC, é necessário que a empresa tenha por trás uma pessoa física com registro de empresário individual, atue apenas no município sede e em cidades próximas e possua receita bruta anual de no máximo R$ 4,8 milhões. Assim como outras empresas, este modelo será fiscalizado pelo Código Civil.

2. Quem pode tomar crédito

Os empréstimos concedidos pelas ESCs poderão ser destinados a microempreendedores individuais (MEI), microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP). De acordo com o Jorginho Mello, o intuito é baixar os juros de crédito para pequenos negócios.

3. Tributação

As Empresas Simples de Crédito têm o “simples” no nome, mas não podem se enquadrar no regime tributário do Simples Nacional.
Elas ficam sujeitas à tributação de empresas convencionais – ou seja, pelo lucro real (quando são apurados receitas e gastos e o cálculo do imposto é realizado a posteriori, sobre o lucro) ou presumido (em que os impostos são calculados com base em um percentual sobre as vendas realizadas, independentemente da apuração dos lucros). 

4. Como criar uma ESC

Para abrir uma ESC, é necessário formalizar o registro na Junta Comercial e ser constituída entre uma das de três formas;

– Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI)
– Empresário individual
– Sociedade limitada.

Também é necessário registrar em entidades autorizadas pelo Banco Central ou pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), além de realizar a escrituração pública eletrônica digital.
É necessário contratar um contador ou escritório de contabilidade para fazer os registros, demonstrativos contábeis e cálculos de impostos. 

5. Como uma ESC ganha dinheiro

A regra da ESC veda a cobrança de encargos e tarifas ao solicitante de empréstimo. Isso significa que o lucro da nova modalidade de empresa fica por conta dos juros cobrados dos tomadores de crédito – que podem ou não ser menores que os cobrados em instituições financeiras. 

6. Taxas de juros

Não há limite para a cobrança de juros por uma ESC. Isso a diferendas empresas tradicionais, sujeitas às limitações do decreto 22.626 (Lei da Usura) e no artigo 591 do Código Civil. Provavelmente, a cobrança estará atrelada às mesmas regras que precificam os juros normalmente nas operações de crédito no país. 

7. Fiscalização

Diferentemente dos bancos, a ESC não estará sujeita diretamente à fiscalização e às normas do Banco Central, mas precisará de registro em uma empresa autorizada pelo BC ou CVM. Desta forma, a fiscalização acaba sendo indireta: se houver indícios de infringência de normas, a empresa responsável será acionada.

Quais os riscos?

Lucrar fornecendo crédito a partir de seu próprio dinheiro acumulado, ou conseguir empréstimos de forma mais fácil pode parecer tentador para pequenos empresários. 
No entanto, vale ressaltar que os riscos ainda são elevados. Se as microempresas não souberem administrar este novo crédito elas podem se endividar rapidamente, assim como acontece quando emprestam dinheiro de agiotas ou outras instituições informais.
Já os donos da ESC, se não tiverem um plano de segurança, também correm o risco de não receber de volta os pagamentos ou de não entender com clareza as políticas e regras do empréstimo de créditos.

Vantagens

Para Chiliatto, um ponto positivo é que o contato mais próximo entre os donos do financiamento e as pequenas empresas podem facilitar o diálogo e a cobrança, e fazer com que o crédito oferecido se encaixe melhor em cada modelo de negócio. Mas vale ressaltar que este contato próximo também pode aumentar os riscos de atraso de pagamentos – já que não há intermediários.
Este novo mercado, ainda incerto, abre espaço para que fintechs e outras empresas que atuam com factoring passem a ser intermediadoras do serviço.
Chiliatto comenta que a Antecipa Fácil, por exemplo, está desenvolvendo uma plataforma para reunir as ESCs de uma região e colocá-las em contato com as possíveis micro empresas que necessitem de crédito, e também oferecer auxílio durante as operações financeiras realizadas. 

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Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney