O Open Finance completa 2 anos no Brasil nesta quarta-feira (1º). Ao longo dos últimos 24 meses, o sistema aberto de compartilhamento de dados entre clientes e instituições financeiras acumula números expressivos.
Já são 11 milhões de clientes, 17 milhões de consentimentos ativos, pouco mais de 800 instituições financeiras participantes e cerca de 12 bilhões de chamadas de APIs (Application Programming Interface ou Interface de Programação de Aplicativos), meio utilizado para compartilhamento de dados dos clientes entre as instituições financeiras.
O objetivo de consentir os dados a um banco ou fintech participante do ecossistema é estruturar uma cartela de produtos e serviços, com taxas de juros mais baixas e entregas mais personalizadas, ao consumidor.
Na visão do Banco Central, órgão fiscalizador do ecossistema Open, apesar da evolução dos indicadores, ainda existe um longo caminho para a iniciativa “cair no gosto dos brasileiros”.
A árdua tarefa de popularizar o Open Finance exige um trabalho conjunto, diz João André Pereira, chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central (Denor), em entrevista por e-mail ao InfoMoney. “Esperamos que esses números continuem a evoluir de forma gradual e consistente na medida em que as instituições disponibilizem ao público novas soluções na esteira do Open Finance”, afirma o especialista.
João André Pereira ressalta que é papel das instituições financeiras e do próprio BC engajar e educar o consumidor em relação ao conceito, mecanismos de segurança, direitos e benefícios que ele poderá obter no processo de adesão ao Open Finance.
O especialista também compartilha, na entrevista a seguir, os próximos passos do cronograma de implantação do Open Finance, analisa os produtos já disponíveis e explica como o dado do consumidor, insumo precioso nesse processo, está sendo tratado dentro do ecossistema. Confira:
InfoMoney: Como o BC avalia os 2 primeiros anos de implementação do Open Finance no Brasil?
João Pereira (JP): O Banco Central avalia que, nos primeiros 2 anos de implementação do Open Finance, já tivemos muitos avanços. Todas as fases foram iniciadas e estão sendo implementadas de forma escalonada, pois se trata de um projeto amplo e de longo prazo.
Cabe lembrar que o projeto brasileiro é o mais ambicioso dentre as jurisdições que já regularam o tema, com mais de 800 instituições participantes, considerando participantes obrigatórios e facultativos, e com um amplo escopo de dados e serviços compartilhados, que contempla desde dados e serviços bancários tradicionais até a expansão para outros serviços financeiros como investimentos, seguros e câmbio.
Como é natural em qualquer projeto inovador, foram verificadas necessidades de melhorias ao longo do tempo, inclusive quanto à conectividade das instituições. Alguns desses aperfeiçoamentos já foram tratados e outros estão sendo promovidos pelas instituições participantes e pela estrutura de governança do Open Finance, com o acompanhamento do Banco Central.
De qualquer forma, o quantitativo atual de consentimentos e de chamadas de interface está dentro do esperado por parte do regulador para o atual estágio de implementação, tendo em vista, inclusive, os desafios já mencionados. Esperamos que esses números continuem a evoluir de forma gradual e consistente, à medida que as instituições disponibilizem ao público novas soluções na esteira do Open Finance.
O Banco Central considera que o Open Finance estará em constante evolução, propiciando o surgimento de novos produtos e serviços, com toda a segurança já característica do ambiente financeiro regulado, e com o objetivo final de aprimorar o relacionamento do cidadão com o sistema financeiro.
Os principais objetivos foram atingidos?
Incentivar a inovação, promover a concorrência, aumentar a eficiência do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro e promover a cidadania financeira são os objetivos finais do Open Finance, listados na Resolução Conjunta nº 1, de 2020, que estabeleceu as diretrizes do projeto. Seus maiores efeitos, como redução da assimetria de informação, serão percebidos ao longo do tempo, de forma gradual, e esses dois primeiros anos são vistos ainda como de estruturação desse ecossistema.
Já é possível notar inovações acontecendo como agregadores financeiros e novos mecanismos de gerenciamento financeiro, auxiliando a população a ter uma visão consolidada de seu relacionamento com o sistema financeiro e a melhor organização de suas finanças pessoais. Facilidades relacionadas à iniciação de pagamentos também já começam a ser oferecidas pelas instituições participantes, como a possibilidade de fazer pagamentos em um banco utilizando o saldo da conta em outra instituição.
As instituições participantes também relatam melhorias em alguns de seus processos, como mais facilidade no onboarding de clientes e mais agilidade em operações de portabilidade de crédito, além de aprimoramentos nos seus modelos de apreçamento e de análise de crédito.
Ressaltamos que o Open Finance não é um produto, mas um ecossistema em construção. Trata-se fundamentalmente do processo de padronização de informações, para que todo sistema financeiro fale a mesma língua, bem como do estabelecimento de requisitos tecnológicos e funcionais para que essa comunicação ocorra de forma segura e eficiente.
Desta forma, o desenvolvimento de soluções baseadas no Open Finance e, consequentemente, o engajamento da população dependem não apenas da transmissão de informações, mas também da capacidade das instituições financeiras em extrair delas valor por meio de novos produtos e melhores análises para seus clientes.
A adesão de consumidores está no ritmo esperado?
Existem, atualmente, cerca de 17 milhões de consentimentos ativos no ecossistema, com aproximadamente 11 milhões de clientes, e mais de 12 bilhões de chamadas de APIs desde o início da fase 2, números que consideramos bastante expressivos para o estágio atual de implementação.
Esperamos que esses números continuem a evoluir de forma gradual e consistente na medida em que as instituições disponibilizem ao público novas soluções na esteira do Open Finance. Além disso, esta tem sido a experiência de outros países com iniciativas semelhantes. As próprias instituições participantes tiveram a sua curva de aprendizado em relação às demandas desta nova realidade e assim também será para o consumidor.
Acreditamos que, assim como ocorreu em outros países, a adesão por parte da população será gradual. Essa adesão gradual é importante, pois oportuniza a adaptação tecnológica e a incorporação de melhorias para comportar o aumento do tráfego de informações.
O que o BC pretende fazer para incentivar e ampliar a participação dos consumidores?
Sempre ressaltamos que um dos principais desafios para o sucesso do projeto seria engajar e educar financeiramente os consumidores, principalmente quanto ao conceito, princípios e mecanismos de segurança do Open Finance, quais os seus direitos e quais os benefícios que ele pode obter com esse processo.
Essa é uma estratégia de educação financeira, e o Banco Central segue fazendo a sua parte, com ações em suas mídias sociais e eventos esclarecendo o assunto. Campanhas mais amplas em conjunto com as instituições participantes também estão sendo planejadas para melhor informar a população.
A estrutura de governança do Open Finance, formada por entes de mercado, conta com um grupo de comunicação que também realiza ações que incluem a construção de um portal voltado para os consumidores, para desenvolvedores e instituições participantes. O grupo técnico de Experiência do Cliente, também pertencente à Estrutura de Governança, está empreendendo testes de usabilidade, para coletar insumos que possam propiciar uma melhor jornada para os clientes.
Na medida em que as instituições passarem a ofertar mais produtos e serviços, a partir do Open Finance, entendemos que os benefícios se tornarão mais claros e concretos para os clientes, o que facilitará a sua maior propagação.
O consumidor pode esperar mais serviços e produtos em 2023?
O Open Finance é resultado de uma mudança de paradigma em serviços bancários que vem ocorrendo em nível mundial. O reconhecimento dessa nova realidade tem levado a um amplo engajamento das instituições de todos os segmentos na preparação a essa nova realidade. O aperfeiçoamento das tecnologias utilizadas e a inovação em processos e produtos que privilegiem uma melhor experiência do consumidor é fundamental para a sobrevivência neste cenário desafiador.
Para 2023, esperamos que as instituições ofertem soluções relacionadas ao serviço de iniciação de pagamento, como consequência da implementação da fase 3 e incrementem e aperfeiçoem produtos e serviços referentes às fases de compartilhamento de dados, com a entrada de dados de investimento, seguro, câmbio, entre outros.
Lembramos que a regulação do Open Finance tem, como um dos objetivos, o incentivo à iniciativa privada a desenvolver produtos e serviços mais adequados às necessidades dos diferentes tipos de consumidores, isso porque o Open Finance não é um produto e sim um fundamento.
Ainda, sempre que necessário, estamos revisando os atos normativos – resoluções e instruções normativas – visando atender às necessidades do mercado para impulsionar a oferta de produtos e serviços aos seus clientes, sempre de forma ágil e segura.
Quais as próximas etapas do Open Finance no Brasil?
Embora tenha sido iniciada, a fase 4 (produtos de investimento, credenciamento, câmbio e seguros) ainda está em fase de implementação, pois foi necessário priorizar a realização de ajustes e melhorias nas fases anteriores. A conclusão de sua implementação está prevista para ocorrer neste ano.
Como próximos passos, estamos discutindo com a estrutura de governança e grupos técnicos um cronograma que abrangerá algumas frentes de trabalho:
- Possibilidade de compartilhamento pelo cliente de outros produtos financeiros e de seguros, capitalização e previdência, estes em parceria com o Open Insurance, regulado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) e pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP);
- Novas funcionalidades de pagamento voltadas às empresas;
- Melhorias nas jornadas de compartilhamento de dados e de pagamentos; e
- Melhorias de governança da própria estrutura do Open Finance, que inclui o mapeamento de processos internos de funcionamento e a entrega da plataforma de coleta de métricas (PCM).
Como resultado deste terceiro item, esperamos não apenas aprimorar a supervisão dos participantes do Open Finance, como a elaboração de um dashboard com métricas de participação das instituições disponíveis ao cidadão. Entendemos que essa transparência pode contribuir para o aperfeiçoamento do ecossistema.
Quais recursos as empresas já têm para garantir segurança aos dados dos consumidores?
Segurança é um ponto basilar no Open Finance. O ecossistema foi construído para prover a mesma segurança oferecida nas transações do sistema financeiro, com camadas adicionais, como certificações de segurança específicas já utilizadas em ambientes de Open Finance em outras jurisdições, como no Reino Unido.
Ressaltamos que o compartilhamento de dados e serviços ocorre em um ambiente completamente digital e seguro, por meio de APIs, uma tecnologia que permite que os sistemas das diferentes instituições participantes conversem entre si de forma segura, ágil e precisa.
Mediante consentimento e autenticação do consumidor e das instituições envolvidas no processo, em plena conformidade com os preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), os dados que ele autorizar serem compartilhados fluem diretamente da instituição transmissora para a receptora, observadas que ambas devem ser participantes do Open Finance.
Considerando que o fluxo dos dados ocorre de forma bilateral, cabe destacar que não há uma estrutura centralizada para armazenamento dos dados dos clientes, também com vistas a trazer maior segurança às informações dos consumidores.
Tendo em conta que a segurança sempre foi uma questão crucial para o Open Finance, os critérios atuais já conferem grande segurança para o ecossistema e, no momento, não há novas exigências previstas. Porém, o Banco Central monitora com atenção esse aspecto, inclusive com especialistas de sua área de tecnologia da informação e segurança cibernética, e, caso seja necessário, novos requerimentos podem ser estabelecidos.
Instituições financeiras têm tido resistência em relação à qualidade dos dados que elas compartilham entre si, o que atrapalha a estruturação do Open Finance. O que o BC tem feito para contornar essa situação?
As instituições participantes naturalmente têm interesses diferentes e, por vezes, conflitantes. Isto, é mais do que esperado quando tratamos da complexidade de um ecossistema que propõe o intercâmbio de dados e serviços entre mais de 800 instituições de todos os portes e níveis tecnológicos.
O Banco Central tem atuado tanto no âmbito da regulação para padronizar esta comunicação como no âmbito da supervisão para coibir eventuais erros, demandar ajustes e coibir práticas inadequadas.
Além disso, acreditamos ser vital aperfeiçoar o monitoramento e dar transparência a indicadores que meçam a participação e a qualidade das implementações das instituições participantes. Nesse sentido, a estrutura inicial de governança está desenvolvendo uma plataforma de coleta de métricas (PCM) que deverá estar em operação até o fim do primeiro trimestre deste ano e deve trazer mais visibilidade a eventuais oportunidades de melhora tanto para cada participante como para o ecossistema como um todo.
Considerando que os dados são parte crucial do sucesso do Open Finance, o que pode acontecer com a instituição que fizer mau uso deles?
O Banco Central supervisiona todo o processo, e as instituições participantes são obrigadas a seguir tanto os atos normativos específicos do Open Finance e regras de segurança cibernética e de gestão de riscos quanto a legislação correlata, como a já mencionada LGPD e a Lei de Sigilo Bancário.
Convém ressaltar, ainda, que a regulamentação vigente prevê que as instituições são responsáveis pela segurança no compartilhamento de dados e serviços do Open Finance, bem como pela qualidade dos mesmos.
A regulação do Open Finance instituiu diversas responsabilidades às instituições participantes, entre elas a da existência de mecanismos de acompanhamento e controle do processo de compartilhamento, incluindo uma área de gestão dos consentimentos, e de regras específicas de responsabilização da instituição e de seus dirigentes.
Qual é a autocrítica do BC faz em relação à estruturação do Open Finance no Brasil?
Como outras jurisdições largaram na frente, o modelo brasileiro foi construído a partir das melhores experiências sobre a matéria, o que certamente tem facilitado a adequação por parte das instituições.
No entanto, nosso modelo vai além das experiências internacionais em termos de escopo e de instituições participantes, o que trouxe novos desafios ao processo. Esses desafios foram potencializados pela pluralidade existente na Estrutura de Governança e a necessidade de interoperabilidade com outros ecossistemas, a exemplo do Open Insurance.
Outra questão que foi e está sendo bastante desafiadora é o cronograma de implementação. Como pudemos nos valer de modelos internacionais já implementados com sucesso, o percurso a ser percorrido pelas instituições no Brasil apresentava algumas soluções já testadas por esses países.
Contudo, tivemos que passar por períodos de ajustes em algumas implementações para melhorar a qualidade dos dados e melhorar a conectividade entre participantes, focando em processos de certificação e de testes.
RAIO-X
João André Pereira, 48
Chefe do Denor, no Banco Central, coordena projetos relacionados à regulamentação do sistema financeiro, incluindo o Open Finance. É formado em engenharia mecânica (UNB) e tem mestrado e doutorado em finanças pela FGV (Fundação Getulio Vargas)