Desenrola chega ao fim com uma pergunta: brasileiro aprendeu a renegociar dívida?

Especialistas avaliam iniciativa como positiva, porém imediatista, o que não deve solucionar o superendividamento

Giovanna Sutto

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O Desenrola, programa de renegociação de dívidas do governo federal, terminou na segunda-feira (20). O prazo de adesão para a Faixa 1 do programa havia sido prorrogado em mais dois meses.

Iniciada em outubro de 2023, a Faixa 1 contempla pessoas com renda de até dois salários-mínimos ou inscritas no CadÚnico. A etapa engloba dívidas que tenham sido negativadas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022 e não podem ultrapassar o valor atualizado de R$ 20 mil cada (valor de cada dívida antes dos descontos do Desenrola).

Segundo o Ministério da Fazenda, cerca de 15 milhões de pessoas foram beneficiadas pelo Desenrola, que possibilitou a negociação de aproximadamente R$ 52,4 bilhões em dívidas. “O patamar foi atingido com investimento de apenas R$ 2 bilhões por parte do governo. Para cada R$ 1 investido no Desenrola, foram negociados R$ 25”, disse a pasta em nota enviada ao InfoMoney.

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Apesar dos números, o programa não atingiu a expectativa e a prorrogação foi sinal disso. O próprio presidente da Caixa, Carlos Vieira, reconheceu no final de 2023 que a adesão ao Desenrola foi aquém do esperado e sinalizou que o governo iria revisar alguns pontos da estrutura do programa, como prazos, acesso e parâmetros de entrada.

Inclusive, em fevereiro deste ano, o governo anunciou parceria com a Serasa para ampliar o acesso dos consumidores ao programa. O governo ainda não divulgou os dados referentes à parceria.

‘Enxuga gelo’?

Para a economista Ione Amorim, o programa é positivo na medida em que buscou simplificar o acesso à renegociação, de forma online, permitindo que o próprio consumidor endividado fosse atrás da solução para sua situação.

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“Porém, como essa pessoa toma essa decisão sozinha? Ela não tem orientação, não sabe se deve parcelar ou quitar, não avalia sua situação financeira por completo para escolher a melhor saída para ela”, questiona a especialista, que também é coordenadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

“A vulnerabilidade do consumidor de baixa renda não pode ser ignorada na equação. Muitos não têm familiaridade com o site, não entendem a lógica dos cálculos. O programa habilita essa pessoa a tomar uma decisão que sequer ela tem preparo para isso – e com o banco e seu know how do outro lado. É enxugar gelo”, afirma.

A pasta da Fazenda desenvolveu site que oferece lições de educação financeira, mas o acesso é voluntário e teve somente 350 mil acessos até a última atualização.

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Esse caráter imediatista que o programa ganhou também é o ponto mais fraco da iniciativa, na avaliação de Cintia Senna, educadora financeira e doutoranda em Educação Financeira pela Florida Christian University (FCU).

“Qualquer iniciativa em prol da redução do endividamento é válida e levou as pessoas para a renegociação. Mas quando não tem um olhar para a educação financeira, o programa leva a pessoa a renegociar, tirar a restrição do seu nome e voltar a ter crédito. E ela vai e consome novamente e volta para a inadimplência porque ela não entendeu o motivo de ter ficado no vermelho em primeiro lugar para não repetir o erro”, alerta.

O que diz o Ministério da Fazenda?

O Ministério da Fazenda foi questionado sobre os pontos levantados pelas especialistas entrevistadas pelo InfoMoney. Por meio de nota, a pasta limitou-se a dizer que “considera o Programa Desenrola Brasil um sucesso” e ressaltou que a plataforma é um mecanismo para renegociação voluntária, em que os benefícios já estavam assegurados – com descontos médios de 83% e condições de parcelamento em até 60 meses.

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O beneficiário precisa voluntariamente aderir à renegociação de dívidas e dispor de recursos para pagar os valores renegociados, mesmo que bem menores que a dívida original, sem entrada e de forma parcelada.

De todas as renegociações, as dívidas mais comuns nas renegociações são as de serviços financeiros, depois aparecem as securitizadoras e, em terceiro, eletricidade, segundo a Fazenda informou ao InfoMoney.

Para além das renegociações bem-sucedidas, o alerta é sobre a necessidade de se construir, na análise de Cintia Senna, mais educação financeira à população, com noções de finanças sendo ensinadas desde o ensino básico. “Só assim, o problema será atacado de forma mais contundente”, reforça a especialista.

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*Com Agência Brasil.

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Giovanna Sutto

Jornalista com mais de 6 anos de experiência na cobertura de finanças pessoais, meios de pagamentos, economia e carreira. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.