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A terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade no dia 7 de novembro, ser possível o reconhecimento no civil de casamentos feitos somente no religioso do século XIX. O parecer inédito garantiu aos descendentes do casal que possam usar o documento para preencher os requisitos necessários para obtenção de cidadania estrangeira.
O homem procurou a Justiça para obter o registro tardio do casamento dos bisavós dele. Faltava um documento para que um homem conseguisse completar a documentação exigida para obter a cidadania italiana: o registro de casamento dos bisavós nascidos na Itália.
A união foi celebrada em 1894, em São Paulo – apenas no religioso. Para pedir cidadania, o homem precisava do reconhecimento civil do casamento dos antepassados. A decisão que o STJ tomou a respeito desse caso pode abrir caminho para outros brasileiros que buscam cidadania estrangeira.
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O pedido foi negado em primeira instância, com alegação de que, após a promulgação do Decreto 181/1890 e da Constituição de 1891, o casamento civil passou a ser obrigatório, portanto, não haveria como registrar o matrimônio realizado apenas na Igreja. O Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a decisão.
Em recurso ao STJ, o Ministério Público de São Paulo alegou que o casamento civil é de iniciativa exclusiva dos nubentes e, em qualquer caso, exige a prévia habilitação, conforme o artigo 1.525 do Código Civil.
Em que se baseia a decisão do STJ
A relatora e ministra Nancy Andrighi, do STJ, observou que, com a Proclamação da República, em 1889, os ideais laicos acarretaram a ruptura entre Igreja e Estado, passando a ser reconhecido apenas o casamento civil, em detrimento do religioso. Entretanto, ela apontou que houve grande resistência da população, majoritariamente católica, e do próprio clero, à adoção do casamento civil.
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Nancy Andrighi afirmou que, apesar das medidas legislativas adotadas pelo Estado para superar essa oposição, a mudança social foi gradual, consolidando-se somente anos depois, com o Código Civil de 1916.
Nesse contexto, a relatora considerou que não se pode deixar de proteger civilmente as famílias formalizadas por meio de um instituto – o casamento religioso – que hoje está legal e constitucionalmente amparado, quando celebrado poucos anos depois da alteração legislativa que deixou de reconhecê-lo como o único apto a formalizar o matrimônio, e muitos anos antes da solidificação do casamento civil pelo código de 1916.
A ministra ainda ressaltou que, uma vez homologada a habilitação prévia, a legislação permite que “qualquer interessado” efetue o registro civil do casamento religioso, conforme disposto no artigo 1.516, parágrafo 1º, do atual Código Civil. Ela observou que, embora o casamento seja um ato pessoal, o registro público desse ato, quando acompanhado da habilitação prévia, não se restringe aos nubentes.
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A relatora explicou que, quando o casamento religioso é celebrado sem as formalidades exigidas pelo atual Código Civil, o registro em cartório deve ser feito pelo próprio casal. Contudo, no caso em discussão, ela ponderou que não se pode exigir um procedimento de habilitação que não existia na época, nem é razoável pretender que o registro seja feito pelos nubentes se ambos faleceram.
Precedente pode ajudar outros brasileiros
Especialistas ouvidos pelo InfoMoney acreditam que a decisão possa ajudar muitas pessoas que buscam regularizar sua cidadania. Segundo a advogada Nathalia Pinesso, sócia do contencioso civil do Machado Associados, a decisão é importante porque houve um intervalo até a definição civil dada pela nova Constituição, na Proclamação da República, onde os casamentos eram feitos só na igreja.
“A partir dali foi estabelecido que o Estado era laico e as pessoas precisavam casar-se no civil. Mas até aquele momento a realidade é que a maior parte da documentação das pessoas se encontravam nas igrejas, por isso a dificuldade para confirmar a ascendência”, disse. Para ela, a medida abre precedente para que mais pessoas consigam registro de forma mais fácil.
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Para a advogada Sueli de Souza Costa Silva, do Benício Advogados Associados, ao considerar o contexto histórico e cultural das mudanças legislativas no Brasil no final do século XIX, a ministra Nancy Andrighi conferiu ao casamento religioso um papel significativo para a população, que era majoritariamente católica.
“Outro aspecto importante da decisão foi a limitação dos efeitos civis desse registro. A ministra limitou a validade do registro exclusivamente à obtenção da cidadania italiana pelo bisneto, evitando assim uma repercussão mais ampla que poderia abrir precedentes para outras finalidades civis”.
A decisão da Terceira Turma do STJ representa um avanço importante no direito brasileiro, na opinião da advogada Daniela Poli Vlavianos, sócia fundadora do escritório Poli Advogados & Associados. “Essa decisão reforça os direitos fundamentais e destaca a importância dos vínculos de descendência em processos de nacionalização, o que pode beneficiar outros descendentes em situações semelhantes, facilitando o reconhecimento dos laços familiares”, afirma.
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Daniela alerta, no entanto, que há pontos que merecem atenção como o aumento significativo das demandas judiciais no país para reconhecimento de ascendência. Isso pode trazer insegurança jurídica em questões patrimoniais, como as de direito sucessório.
“O risco de insegurança aumenta caso a decisão seja invocada para justificar a reabertura de questões patrimoniais já resolvidas, como partilhas e inventários. Por isso, é preciso que haja uma regulamentação específica para garantir que decisões futuras sejam aplicadas de forma consistente em todo o país”, diz Daniela.
Busca por cidadania estrangeira
Nos últimos anos, cresceu o número de brasileiros que buscam cidadanias estrangeiras. Só para se ter uma ideia, a União Europeia (UE) concedeu cidadania a cerca de 25,9 mil brasileiros em 2022, um aumento de 26% em relação ao ano anterior. Com isso, os brasileiros figuram entre as dez nacionalidades do mundo que mais obtiveram cidadania nas nações que integram a região. De todas as cidadanias solicitadas, 70% foram obtidas na Itália e em Portugal, conforme levantamento do instituto de estatísticas da UE, o Eurostat.
O Brasil hoje abriga uma das maiores comunidades italianas no mundo. Dos cerca de 6,5 milhões de cidadãos italianos residentes no exterior, mais de 700 mil moram no Brasil, o que corresponde a cerca de 11% do total, conforme dados da Embaixada da Itália no Brasil. A estimativa é de que que existam 30 milhões de descendentes no país.
Itália trabalha para frear imigração
Entretanto, o novo governo da primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, trabalha para endurecer as regras de concessão de cidadania e colocar um freio na imigração. Tramita no parlamento italiano um projeto de lei que ameaça restringir a emissão de novas cidadanias italianas para descendentes, o que tem colocado em estado de alerta brasileiros, que correm para conseguir seus direitos antes da mudança.
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Um projeto de lei no Senado italiano eleva as exigências para se conseguir cidadania, passando a aceitar apenas os descentes de terceira geração, ou seja, bisnetos. Além disso, o postulante ainda teria de comprovar conhecimento intermediário do idioma italiano, bem como a residência na Itália por, no mínimo, um ano.
Atualmente, as condições são mais flexíveis e a comprovação de descendência italiana não depende da geração ou conhecimento prévio do idioma, muito menos a moradia no país.
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