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A análise de ações ESG (ambiente, social e governança corporativa, na sigla em inglês) começa a ditar as operações das seguradoras do Brasil, que podem até negar apólices (contrato) para empresas que não cumpram preceitos de sustentabilidade.
“A análise de critérios ESG para condução na estratégia de negócios tem pautado a maioria das atividades econômicas no país, e o setor de seguros busca amparar a sociedade justamente na realização de seus negócios proporcionando proteção securitária, observando sempre práticas de governança”, destaca Ana Paula de Almeida, diretora de Sustentabilidade e Relações de Consumo da CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras).
Ela lembra que as decisões de aceitação de riscos dentro das seguradoras são amparadas por políticas de subscrição que diferem entre si, e são orientadas por diferentes critérios que avaliam a exposição da empresa a riscos, o que inclui a sustentabilidade.
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“E o que temos observado é o setor de seguros como grande indutor de práticas ESG para o mercado. Ao incorporar aspectos de sustentabilidade em tomadas de decisões de negócios relevantes o setor pode influenciar a adoção de condutas socioambientais mais responsáveis por parte de seus clientes”, diz Ana Paula ao ressaltar que “impor limites e restrições para a realização de negócios que considerem aspectos de sustentabilidade é uma prerrogativa individual de cada empresa de seguro e amparada pelo regulador por meio da Circular Susep 666“.
As seguradoras, para a representante do setor, têm o papel com o ESG de:
- Amparar organizações, pessoas e governos que estão expostos a riscos de sustentabilidade (ambientais, climáticos, sociais e de governança); e
- Influenciar stakeholders da cadeia de valor por meio da adoção de condutas socioambientais responsáveis.
“À medida que enfrentamos riscos emergentes cada vez mais complexos e desafiadores, o seguro torna-se cada vez mais necessário para garantir a manutenção de renda, a proteção da vida, da saúde e do patrimônio. É impossível pensar em crescimento econômico, sustentável e em transição climática sem pensar em seguros, uma vez que a exposição a riscos é parte inerente dessa agenda e as seguradoras são as instituições financeiras com expertise para avaliar, gerenciar e precificar riscos”, considera Ana Paula.
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Ela destaca que, sob o contexto das mudanças climáticas, o seguro é essencial na agenda de adaptação, fornecendo cobertura para reformas estruturais e para segmentos estratégicos, como infraestrutura, transporte e energia. Além disso, o seguro torna-se fundamental para amparar população, empresas e governos atingidos por eventos climáticos extremos.
Sob o ponto de vista social, o seguro inclusivo, voltado para população economicamente vulnerável e não abrangido pela proteção securitária, tem potencial de quebrar o ciclo de incerteza financeira que persiste na vida das pessoas quando há um imprevisto, auxiliando na diminuição das desigualdades.
“Por meio de suas atividades de aceitação, precificação de riscos e de gestão de ativos, as seguradoras podem sinalizar a seus stakeholders o seu comprometimento com o desenvolvimento sustentável, influenciando toda sua cadeia de valor. A revisão de processos tradicionais, acrescentando a consideração de aspectos de sustentabilidade, tem efeito cascata no mercado.”
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Ela comenta que as seguradoras podem demandar planos de contingenciamento e dispositivos de mitigação de danos ambientais (exigências que vão além das normas legais) para renovação de contratos de seguros de empresas petroquímicas, por exemplo.
“Em outros casos há seguradoras que declararam publicamente não realizar mais negócios com termelétricas. Há ainda seguradoras que criam metas para descarbonização de seus portfólios de investimentos. Todas essas iniciativas passam uma mensagem, que influencia o mercado. O sistema financeiro é o denominador comum para induzir práticas socioambientais responsáveis para a sociedade.”
Seguradoras
Várias seguradoras têm pautado seus negócios e ações com base em critérios de sustentabilidade. “No contexto das seguradoras, os princípios do ESG desempenham um papel cada vez mais essencial. Fazemos parte de um mercado regulado e estamos atentos também ao que é preconizado na circular 666 da Susep”, diz Débora Pinto, diretora de RH da Generali.
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Ela destaca que a Generali, por exemplo, constituiu um comitê de sustentabilidade com responsáveis pelos diferentes pilares ESG. A empresa também lançou um programa de venda de ações para empregados. “A adesão foi de 60%. Caso a empresa atinja a meta global de ESG, os empregados serão beneficiados com 2 ações adicionais, dependendo do número de ações adquiridas.”
A Zurich afirma que o seu comprometimento com o tema está tanto nas suas operações como nos clientes, apoiando-os na transição para uma economia de baixo carbono. “A seguradora incorpora ações de sustentabilidade em seus produtos, bem como disponibiliza serviços que podem ajudar seus clientes corporativos a adotarem uma agenda que torne seus negócios mais resilientes a longo prazo”, diz Jose Bailone, diretor executivo de seguros corporativos e de subscrição de ramos elementares da seguradora Zurich
Entre as suas ações diretas, a seguradora menciona iniciativas como a certificação Selo Verde de oficinas de reparo automotivo parceiras, a compensação de carbono nos serviços de assistência e carro reserva no seguro auto e o projeto Zurich Recicla, que garante o descarte correto de resíduos de informática, móveis e resíduos automotivos gerados nos processos de sinistros.
“Temos recursos que simulam os impactos das mudanças climáticas, considerando as expectativas do aumento ou controle do aquecimento global para os próximos 20 ou 30 anos, além dos impactos para alagamento, seca, vendaval, temperaturas extremas, entre outros, para cada local”, completa Bailone.
Papel do setor empresarial
“Os riscos são o core do negócio das seguradoras. Acreditamos que temos um papel estratégico, não só em liderar o setor na transição para uma economia de baixo carbono, mas em apoiar nossos clientes nessa transição, ajudando-os a se tornarem resilientes”, comenta Bailone.
Estudo global divulgado recentemente pela Zurich, que ouviu mais de 650 líderes de sustentabilidade em empresas de todo o mundo, mostra que mais de 70% das companhias têm planos em vigor para zerar suas emissões, o que quer dizer que o tema tem sido visto de forma estratégica. Na mesma pesquisa, os executivos brasileiros entrevistados acreditam que o setor de seguros pode apoiá-los na transição, por meio de gestão de riscos (74%), avaliação de riscos (71%) e formação de parcerias (61%).
“Nós, enquanto setor – o que inclui os corretores e outros parceiros – temos um papel importante a desempenhar nesse cenário. Quando pensamos em nossos clientes, é necessário ir além dos tradicionais produtos de seguro, que são e continuarão sendo muito importantes”, reforça o executivo.
Os critérios para a análise do risco que pode gerar ao meio ambiente são elevados e envolvem desde a geração de energia a carvão ou xisto, mineração e barragens, assim como empresas que tiveram relação a temas sensíveis do ponto de vista da sustentabilidade, com trabalho escravo ou análogo à escravidão e áreas contaminadas, por exemplo.
“Em alguns casos, como empresas que dispõem de práticas trabalhistas inadequadas ou fabricação de armamento banido, por exemplo, optamos por não oferecer seguro. O mesmo para empresas altamente dependente de energia gerada por carvão ou xisto que não tenham um plano para transição”, destaca Bailone.
Risco do negócio
A advogada Tatiana Cymbalista, sócia da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, comenta que as seguradoras e as instituições financeiras estão mais atentas aos aspectos de sustentabilidade das empresas, ao menos no que tange aos seus efeitos para a solidez dos seus negócios.
“A sustentabilidade, ou mais precisamente, o ESG, deixou de ser encarada meramente como uma boa prática, para ser vista como um risco efetivo para o negócio e uma perspectiva concreta de sua viabilidade e lucratividade no longo prazo. Empresas europeias, com ações negociadas no mercado de capitais, ou que estão em alguma cadeia de fornecimento internacional, são cada vez mais incitadas – se não obrigadas – a prestar informações específicas de riscos e oportunidades envolvendo sustentabilidade e mudanças climáticas”, diz.
De acordo com ela, são muitos os padrões internacionais de divulgação de sustentabilidade: aqueles emitidos pela TCFD, SASB, EFRAG, GRI, ISSB, entre outros. “O que eles têm em comum são as obrigações cada vez mais exigentes de tornar públicas informações transparentes, justas, completas e exatas sobre o impacto da sustentabilidade e das mudanças climáticas nas atividades da empresa.”
As seguradoras têm dado efeito a essas obrigações, considerando menos sérias – e menos seguras – as empresas que não respondem a esse chamado ou que não demonstram consistência nesses relatórios.
“Esse posicionamento é bem-vindo, porque favorece um comportamento mais responsável das empresas. No entanto, ele deve considerar a dificuldade que essas obrigações podem gerar para pequenas e médias empresas, que têm maior dificuldade em produzir esses relatórios”, comenta a advogada.
Para ela, essa obrigação não pode produzir um “apartheid” entre empresas grandes e pequenas, no qual o mercado de seguros e financiamento seja fechado para empresas menores que não conseguem se estruturar para produzir as informações de sustentabilidade com a profundidade e tecnicidade exigidas pelas seguradoras e instituições de financiamento.
“Ao mesmo tempo, não se pode abrir mão do rigor e da materialidade dessas informações para as grandes empresas, sobretudo, aquelas que têm uma atividade especialmente impactante no que diz respeito ao ambiente, às mudanças climáticas ou ao social. Senão, estaremos sempre estimulando o greenwashing (ou socialwashing).”
É crime?
A advogada Ludmila Leite, sócia do Florêncio Filho e Camargo Aranha Advogados, destaca que não ter uma política de suatentabilidade por si só não é crime, mas atuar em desacordo com as exigências legais ou regulamentares, pode ser, conforme o artigo 56 da Lei Ambiental.
“[A ausência delas] de políticas ESG podem interferir na imputação penal, caso a existência de ações de precaução seja, por lei ou regulamento, exigidas”, diz a especialista, ao destacar que a responsabilidade criminal no Brasil é pessoal, subjetiva e intransferível, sendo as questões relacionadas aos crimes ambientais, a única exceção à responsabilidade individual.
“Isso quer dizer que, em caso de crimes ambientais, a empresa pode responder diretamente, inclusive sem a responsabilização de uma pessoa física.”
Outra possibilidade de interferência em questões criminais envolve o seguro de responsabilidade dos executivos. “Temos visto um grande aumento da dificuldade de renovação ou contratação de apólices, bem como do pagamento da indenização, em casos de inexistência de um programa de compliance robusto que contenha previsões expressas em caso de condutas que violem uma das 3 letras do ESG.”
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