Contratações do Casa Verde e Amarela caem pela metade com inflação

Sobra dinheiro no FGTS, e setor procurou o governo para propor que a verba ociosa seja usada para aumentar os subsídios à população

Estadão Conteúdo

(Alfribeiro/GettyImages)
(Alfribeiro/GettyImages)

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As contratações de projetos do Casa Verde e Amarela caíram pela metade nos primeiros quatro meses deste ano, com as construtoras desistindo de lançar empreendimentos porque a inflação persistentemente elevada inviabilizou negócios. O gargalo está nas altas generalizadas de custos de materiais, serviços e mão de obra no setor, com o Índice Nacional de Custos da Construção (INCC) subindo 8,8% em 2020 e 13,8% em 2021 e 2,9% no início deste ano.

Foram contratadas 68,8 mil unidades entre janeiro e abril, 51% a menos do que no mesmo período de 2021 (quando chegaram a 140,5 mil). Os dados são do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a fonte de financiamento para compra e construção de imóveis pelo programa habitacional.

O total de contratos em 2022 chegará a 206,4 mil se a média for mantida — o que pode ser número mais baixo desde o início do Minha Casa Minha Vida, em 2009, e menos de um quarto do auge do programa habitacional, que ocorreu em 2013 (912,9 mil unidades).

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Como resposta à inflação, as construtoras repassaram o aumento dos custos para o preço final das moradias, mas essa estratégia ficou desgastada por dois motivos: o valor de venda dos imóveis ultrapassou o limite máximo permitido pelo programa e o bolso dos consumidores já não tem mais fôlego para acompanhar essa alta.

Com contratações abaixo do previsto, sobra dinheiro no FGTS. Até a metade de maio só foi empenhado 27% do orçamento anual do fundo para o programa, de R$ 65 bilhões, o que levou representantes da construção a procurar o Ministério do Desenvolvimento Regional para propor que a verba ociosa seja usada para aumentar os subsídios à população. O ministério confirmou ao jornal O Estado de S. Paulo estar “avaliando possíveis ajustes na política do programa”.

Construtoras já falam em demissões

Diante da perda de viabilidade para muitos projetos do Casa Verde e Amarela, as empresas do setor já sentem os prejuízos e vislumbram demissões nos próximos meses. O programa tem um peso enorme para o mercado imobiliário, e em 2021 respondeu por cerca de 45% dos lançamentos e das vendas no país.

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A queda nas contratações tem sido mais cruel para as construtoras de pequeno e médio porte, que não têm “gordura” suficiente para lidar com a disparada nos custos das obras.

Um exemplo é a construtora Rottas, que comprou 20 terrenos nos últimos dois anos para erguer residenciais do programa no entorno de Curitiba e nas cidades de Londrina e Ponta Grossa no Paraná e de Joinville em Santa Catarina. Metade das áreas já não serve mais para o programa, pois o orçamento feito pela companhia previa a venda de apartamentos a R$ 140 mil, mas a disparada nos custos levou esse valor para R$ 185 mil.

“Desistimos de lançar porque é um preço incompatível com a renda do nosso cliente”, afirma o sócio e presidente da Rottas, Paulo Rafael Folador. “O que nos dói é que muitos terrenos foram comprados com recursos que conquistamos ao longo da nossa história de 12 anos no setor. Eram projetos viáveis e agora estão inviáveis. Se a situação não melhorar, temos a perspectiva real de reduzir as equipes de profissionais.”

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O empresário diz que os ajustes dos últimos meses no Casa Verde e Amarela não surtiram efeito. “Não fizeram nem cócegas. Esperamos que haja sensibilidade do governo federal para tornar o programa viável de novo. Se matar o programa, depois demora para ressuscitar”.

MRV, Tenda e Plano & Plano

O problema também é sentido pelas construtoras residenciais de grande porte e com capital aberto na Bolsa, como MRV (MRVE3), Tenda (TEND3) e Plano & Plano (PLPL3), que perceberam uma queda considerável na margem de lucro nos últimos trimestres.

Todas decidiram subir o preço final das vendas na tentativa de recuperar os ganhos, ainda que isso implique reduzir lançamentos e vendas. “O programa Casa Verde e Amarela está secando”, afirma Eduardo Fischer, copresidente da MRV. “Alguma política pública vai ter de vir, senão o mercado vai continuar secando.”

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A MRV é a maior construtora residencial do país e maior operadora do Casa Verde e Amarela, o que lhe permite fazer compra de materiais em grande escala, negociar preços com fornecedores e diluir custos. Mesmo assim, viu o lucro cair pela metade no começo do ano devido à pressão dos custos.

A resposta foi subir o preço de venda: a alta para unidades do programa foi de 14,7%, para R$ 180 mil. “O cenário inflacionário ainda não aponta para reversão. Eu vendo o imóvel na planta para construir depois, então tenho de subir os preços recorrentemente para suportar as margens”, diz Fischer.

Negociações com o governo

Em busca de alternativas, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) conversam com o governo. Fontes dizem que a sinalização sobre a necessidade de ajustes foi positiva até aqui, mas qualquer mudança precisa ser aprovada antes pelo conselho curador do FGTS, responsável pelo orçamento do fundo.

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A ideia é encontrar uma fórmula para recalibrar o programa o mais rápido possível, a fim de agilizar a retomada das contratações. Caso contrário, as empresas devem começar a demitir os funcionários nos próximos meses — o que vai coincidir com o período eleitoral —, o que pode ser um estímulo a mais para o governo agir rapidamente.

Mudanças não impedem tombo

O tombo nas contratações do programa Casa Verde e Amarela está ocorrendo mesmo após o governo federal ter mexido duas vezes nas regras do programa nos últimos seis meses, na tentativa de recompor o poder de compra da população de baixa renda (são atendidas famílias com renda bruta até R$ 7 mil).

Em outubro, o governo subiu de 10% a 15% o valor máximo dos imóveis que podem ser vendidos pelo programa (o teto vai de R$ 135 mil a R$ 264 mil, dependendo do município). Também foram concedidos descontos temporários de até 0,5 ponto porcentual na taxa de juros dos financiamentos e aumento de até R$ 10 mil no subsídio máximo, chegando a R$ 47,5 mil.

Em março de 2022 foi anunciada nova revisão. O subsídio máximo passou a ser concedido para famílias com renda mensal de até R$ 1.650, em vez de R$ 1.450. Também foi dilatado o grupo 1, que oferece taxa reduzida de juros: passou a aceitar famílias com renda de até R$ 2.400, ante R$ 2.000 até então.

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Regional afirmou em nota que tem feito ajustes para facilitar o acesso ao crédito pelas famílias de baixa renda, mas houve “queda substancial” na renda das famílias devido à pandemia.

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