Como a filosofia de David Hume se conecta com a economia – e se aplica ao nosso tempo

No livro "O triunfo das paixões: David Hume e as artimanhas da natureza humana", Hamilton dos Santos interpreta a nova realidade social a partir dos textos clássicos de Hume

Equipe InfoMoney

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A filosofia e a psicologia se ocupam do dilema entre a razão e as paixões – uma disputa que, para muitos pensadores, da Antiguidade à Idade Moderna, deveria ter como vencedor a razão, à qual caberia governar os impulsos passionais das pessoas e conduzi-las à felicidade.

Assim, investir, empreender, negociar, gerir, decidir entre o bem e o mal são tarefas que deveriam ser deixadas a cargo da potência racional humana. Ceder aos impulsos e instintos redundaria em tomar o caminho errado.

No século XVIII, porém, um dos maiores filósofos da modernidade contestou o império da razão nos campos do conhecimento e da moral, atribuindo o governo da vida social e a própria ideia de justiça às paixões, sentimentos e impulsos. Trezentos anos depois, as ideias de David Hume (1711-1776) hoje dialogam com uma realidade social completamente diferente – e, mesmo assim, se mostram mais atuais do que nunca.

É o que Hamilton dos Santos, jornalista e doutor em filosofia pela USP, defende no livro O triunfo das paixões: David Hume e as artimanhas da natureza humana.

Santos argumenta que muito antes da economia comportamental criticar a teoria financeira da economia neoclássica, Hume – autor do clássico Tratado da Natureza Humana – enfatizava os aspectos não racionais do comportamento. “Em seu arcabouço, ‘racional’ não passa de um nome equivocado que damos a um comportamento guiado por um tipo peculiar de paixões, as paixões calmas”, diz.

Hamilton dos Santos, diretor-executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) (Foto: Cassia Cinque)

Por isso, na interpretação de Santos para a obra de Hume, uma decisão de investimento deve ser lida mais como expressão de uma paixão do que como uma decisão de maximização a partir do retorno esperado e do risco.

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“Os fenômenos de bolhas, causados por comportamento de manada – como as recentes meme stocks –, poderiam ser facilmente explicadas a partir da ideia de contágio emocional via simpatia, tal como Hume o elabora”

— Hamilton dos Santos

Santos, que também é diretor-executivo da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), identifica a centralidade da ideia de reputação no pensamento de Hume – conceito que descreve como a forma geral das opiniões que formamos acerca de nossos parentes, colegas e modelos, até a avaliação pública de uma marca, empresa ou representante político.

E se a reputação, conduzida pelo princípio da simpatia, é o elo que conecta paixões a uma dinâmica social, também está na base do conceito de justiça nas sociedades passionais.

“Reside aí a coerência do método científico de Hume, que mostra o esforço sensível de encontrar o fundamento de uma natureza imaginada onde se enraízem, na experiência, ideias que somos capazes de inferir da imperfeição: a constância, a harmonia, o equilíbrio, o bem geral”.

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O triunfo das paixões: David Hume e as artimanhas da natureza humana foi lançado pela editora Iluminuras.