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Conflitos entre operadoras de planos de saúde e clientes têm sido cada vez mais comuns no Judiciário brasileiro. A chamada judicialização da saúde suplementar tem ganhado destaque especialmente em três temas: negativa de cobertura assistencial, reajuste de mensalidade e manutenção de contratos, segundo pesquisa realizada pela Escola de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) com apoio da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar).
“Juntos, esses três temas representam 90% dos litígios envolvendo operadoras de planos de saúde, sendo que a negativa de cobertura responde por mais da metade do total de decisões na primeira e na segunda instância paulista”, diz o professor Daniel Wang, coordenador da pesquisa.
Neste quesito, os usuários levam vantagem na Justiça paulista. De acordo com o levantamento, os clientes ganham 6 a cada 10 ações que movem contra as operadoras de saúde questionando negativas dos planos.
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De acordo com o pesquisador, há diferença em razão do motivo que foi dada a negativa. “Em quase 90% das decisões, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entende que o rol de cobertura da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é exemplificativo, e o usuário pode pleitear tratamento além do rol”, diz.
Por outro lado, quando o plano de saúde nega atendimento porque o usuário pede para ser atendido fora da rede de cobertura, o percentual de êxito dos usuários cai para 60%.
É importante lembrar que em 2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou projeto de lei que obriga os planos de saúde a arcar com procedimentos que não estejam na lista da ANS.
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O chamado rol da ANS especifica consultas, exames, terapias e cirurgias que constituem a cobertura obrigatória dos planos de saúde contratados após 2 de janeiro de 1999 ou adaptados à lei 9.656/98.
Também no ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) terminou julgamento que definiu a natureza do rol da ANS, se é taxativo (só cabe a cobertura do que o rol prevê) ou exemplificativo (não se esgota em si mesmo, pode ser ampliado).
“O STJ acabou decidindo que é taxativo, mas observadas algumas exceções. Essa decisão do STJ, embora seja relevante e tenha servido para superar discordância entre as turmas, não é definitiva. Levantamentos mostram que alguns tribunais de Justiça continuam entendendo que rol da ANS é exemplificativo ou levam em consideração as próprias exceções”, explica a advogada do programa de Saúde do Idec, Marina Paullelli.
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Ela destaca que os casos levados ao Judiciário vão justamente pleitear tratamentos que não estão incluídos no rol. “E os tribunais de Justiça, em especial o de São Paulo, levam em consideração essas reivindicações para garantir acesso ao tratamento adequado ao paciente. A lei diz que é preciso cobrir todas as doenças relacionadas na CID [Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde] e indica os que estão excluídos da cobertura, como tratamentos experimentais ou estéticos, por exemplo”, diz.
A representante dos consumidores destaca que na Lei dos Planos de Saúde estão previsto casos em que a cobertura é obrigatória e, diz ela, mesmo não estando no rol, é preciso garantir o tratamento se existir eficácia comprovada ou se houver recomendação da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) ou de outro órgão que analise a tecnologia.
De acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em 2021, foram registradas 142 mil novas ações relativas à saúde suplementar. No levantamento realizado pela FGV junto ao TJ-SP foram analisadas 130.980 decisões de primeira instância e outras 74.274 decisões tomadas pelo TJ-SP, a segunda instância.
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O superintendente executivo da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), Marcos Novais, destaca que trata-se de um tema sensível.
“A judicialização é a busca por algum direito. É um fenômeno da sociedade moderna, e o mundo inteiro passa por esse processo de inclusão”, afirma. “Olhando setorialmente, somos resultado de um coletivo, pessoas contribuem para ter acesso à saúde e temos que ser responsáveis nesta gestão”, complementa.
Para Novais, as decisões sobre um tratamento ou medicamento precisam trazer um caráter técnico. “Temos que pegar o que tem evidência científica comprovada, porque nem sempre o que é indicado é o mais seguro”, comenta, ao destacar que a operadora não nega um pedido sem razão, porque gera uma multa de, no mínimo, R$ 80 mil.
“A gente estimula que a operadora interaja e explique de forma simples quando negar-se a cobrir algum procedimento. É preciso melhorar essa interação e várias operadoras estão começando a fazer isso. É um desafio porque estamos falando de um mercado de massa, com 11,8 milhões de cirurgias anuais, quase 400 milhões de consultas e mais 100 milhões de terapias”, finaliza o executivo da Abramge.
Procurada, a FenaSaúde respondeu, por meio da sua assessoria de imprensa, que não seria possível comentar o assunto no momento.
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