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Os alunos da rede pública começaram a retornar às escolas na segunda-feira (3). Na semana anterior tinha sido a vez da rede particular. E a grande novidade este ano não foi o reencontro com os amigos e professores, mas sim a proibição dos celulares imposta pela Lei 15.100/25, sancionada no início de janeiro pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A grande expectativa é sobre como isso vai funcionar, ou não, especialmente quando os dados mostram que 93% dos brasileiros entre 9 a 17 anos são usuários de internet, sendo que 83% estão presentes em redes sociais como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube, conforme pesquisa “TIC Kids Online Brasil 2024”, produzida pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Diante desse cenário complexo, cresce o debate sobre como os adolescentes podem manter uma relação saudável com as telas. Será mesmo que o ideal é proibir ou seria melhor ensinar jovens a usar melhor as telas?
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O InfoMoney foi ouvir especialistas para saber mais e entender o que está por trás desse assunto.
Para Alana Danielly Vasconcelos, professora do Programa de Pós-Graduação de Educação da Universidade Tiradentes, mais do que proibir é preciso mostrar como essas ferramentas funcionam e aprender a olhar de forma crítica para usá-las melhor.
“As questões entre educação e tecnologia demandam uma análise mais profunda do que simplesmente proibir ou liberar. É preciso compreender o papel da tecnologia na sociedade contemporânea, porque ela muda a nossa forma de vida, o modo como a gente interage e como a gente se comunica”, explica.
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Para a gerente pedagógica da plataforma de ensino híbrido de educação básica Geekie, Carolina Brant, é preciso ter em mente que as ferramentas podem ser aliadas valiosas, desde que sejam utilizadas de maneira responsável e direcionada para o que realmente importa.
“Claro que tudo isso também exige o fortalecimento de habilidades socioemocionais para uma vida equilibrada e saudável, garantindo a saúde física e mental de jovens que utilizam plataformas digitais”, afirma.
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Dentre os possíveis problemas no uso, ou abuso, de tecnologias, a especialista cita a criação de padrões de comparação irreais, expectativas inalcançáveis e o acesso a conteúdos inadequados, resultando em sentimentos como baixa autoestima e tensão.
“O excesso de conexão virtual muitas vezes substitui momentos essenciais de interação real com entes queridos, prejudicando a construção de uma base emocional sólida”, complementa a gerente da Geekie.
A idade importa
Segundo a psicóloga Larissa Fonseca, a idade nestas questões digitais importa bastante. “Crianças de até 12 anos estão numa fase de desenvolvimento cognitivo, emocional e social. Por isso, o uso excessivo de telas vai impactar de uma forma muito negativa na memória, na capacidade de fazer os vínculos presencialmente, além de refletir diretamente no desenvolvimento intelectual e cognitivo. Isso sem falar na extrema ansiedade”, afirma.
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Já nos casos de adolescentes maiores, segundo a psicóloga, há ainda o comprometimento das funções relacionadas à cognição e a questão relacionada à auto regulação emocional. “O adolescente precisa muito da interação social. Sua formação, muitas vezes, está relacionada no modo como ele interage com os grupos e como ele se sente parte da tribo”, afirma.
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Larissa acredita que é justamente nessa fase que é preciso entrar com a parte mais educativa em relação ao mundo digital, incentivando a responsabilidade.
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“Mas é importante que eles entendam que essa proibição surgiu por causa de um adoecimento generalizado que vem sendo provocado pelas redes sociais e que já tem até nome: brain root, ou apodrecimento do cérebro. Por isso é fundamental integrar a educação digital para que eles entendam o que está acontecendo”, disse.
Educação midiática
A educação midiática é fundamental porque ela ensina as pessoas a lidarem com os conteúdos das mídias tradicionais e on-line, filtrando a veracidade de cada conteúdo e utilizando-o de forma ativa e crítica, seja no ambiente presencial ou no digital. Este tipo de educação pode inclusive ajudar na superação de algumas dificuldades e desafios encontrados na realidade atual da educação brasileira, como as deficiências em leitura, interpretação e feitura de cálculos simples.
“É preciso um trabalho forte para preparar esses estudantes, independentemente da idade que eles tenham, para serem participantes ativos e críticos, seja no ambiente presencial ou no ambiente digital. Porque o problema não é a tecnologia, mas como ela é utilizada”, diz a professora Alana.
Foi exatamente nisso que a Escola Nova by SIS, do Rio de Janeiro, apostou desde 2023 ao implementar políticas de uso de tecnologia para promover a utilização responsável de dispositivos eletrônicos entre os estudantes, não apenas restringindo o uso, mas mostrando todas as implicações.
Desde setembro do ano passado, a escola já falava com os pais sobre os planos da proibição total em 2025, reforçando seu compromisso com uma educação digital responsável e segura.
A diretora da escola, Cintia Areno, explica que a medida representa o compromisso com a criação de ambientes escolares mais saudáveis, seguros e propícios ao aprendizado, onde as relações humanas e o desenvolvimento pessoal sejam verdadeiramente priorizados.
“Ao deixar os celulares de lado, abrimos espaço para algo maior. É um convite para que nossos alunos redescubram a alegria de aprender juntos, de se comunicar, de trocar olhares, compartilhar ideias e de se envolver plenamente nas atividades que constroem” afirma.
Efeitos da pandemia
O uso excessivo de telas por crianças e adolescentes foi um comportamento que veio se enraizando desde a pandemia da Covid-19, por isso é apontado por diversas pesquisas científicas e especialistas em saúde como o primeiro e principal responsável pelo aumento dos casos de doenças e transtornos de saúde mental entre o público infantil.
Uma delas, divulgada no ano passado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com base na revisão de 142 artigos científicos, mostrou que 72% dos estudos relacionados a crianças constataram aumento da depressão associada ao abuso da exposição a telas neste grupo.
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Os mesmos estudos apontam ainda a ocorrência de problemas como transtorno de déficit de atenção, hiperatividade e diminuição do quociente de inteligência (QI), além do desenvolvimento precoce de doenças crônicas associadas à obesidade. O distúrbio de uso abusivo de tecnologias foi tão longe que já é tipificado pela Classificação Internacional de Doenças (CID).
“Ela causa uma maior irritabilidade, menor tolerância e frustração, dificuldade de socialização, entre outras coisas. E isso atrapalha muito a rotina porque o celular acaba ocupando muito tempo da pessoa, que deixa de lado outras atividades, principalmente as de convivência”, afirma Catiele Reis, professora do curso de Psicologia da Universidade Tiradentes (Unit) e especializada em Psicologia da Infância.
Por tudo isso, a recomendação geral dos profissionais é de que as crianças possam utilizar sim utilizar a tecnologia, mas entre duas a quatro horas por dia no máximo. Como isso raramente era respeitado, a lei acabou sendo um mal necessário.