Cartão corporativo: saiba o que pode ou não pode no uso desse meio de pagamento

Envolvido numa polêmica recente, o cartão pode ser uma ferramenta de controle importante de custos para as empresas, mas exige cuidados tanto das corporações como dos funcionários

Anna França

Cartão de crédito Foto:Rupixen/Pixabay
Cartão de crédito Foto:Rupixen/Pixabay

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O mercado corporativo foi sacudido pela notícia da demissão de um executivo de alto escalão do Itaú Unibanco, no início de dezembro. O motivo impressionou ainda mais: o uso inapropriado do cartão corporativo.

O banco informou que decidiu deixar claro para todos os funcionários que não vai aceitar este tipo de conduta de ninguém, nem mesmo de um executivo que estava há 27 anos na empresa e que comandava um dos maiores orçamentos publicitários do País.

Mas o que seria mesmo o mal uso do cartão corporativo? O InfoMoney foi ouvir especialistas sobre o assunto para saber quais são as formas mais corretas de utilização dessa ferramenta.

A opinião foi unânime de que o cartão corporativo é uma grande ferramenta para organizar melhor a forma de pagamento por produtos e serviços pertinentes ao trabalho, evitando que o funcionário tenha de colocar do seu próprio bolso o dinheiro para fazer pagamentos e depois ter de ficar pedindo reembolso.

Porém, ao mesmo tempo, abriu inúmeras possibilidades de uso, nem sempre adequados, desse meio de pagamento.

Para evitar problemas, os advogados advertem que a política de governança da empresa deve ser muito clara sobre a utilização dessa importante ferramenta e, principalmente, sobre as possíveis consequências do mau uso.

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“Dessa forma, o uso inadequado e fora das regras poderá resultar em advertências, suspensões e, até mesmo, na dispensa por justa causa, caso o empregado seja reincidente na conduta”, explica a advogada Flavia Maria Vieira de Oliveira, chefe da área Trabalhista do escritório Andrade Foz Advogados.

Problemas fiscais

O advogado Rodrigo Lazaro, sócio do FCR Law, alerta sobre questões fiscais ligadas ao cartão corporativo. Isso porque, para empresas optantes pelo lucro real, as despesas que podem ser consideradas dedutíveis para o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) precisam ser úteis, necessárias e normais.

Ou seja, os gastos do cartão corporativo devem ser contabilizados como aquisições relacionadas às atividades empresariais. “Os dispêndios que não estão alinhados com essa orientação serão indedutíveis. O efeito é considerar que essas despesas são adicionadas ao lucro líquido e se pagaria o IRPJ e CSLL sobre esses dispêndios”, explica.

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Por outro lado, quando empresas optantes pelo lucro presumido e Simples Nacional lançam os gastos com cartões corporativos, demonstrando pagamentos superiores às receitas declaradas, isso pode ser considerado como “acréscimos patrimoniais a descoberto” e pode ser arbitrado lucro tributável sobre esses valores, segundo Lazaro.

“Assim, a fiscalização levantará o total dos gastos e identificará que o contribuinte não declarou tudo como receita em razão da presunção de que possui recursos ocultados para pagar essas despesas que ultrapassam suas receitas”, disse ele, acrescentando que as despesas com cartão corporativo devem ser exclusivamente para a empresa titular do cartão.

“Se os cartões forem utilizados para pagar despesas de sócios, é possível que a fiscalização entenda que se referem a rendimentos de trabalho sem vínculo de emprego (remuneração indireta) e o beneficiário poderá ser autuado, assim como a empresa em relação às contribuições previdenciárias patronais”.

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Questões trabalhistas

Se o cartão corporativo tiver sua finalidade desviada para pagar despesas de empregados, há o risco de se caracterizar como remuneração indireta e gerar autuação para cobrança de contribuições previdenciárias dos empregados e empresa.

“Caso o empregado comprove que exista o consentimento da empresa no uso do cartão corporativo para lhe retribuir como benefício, poderá discutir se essa remuneração indireta poderá se refletir sobre direitos trabalhistas”, explica Lazaro.

O advogado Eduardo Terashima, sócio de contencioso do NHM Advogados, destaca ainda que o assunto é tão importante que está descrito no artigo nº 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e seu uso indevido pode configurar justa causa para demissão, ou, em casos do setor público, como improbidade administrativa.

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“Em caso de comprovação do uso inadequado, o colaborador pode ser obrigado a restituir o valor à empresa, com base no artigo 884 do Código Civil, que trata da proibição do enriquecimento sem causa”, afirma.

Terashima alerta ainda que superiores que autorizam gastos fora dos padrões também podem ser envolvidos nos processos.

Para evitar problemas para o seu lado, o funcionário deve sempre guardar comprovantes e justificar as despesas, seguindo prazos e procedimentos internos.

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Gustavo Didier, CEO e Fundador da Unio Company, gestora que atua com operações no mercado de capitais, afirma ainda que os desvios de uso do cartão corporativo, para além de todas as questões legais, também influenciam no ambiente da empresa, porque situações de abuso podem gerar desconfiança entre os colaboradores e a liderança.

Controle de gastos

As questões sobre controle de gastos são tão fortes dentro das empresas que a fintech ACG criou um sistema de gestão de gastos corporativos para maior controle de todas essas variáveis envolvidas com o uso do cartão. O PagCorp, que já está disponível no mercado há 10 anos, atende empresas de todos os tamanhos, segundo Liliane Josua Czarny, sócia e gerente de marketing da ACG.

A ferramenta inclui um aplicativo que administra todo o gasto dos funcionários, que podem inserir as notas de tudo que foi adquirido para serem conferidas junto com a fatura do cartão.

“Nesse sistema, os gestores avaliam as contas e aprovam ou não. Além disso, já incluímos também o uso de inteligência artificial que acrescenta mais uma camada de controle entre as despesas e checagem da veracidade das notas”, explica Liliane.  

Segundo a executiva, a empresa passa a ter um controle completo, podendo estabelecer as regras, replicar hierarquia da empresa, e os limites antes e ainda checar tudo depois.

“Quando a empresa coloca o sistema já consegue diminuir em até 80% as fraudes, porque o sistema já inibe as pessoas. Isso sem falar na melhora da visibilidade e gestão dos gastos para os gestores. Para o funcionário, tem a vantagem de não ter mais de usar seu dinheiro para pagar coisas da empresa. Assim, o reembolso vira coisa do passado”, afirma.

Cada empresa estabelece sua política de gastos para o cartão, mas para entender melhor o que pode e o que não pode ser pago com cartão corporativo, em linhas gerais, Gustavo Didier elaborou uma lista para o Infomoney.

Veja o que pode e o que não pode ser pago com o cartão corporativo:

PODE

  1. Despesas de viagem:

– Passagens aéreas ou rodoviárias para viagens a trabalho.

– Diárias em hotéis previamente aprovados pela empresa.

– Alimentação durante deslocamentos profissionais.

2. Materiais ou equipamentos necessários para o trabalho:

– Compra de materiais de escritório.

– Equipamentos eletrônicos (notebooks, tablets), quando previamente autorizados.

– Licenças ou softwares específicos.

3. Representação e eventos:

– Pagamento de refeições em encontros com clientes ou parceiros.

– Aluguel de salas de reunião ou eventos corporativos.

4. Combustível e manutenção de veículos:

– Quando o colaborador utiliza carro da empresa ou recebe autorização para usar seu veículo pessoal para atividades profissionais.

5. Inscrições e cursos:

– Participação em congressos, workshops ou treinamentos relacionados ao trabalho.

NÃO PODE

  1. Despesas pessoais:

– Compras de itens de uso particular, como roupas, eletrônicos ou acessórios.

– Alimentação não relacionada a deslocamentos profissionais.

– Pagamentos de contas pessoais ou boletos

2. Entretenimento:

– Ingressos para shows, cinemas ou eventos não vinculados ao trabalho.

– Assinaturas de plataformas de streaming para uso pessoal.

3. Presentes e itens não autorizados:

– Presentes pessoais para amigos ou familiares.

– Compras de alto valor sem prévia autorização.

4. Despesas de terceiros:

– Contas de restaurante, hotel ou transporte que incluam pessoas não ligadas à empresa ou ao objetivo da viagem.

5. Multas e infrações:

– Pagamento de multas de trânsito ou outras penalidades ocasionadas por uso impróprio.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro