Imagine o seguinte: em um mesmo lugar, você contrata um financiamento imobiliário, adquire um smartphone e, de quebra, compra tinta para sua impressora.
Você sai dali e segue para uma padaria. Entre um pão na chapa, salada de frutas e um café, saca dinheiro, faz pequenos empréstimos, paga conta de luz e pede um novo cartão de crédito.
Saia da imaginação porque esta realidade já existe — mas ainda é preciso atravessar o oceano e desembarcar na Europa para ver toda esta engrenagem funcionando.
No primeiro exemplo que abre esta reportagem, os serviços são disponibilizados em uma agência bancária. No segundo caso, o banco é que se instala no espaço onde funciona um ponto comercial.
O conceito vem de expressões em inglês: “One Stop Shop” ou “One Stop Market”. Ou seja, a possibilidade de o consumidor conseguir comprar diversos produtos e serviços em um mesmo lugar — tanto no mundo físico quanto no digital.
No varejo, esta realidade é mais palatável com Mercado Livre, Amazon e Magazine Luiza imersas nesta modalidade. O pulo do gato é ver o formato se disseminando pela indústria financeira, mais conservadora, propiciando o que mais fisga o consumidor: conveniência.
A reportagem do InfoMoney conheceu de perto uma unidade do bank99, na Áustria, que disponibiliza esse tipo de serviço. Em vez de agências bancárias, o banco tem lojas de conveniência que vendem de fones de ouvido e celulares a itens de papelaria para o dia a dia; escritórios mais reservados são usados para negociação de produtos financeiros mais complexos, como um financiamento imobiliário.
“A ideia foi trazer praticidade para o cliente que pode comprar um celular dentro da nossa loja e, se quiser, já fazer um empréstimo, por exemplo”, conta Michael Wiedeck, diretor de vendas do bank99.
Segundo Wiedeck, já são 400 agências no estilo loja de conveniência, além de 1.800 pontos do banco espalhados por shoppings, padarias, farmácias, cafés, posto de gasolina e empresas de telefonia.
Nas agências, o banco oferece conta-corrente, empréstimos pessoais, financiamentos imobiliários, depósitos, seguros e serviço de poupança, cujo cliente pode escolher um valor fixo para guardar todo mês, além de investimentos específicos.
Já nos pontos comerciais parceiros é possível depositar, sacar dinheiro e fazer transferências entre contas do banco. Um detalhe: o cliente não consegue comprar um produto da loja do parceiro usando o caixa do banco.
A ideia é estar em um ponto de fácil acesso com serviços do banco mais próximo ao cliente, mas funcionando de maneira separada do estabelecimento parceiro.
Ao visitar uma das unidades do bank99, presencialmente, a reportagem teve a sensação de estar em uma varejista. Logotipos do banco, porém, exerciam a função de lembrar que ali é uma agência bancária, com caixas eletrônicos.
O diferencial da agência bancária desconstruída é que nela, o cliente tem acesso a várias ofertas, além de adentrar o espaço não necessariamente para contratar um serviço bancário, mas, para comprar um caderno, por exemplo — e nem precisa ser cliente do bank99.
“A tradição de mesclar serviços começou com o Correio da Áustria que sempre ofereceu, além das entregas de mercadorias, serviços financeiros através de uma parceria com um banco terceiro. Da perspectiva dos clientes, eles tinham contas no banco dos correios, que era quem detinha os dados e atendia aos clientes, mas era preciso um banco para executar os serviços. O contrato de parceria terminaria em março de 2020, e o correio da Áustria decidiu criar um banco próprio”, explica o executivo.
O bank99 foi lançado em abril de 2020 como resultado de uma joint venture entre o correio austríaco e o GRAWE Banking Group. O desafio foi captar clientes porque não houve migração de contas do parceiro antigo.
“Tivemos que abrir novas contas para todos os clientes. Mas, diante das circunstâncias, o processo foi feito online. Com uma rápida análise, o cliente já pode acessar a conta-corrente e movimentar o dinheiro”, diz Wiedeck durante apresentação da agência. Hoje são 200.460 clientes, segundo Wiedeck.
O correio da Áustria é o principal acionista do bank99, com 90% do negócio. Além dos serviços financeiros mencionados, segue fazendo envio e entrega de encomendas.
O bank99 tem espaços coletivos com armários, onde as encomendas que não foram entregues nas residências (por opção ou por qualquer outro motivo) ficam guardadas. Para retirar os pacotes, é necessário comprovar a identidade.
Além de receber uma encomenda, o cliente pode enviar um pacote para outra pessoa dentro de uma agência do bank99 também. Veja o espaço de encomendas:
O modelo é diferente do que temos no Brasil, por exemplo, mas o executivo explica que há formatos similares na Europa.
“Alguns países, como Alemanha, Portugal e Itália, têm bancos vinculados aos correios locais. Então, vimos que era possível desenvolver algo bem parecido por aqui”, explica Wiedeck.
Por ora, ele diz que não tem planos, no curto prazo, para ampliar parceiros, mas que o banco segue de olho em oportunidades.
Na África do Sul, por exemplo, o banco Nedbank também trabalha com pontos de atendimento espalhados em pontos comerciais parceiros que permitem pagar contas de luz, jogar na loteria e sacar e depositar dinheiro, seguindo uma lógica de conveniência similar.
Loja física x internet banking
Para Wiedeck o modelo de agências funciona muito bem porque une o mundo digital ao físico.
Segundo ele, a média de idade dos clientes é de 48 anos. “Para nós, funciona [o formato de agência]. Esses clientes gostam do presencial para resolver as dúvidas e problemas que surgirem, e temos também os canais online para quem desejar”, afirma.
É possível ter algo similar no Brasil?
“No Brasil, temos o correspondente bancário, que é o estabelecimento que conecta os consumidores à instituição financeira. Então, o supermercado, a papelaria ou um estabelecimento comercial padrão, poderiam fazer esse papel de parceiros de bancos”, diz Rogerio Melfi, da ABFintechs.
Essa figura precisa seguir regras específicas do Banco Central e com a permissão para receber pagamentos de contas de luz, água e telefone, e coleta de informações cadastrais, por exemplo. Hoje, a lotérica é o correspondente mais conhecido. Segundo dados da Febraban, há mais de 210 mil estabelecimentos correspondentes bancários no Brasil.
“A lotérica pode começar a se tornar loja de conveniência específica com produtos específicos, e o banco chega com o produto financeiro para auxiliar no processo de compra”, diz Juan Ferrés, fundador e CEO da Teros.
Ferrés afirma que esse processo, no Brasil, precisa ser cauteloso. “Talvez seja mais rápido criar modelos relacionais em que as pessoas possam interagir presencialmente para tirar dúvidas e resolver problemas mais complexos, mas que não ofereçam opções transacionais, como saques e depósitos, por exemplo”.
“Tem riscos porque os numerários podem se misturar. Por exemplo: se muitas pessoas sacarem dinheiro em um dia, o caixa da loja pode ser afetado”, completa.
No caso do bank99, quando há pontos do banco dentro dos parceiros, os negócios são separados sem misturar as receitas. Dentro das agências, por outro lado, a receita vai para o banco, que repassa uma fatia para a loja parceira.
“Acho que essa é uma solução: os bancos apostarem em espaços híbridos, que tenham serviços do banco, mas também funcionem como ponto de encontro para negócios, na tentativa de manter clientes perto e atrair novos”, diz Melfi.
Algumas fintechs e bancos digitais com agências tentam alternativas que fogem desse padrão. É o caso de uma unidade do Banco Original, na Av. Faria Lima (SP), que é uma cafeteria e conta com funcionários do banco para auxiliar o cliente presencialmente e com salas de reunião.
Ferrés acredita que, com a evolução do mercado brasileiro, novos formatos de agências serão realidade.
“Agências como conhecemos hoje vão ficar para trás e mais focadas em clientes pessoas jurídicas. Acho que é possível que as instituições criem pontos de conveniência em diversos estabelecimentos ou mesmo com varejistas ‘powered by’ [feito em parceria com] banco ‘XYZ'”, afirma.
Melfi lembra que esse tipo de integração pode ser bem-vindo, inclusive, pelo próprio Banco Central. “Ter o serviço bancário dentro do comércio é um desejo do regulador porque pode permitir o Pix Saque e o Pix Troco dentro do comércio, por exemplo, e esse estabelecimento vira também um ponto de circulação de numerário”, afirma.
Ele conta também que uma outra solução é unir todos os bancos em uma agência só. A empresa OneBanks Hubs faz isso: tem um ponto físico que agrega serviços de 22 bancos, com uma equipe própria que ajuda os consumidores.
“Clientes de qualquer banco podem ir nesta agência para depositar e sacar dinheiro, fazer pagamentos e obter ajuda para configurar ou usar um banco online”, diz o site. Por ora, o serviço está disponível em três cidades da Escócia.
O OneBanks Hubs teria lastro no Brasil? Só o tempo dirá.
Repórter viajou a convite da Diebold Nixdorf.
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