ANS e plano sem direito à internação: o que muda e por que usuário deve ter cuidado?

Presidente da ANS propôs debate sobre regras para venda de planos exclusivamente ambulatoriais

Gilmara Santos

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A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) anunciou no fim da semana passada que vai apresentar um projeto para reformular a política de preços e reajustes dos planos de saúde privados e criar novas regras para planos médicos. Os temas serão levados para audiência pública no dia 7 de outubro.

“É sempre muito bem vinda a realização de audiência pública pela ANS para obter informações e dados tanto do setor regulado quanto de pacientes consumidores. Mas não me parece que são os pontos que potencialmente promoverão reformas, sustentabilidade, inovação e melhorias no setor”, avalia o advogado Henderson Fürst, sócio CGV Advogados.

Ficou de fora, por exemplo, considerações acerca do modelo remuneratório, que é uma tendência muito positiva adotada em diversos mercados de saúde suplementar e ainda evitado no Brasil.

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“Apenas para exemplificar, no Brasil se cobra pelo serviço prestado, e não pelo valor agregado à saúde e economia de forma a estimular o uso de tecnologias minimamente invasivas. Também ficou de fora a regulação a estímulos em comportamento e hábitos de saúde, de modo que a agência pudesse atuar verdadeiramente como um agência reguladora que faz parte do sistema de saúde brasileiro. No século 21, os grandes problemas de saúde são relacionados a hábitos e meio ambiente, e isso não está contemplado”, afirma Fürst.

“O Idec considera completamente inapropriado discutir, na mesma audiência, temas extremamente complicados e com grande potencial negativo às pessoas consumidoras”, diz o Idec por meio de nota.

Um dos pontos que tem causado maior descontentamento é o que prevê a venda de planos exclusivamente ambulatoriais.

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Sem internação

Em seu voto, o diretor-presidente da ANS, Paulo Rebello, propôs a inclusão do debate sobre as regras para venda de planos exclusivamente ambulatoriais.

“Hoje em dia, sabemos que há cerca de 60 milhões de pessoas usando cartões de desconto, que são produtos baratos, sem qualquer tipo de regulação e fiscalização, mas que possibilitam a realização de consultas e exames. É a forma como essas pessoas encontraram de ter acesso aos serviços de saúde”, argumentou.

Nesse sentido, diz Rebello, “a proposta de rever as regras dos planos exclusivamente ambulatoriais é dar a esses consumidores a possibilidade de ter planos de saúde com preços mais baixos, com regras claras e com coberturas garantidas, possibilitando o cuidado com a saúde e a realização de consultas e exames como forma de prevenir doenças ou identificá-las em fase inicial”.

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E complementou: “Fico imaginando uma mãe com seu filho gripado, sem condição de ter qualquer atendimento, podendo ter o caso agravado e até vir a precisar de internação. Ter assistência logo que os sintomas aparecem pode fazer toda a diferença no resultado em saúde.”

Caio Henrique Fernandes, sócio do Vilhena Silva Advogados, vê de outra maneira. “É algo muito perigoso para o consumidor. Por mais que você contrate um plano que tenha cobertura para consultas e exames, pense que não haverá cobertura para questões hospitalares, como internações. Ou seja, o consumidor vai contratar um plano que não vai dar cobertura ampla para o que ele precisa”, avalia o advogado.

Para ele, o que pode ocorrer é aumentar a judicialização nesse sentido. “Por isso é necessário um debate maior. Vamos ver quais serão as regras apresentadas nessa audiência pública”, afirma Fernandes.

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Quem também está esperando mais informações da agência reguladora é o Procon-SP. “Temos que esperar a proposta da agência para fazer uma avaliação, mas o que vimos até agora nos causa muita preocupação”, diz a especialista em defesa do consumidor do Procon-SP, Maria Lacerda.

Ela explica que hoje já existe o plano ambulatorial, que garante o atendimento de urgência e emergência com uma série de direitos contemplados.

“Agora, permitir um plano apenas com consulta e exames é temerário. O usuário vai ter diagnóstico atendido nessas situações? E se precisar de exame mais complexo o plano vai cobrir?”, questiona.

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Para ela, é importante saber ainda como esse produto vai ser vendido para o consumidor. “Pode ter prejuízo, porque vai comprar um plano pensando que vai ter assistência e pode não ter”, diz. “As pessoas se sacrificam para pagar o plano de saúde e na hora que precisa não vai ter assistência que espera ter. Isso é muito preocupante”, enfatiza a representante dos consumidores.

Outro lado

Para o advogado Léo Rosenbaum, especialista em direito dos planos de saúde, rever as regras para planos que cobrem apenas consultas e exames pode ser benéfico para um grande número de pessoas que, atualmente, dependem de cartões de desconto. “No entanto, esses produtos precisam ser cuidadosamente regulados para garantir que ofereçam a segurança jurídica e a qualidade de atendimento necessárias, evitando que se tornem uma alternativa insuficiente e com riscos de mau atendimento”, diz.

Rosenbaum afirma ainda que a introdução de novas regras para planos ambulatoriais pode representar um avanço significativo ao oferecer cobertura mais acessível para consultas e exames. “Isso é fundamental em um país onde o acesso a atendimento de saúde é uma das principais preocupações da população. Essas mudanças podem reduzir a sobrecarga no sistema público de saúde e melhorar a prevenção de doenças por meio do diagnóstico precoce”, considera.

O advogado Rogério Scarabel, sócio do M3BS Advogados e ex-presidente da ANS, considera que os planos exclusivamente ambulatoriais, conforme regulamentados pela ANS, têm um potencial significativo para ampliar o acesso da população à saúde suplementar, oferecendo cobertura a um custo mais acessível, sem, contudo, incluir internações hospitalares.

“Debater esse conceito e estudar o impacto desse modelo e de outros ainda mais simples pode atrair uma grande parte da população que busca atendimento de saúde preventiva e diagnóstica, mas não consegue arcar com os custos dos planos tradicionais que oferecem cobertura hospitalar completa”, diz.

Em termos de impacto no mercado, comenta o advogado, esses planos têm potencial de incluir uma faixa da população que, muitas vezes, não possui condições financeiras de arcar com planos completos, mas que ainda assim busca um cuidado regular e qualificado, evitando o uso exclusivo do SUS para cuidados de saúde primária e ambulatorial.

“Portanto, o debate sobre a expansão dos planos exclusivamente ambulatoriais deve focar em criar um ambiente regulatório que ofereça segurança, clareza e qualidade ao consumidor, permitindo que a saúde suplementar atenda uma população mais ampla, com menores custos e maior eficiência”, comenta Scarabel.

Procurada, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) informou por meio da sua assessoria de imprensa que “vai comentar o tema apenas após a publicação do edital pela ANS”.

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Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC