Alta nas tarifas, corridas canceladas e debandada de motoristas ainda persistem após reajuste em apps de transporte

Pandemia de Covid-19 e a alta do preço dos combustíveis têm impactado desempenho do transporte de passageiros via app no país

Dhiego Maia

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SÃO PAULO – O pacote de medidas criado para minimizar as perdas financeiras dos motoristas que transportam passageiros via aplicativo ainda não se refletiu na melhoria da qualidade do serviço prestado.

Relatos de aumento abrupto das tarifas, cancelamentos das corridas e de debandada de motoristas das ferramentas ainda persistem.

Na sexta-feira (17), completou uma semana que Uber e 99 anunciaram aumento no repasse do valor dado aos seus motoristas para amenizar os impactos gerados pela pandemia de Covid-19, que há 18 meses vem interferindo negativamente na atividade.

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Mas o que forçou mesmo as empresas do setor a agir foi a alta nos preços dos combustíveis que, em algumas regiões, fez o litro da gasolina ser vendido a R$ 7.

Na 99, o aumento no repasse foi de 10% a 25%, sendo válido em mais de 20 regiões metropolitanas do país, entre elas, São Paulo, Salvador, Brasília e Belo Horizonte. Na Uber, o reajuste anunciado pode atingir até 35%.

Entidades que representam os motoristas por aplicativo dizem que os novos reajustes são insuficientes para reequilibrar a renda dos profissionais, muito corroída também pela inflação.

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A estimativa da inflação medida pelo IPCA, divulgada nesta última quinta-feira (16) pelo ministério da Economia do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), subiu para 7,9% em 2021 —o índice anterior projetado era de 5,9%.

Eduardo Lima de Souza, dirigente da Amasp-SP (Associação dos Motoristas de Aplicativos em São Paulo), lembra que já foram implementados ao menos nove aumentos nos preços dos combustíveis — uma alta de 50%. “A sensação dos motoristas é de indignação porque a categoria não tem reajuste desde 2015 e, quando ele chega, se mostra abaixo do que deveria”.

O representante da Amasp paulista também chama a atenção para a falta de clareza no percentual de reajuste divulgado pela Uber que, para atingir o teto máximo, necessita contemplar muitas variáveis.

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“Além de não valer para todas as corridas, esse reajuste da Uber fica condicionado ao horário, ao local, ao tipo de corrida e ao passageiro para o profissional receber o aumento que lhe cabe”, pontua o dirigente.

Motoristas de apps de São Paulo ouvidos pela Agência Estado também relataram outro problema recorrente: a diminuição da taxa dinâmica.

A taxa dinâmica é uma forma que os aplicativos encontram de compensar a alta demanda de corridas em uma determinada ocasião, aumentando a taxa cobrada dos passageiros. Os motoristas, porém, relataram que as taxas não estão tão altas como eram antes, ou ela simplesmente não existe mais.

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“Estudo muito os horários em que posso ter mais ganhos. Trabalho mais nos horários em que outros motoristas não estão trabalhando, justamente também pela tarifa dinâmica. Mas ela simplesmente some, ou então não aparece tão alta como aparecia antes. Derrubou bastante os valores da tarifa dinâmica”, relata Ana Paula Aparecida de Oliveira, 38, que trabalha com os aplicativos Uber e 99.

Para Eduardo de Souza, da Amasp, há uma suspeita dos motoristas de que a derrubada dos valores de tarifa dinâmica tendem a compensar os reajustes anunciados pelos aplicativos.

Uber
Uber (Shutterstock)

Antes de a gasolina atingir o atual patamar de preço, o mestre de obras Alexandre José dos Santos Andrade, 50, havia abandonado os aplicativos de transporte e voltado a trabalhar com reforma de casas.

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Morador da Freguesia do Ó, em São Paulo, Andrade diz que “estava pagando para trabalhar”, ao não ter condições de encher o tanque do carro que usava.

“Desisti de ser Uber em dezembro do ano passado. Montei estratégia de ficar perto dos hospitais por causa da pandemia, mas percebi que estava correndo muito risco à toa”.

Com 12 mil viagens realizadas em três anos, Andrade conta que o bolso continua vazio. “Mas deixei de correr risco e passar raiva no trânsito”.

Debandada

Os aplicativos não divulgam quantos de seus motoristas deixaram a ferramenta por causa dos reflexos da sobreposição das crises econômica e sanitária. Mas uma sondagem pelo setor da locação de veículos escancara parte do problema.

Segundo a Abla (Associação Brasileira de Locação de Automóveis), entidade que representa metade da frota de veículos disponíveis para aluguel no país, “uma a cada quatro pessoas que alugam carros para trabalhar como motorista de aplicativo abandonou a atividade”.

Influiu na debandada, segundo a própria entidade, o reajuste do preço da locação, na casa dos 30%.

A projeção da associação é de que 30 mil veículos antes usados para o transporte de passageiros via app tenham sido devolvidos para as locadoras do país, entre os meses de junho e setembro.

“Ainda restam 170 mil veículos alugados nas mãos desses motoristas, mas esse número poderia ser de 250 mil, caso o litro do combustível voltasse a ficar entre R$ 4 e R$ 5”, diz Paulo Miguel Júnior, presidente da Abla.

Não se vá, motorista!

A precarização das condições de trabalho dos motoristas vinculados aos aplicativos de transporte de passageiros também vem prejudicando os consumidores que necessitam do serviço.

Segundo os clientes ouvidos pelo InfoMoney, deslocar-se pela cidade via app nas últimas semanas tem exigido esforço, paciência e até súplica aos motoristas para a corrida não ser cancelada.

O engenheiro de software, Luiz Sotero, 33, passou por apuros na noite desta última terça-feira (14) quando tentava chegar a um ensaio musical.

Ele diz ter demorado 25 minutos para conseguir um carro da Uber para levá-lo da região da Consolação (centro de São Paulo) até o Morumbi (zona sul). “Nesse intervalo, meus pedidos de corrida foram cancelados 12 vezes”, afirma.

“O aplicativo da Uber mostrava carros próximos à minha rua e outros com distância a três minutos da minha casa, mas ninguém aceitava a minha corrida”, conta.

Para conseguir chegar ao destino, Sotero diz ter sido preciso acionar uma categoria mais cara do aplicativo. “Tem sido assim: sempre estou pagando mais para conseguir um carro do app”, diz.

Lucas Passos, 30, também diz estar sem entender a elevação do preço da corrida via Uber, que faz diariamente entre a sua casa, no Tatuapé (zona leste de São Paulo), até uma escola da rede pública na Vila Matilde ( também na zona leste), onde leciona aulas de artes.

Por causa da pandemia de Covid-19, Passos optou pelo transporte individual por app para se proteger e seguir em sala de aula.

“No começo do ano, o preço sempre era parecido: R$ 11 para ir e R$ 13 para voltar. Depois do meio do ano, sinto uma inconstância. O aplicativo já cobrou R$ 30. Teve uma hora que apareceu R$ 19 nos mesmos horários da manhã”, conta Passos.

E, quando a corrida é aceita, diz o professor, o passo seguinte é enviar mensagem ao motorista. “Eu peço: por favor, não cancele a corrida”.

Ana Paula Vieira, 31, coordenadora de comunicação de startups e também moradora da capital paulista, viu seus deslocamentos via aplicativo piorarem na pandemia. Ela vive com os dois filhos e o namorado numa casa em Heliópolis, maior comunidade da capital paulista localizada na zona sul.

Por viver na periferia, Vieira não conta com carros do aplicativo até a porta de casa. “Eu preciso ir até um dos quatro pontos da Estrada das Lágrimas onde eles aceitam as corridas porque não entram na comunidade”, diz.

“Eu trabalho no Itaim Bibi, um bairro nobre. Quando pego o carro do aplicativo, e o motorista descobre que o destino é Heliópolis, o cancelamento é certo”, afirma Vieira.

Segundo Rafael Calabria, coordenador de mobilidade urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), os percalços enfrentados pelo sistema de aplicativos de transporte de passageiros indicam “um reflexo da falta de visão que o poder público tem sobre mobilidade e deslocamento”.

“É preocupante porque os governos acham que só a tarifa autorregula a atividade. Mas se esquecem da precariedade pela qual os trabalhadores estão submetidos, da falta de cobertura do serviço na periferia e do preço elevado que muitos brasileiros não têm condição de arcar”, afirma Calabria.

Outro lado

A 99 diz, por nota, que sempre esteve aberta ao diálogo e, como empresa de tecnologia, mantém constantemente em análise tarifas e serviços.

“O reajuste nos ganhos dos motoristas entre 10% e 25%, que está sendo subsidiado integralmente pela plataforma, já está ativo em 20 regiões metropolitanas de todo o país, e seguirá expandindo nos próximos meses”, afirma.

O aumento no ganho dos motoristas, segundo a empresa, “é algo fixo e está ativo 24 horas por dia, sete dias por semana –não sendo promocional.

A 99 também informa que o repasse do valor da corrida aos parceiros em localidades e horários específicos será integral. Outra medida é o desconto de 10% em todos os postos da rede Shell do país.

A transparência é uma marca da 99 e os motoristas parceiros podem checar os detalhes dos seus ganhos por viagem no próprio aplicativo ou em páginas online de suas respectivas cidades, como neste exemplo de São Paulo: https://motoristas.99app.com/ganhos-sp/ [motoristas.99app.com].

A Uber foi procurada pela reportagem do InfoMoney, mas não se manifestou.

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Dhiego Maia

Subeditor de Finanças do InfoMoney. Escreve e edita matérias sobre carreira, economia, empreendedorismo, inovação, investimentos, negócios, startups e tecnologia.